Sem medo do que hoje ainda é tabu, um casal de Curitiba decidiu adotar duas crianças soropositivas para realizar o sonho de ter uma família grande. Em 2012, os dois acolheram um menino ainda bebê e que hoje tem três anos e uma garota adolescente, atualmente com 14, ambos com HIV.
A ideia inicial era ter um filho biológico para em seguida procurar uma adoção tardia, ou seja, acolher uma criança com mais de 10 anos. Mas a vida decidiu fazer diferente… Depois de quatro anos de tentativas para o filho biológico, o casal mudou os planos. Os dois procuraram informações sobre adoção, fizeram cursos, participaram de discussões e no dia a dia desta preparação se depararam com a oportunidade de adotar uma criança com HIV.
“Eu e minha mulher nos olhamos… A gente pensou que seria a chance de ter uma criança pequena e de forma rápida. Então decidimos estudar a adoção de soropositivos. Praticamente inexiste adoção de crianças com HIV”, afirma o pai das crianças.
Essa agilidade ocorre porque, normalmente, homens e mulheres que procuram adotar uma criança impõem restrições e dificilmente aceitam acolher soropositivos – só 7,5% aceitam alguma deficiência ou doença no país.
O juiz Fabian Schweitzer, da Comissão Estadual Judiciária de Adoção do Paraná, diz que o país precisa “capacitar os adotantes”. “Eu sempre digo para os casais que se habilitam para crianças loiras, de olhos azuis: ‘Você quer adotar uma Barbie? Atravesse a rua e vá no R$ 1,99’”, afirma o magistrado.
O homem já tinha um filho biológico do primeiro casamento – que hoje, com 17 anos, tem uma convivência harmoniosa com os irmãos.
A mulher, porém, nunca havia sido mãe e queria um bebê para passar por todas as fases possíveis da maternidade.
“Ela queria poder 'maternar' mesmo. Para poder ter a amamentação, fraldas, chorinho, tudo o que tem direito”, lembra o pai.
“Essas crianças – olho claro, olho escuro, cabelo crespo, pele escura, pele clara – precisam, na verdade, de carinho, de amor, de atenção. Se a gente der tudo isso para elas, elas se tornam bonitas internamente, o que reflete externamente. O problema é que a sociedade faz um estereótipo e isso é complicado. É preciso quebrar esse paradigma que as pessoas têm que ter beleza exterior para depois se ver a beleza interior.”
O casal faz parte de um grupo de pais do Paraná que tomou a iniciativa e tem engrossado o número de adoções no estado. De acordo com dados da Corregedoria Nacional de Justiça, órgão responsável pelo Cadastro Nacional de Adoção, em 2015, foram 97 doações no Paraná. O número é o terceiro maior do pais. O Rio Grande do Sul foi o líder, com 148 adoções. Em seguida, aparece São Paulo com 127 acolhimentos. Em todo o Brasil, 625 crianças ganharam novos lares.
Já no ano passado, o Paraná conquistou a liderança com 218 adoções entre as 1.100 registradas no país.
Os encontros
Após pesquisar e ler bastante sobre a adoção de crianças soropositivas, o casal decidiu visitar um abrigo em Curitiba. Lá encontraram o garoto. Depois, conheceram também a menina.
“Quando vimos aquele bebê de 45 dias de vida, nos apaixonamos.” À época, os exames médicos para comprovar ou não o diagnóstico de HIV ainda não estavam concluídos. O casal, então, não escapou do conflito humano entre o emocional e o racional.
“Se o teste sai e dá negativo, ele [o bebê] entraria na fila de adoção normal. Se ele tivesse HIV, ficaria na instituição. É um sentimento meio egoísta, estranho. Porque se ele tem HIV, ele vai levar isso para o resto da vida, mas se ele não tem, a gente o perdeu. É um contraste muito grande e a gente se apegou tanto que já não importava”, lembra o pai.
De qualquer forma, a ideia de adotar uma criança mais velha ainda estava presente nas conversas do casal. “Eu pensei em procurar alguma coisa diferente do que as outras pessoas fazem porque acho que essas crianças não têm oportunidade na vida. Tem muita criança que tem um potencial enorme e precisa de alguém para dar uma estimulada”, relata o pai.
Com a parte burocrática da adoção do menino já em andamento, os dois encontraram a pré-adolescente – uma menina tímida, que quase não era vista no abrigo e que os cativou. De julho a dezembro de 2012, o casal já estava com os dois filhos.
A todos os casais que querem se tornar pais por meio da adoção, o pai tenta resumir a busca: “É procurar crianças que possam satisfazer o sonho de sermos pais para satisfazer o sonho das crianças de terem uma família. Isso é importante”.
A nova família
Agora, a casa estava mais cheia – o casal, o filho biológico e mais os filhos adotivos. A adaptação do garoto, por ter ido morar com o casal ainda bebê, foi mais fácil do que a da menina.
“São crianças carentes, que precisam de amor e carinho. A hora que você dá atenção elas realmente se aproximam. E a adaptação foi a melhor possível porque meus pais, meus sogros, tios, primos e irmão, todos acolheram muito bem.”
Para o pai, a menina precisa de uma atenção especial, já que passou por um período de carência de 11 anos. “Foi um período em que ela não teve os pais. Ela veio de uma instituição onde tinha maneiras de agir, ideias, verdades e mentiras que ela cria. Então, a gente ainda precisa adaptá-la melhor. Ela requer mais cuidado por ainda não estar da maneira que a gente acredita que seria importante para ela”, conta.
São situações corriqueiras de qualquer família. “Para ser uma família harmoniosa, como a gente gostaria que fosse, ainda falta uma coisinha, mas eu não posso reclamar de absolutamente nada. Eu tenho consciência de que esse é um processo normal, que dura a vida inteira”, avalia o pai.
A alegria da família é visível, seja do ponto de vista dos pais, seja do ponto de vista dos filhos. A satisfação está em cada abraço, em cada beijo, na correria matinal antes de sair para a escola.
“A gente queria ter uma família grande e a gente conseguiu. A família grande está formada – são três filhos eu e minha esposa. Nós estamos realizados, nós criamos a nossa família."
O empresário destaca que não existe diferença na educação de um filho biológico e um adotivo. “Não pense que porque é adotivo vai dar mais ou menos problema. É só olhar as estatísticas de filhos que fazem barbaridade com os pais e não são adotivos. Se a gente não cuidar, dá problema independentemente de ser adotivo ou não. Os problemas são normais, assim como os que eu dei para os meus pais quando era jovem”, brinca.
Fonte: G1