A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, concedeu parcialmente a liminar e suspendeu temporariamente a posse da deputada Cristiane Brasil no Ministério do Trabalho. A ministra quer tempo para analisar a decisão tomada pelo presidente interino do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Humberto Martins, de liberar Cristiane para assumir o ministério mesmo com condenação na Justiça trabalhista. A posse da petebista estava prevista para as 9h desta segunda-feira (22).
Cármen quer analisar os argumentos de Martins, cujo despacho ainda não foi divulgado. ” A presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, deferiu parcialmente a liminar e suspendeu temporariamente a posse da deputada Cristiane Brasil até que venha ao processo o inteiro teor da decisão do STJ (proferida no sábado e ainda não publica). Se for o caso, e com todas as informações, a liminar poderá ser reexaminada”, informou a assessoria do Supremo por volta de 1h45 desta segunda.
A dúvida não é sobre se Cristiane está apta ou não a assumir o ministério, mas a respeito de qual instância deve decidir se ela pode ou não ser empossada no Ministério do Trabalho mesmo tendo condenação na esfera trabalhista. Cármen acolheu parcialmente pedido do Movimento dos Advogados Trabalhistas Independentes (Mati), que contesta na Justiça desde o início do mês a nomeação da deputada.
Antes da decisão do STJ, o governo já acumulava três derrotas na Justiça Federal. Os magistrados também já haviam negado pedido de Cristiane para assumir a pasta.
Para o movimento, a competência para dar a palavra final sobre o assunto é do próprio Supremo, e não do STJ. “O STF é o guardião da Constituição Federal e o ministro do STJ não poderia ter dado tal decisão pois não detém competência para tanto”, alegam os autores da reclamação. “Confiamos na Justiça e no Supremo Tribunal Federal aguardando que o artigo 37 da CF [Constituição Federal] seja observado como deveria ser. De forma imparcial e justa. E analisando a grande imoralidade que há nessa nomeação e a enorme e evidente afronta à Constituição Federal”, complementam.
Humberto Martins argumentou que a nomeação de ministros é de competência exclusiva e privativa do presidente da República e, por isso, não pode ser revista pela Justiça. Humberto acolheu pedido da Advocacia-Geral da União (AGU), que já havia sido derrotada em três oportunidades na Justiça Federal.
Os advogados trabalhistas do movimento alegam que a ministra deve ter pleno direito de defesa e contraditório, mas pedem ao STF que suspenda a decisão liminar do STJ para “evitar os danos que poderão advir” enquanto não se analisa o mérito da ação. “Fato é (público e notório, aliás), noticiado pelo oficialmente governo federal, que a posse da ministra está agendada para a próxima segunda-feira, dia 22 de janeiro de 2018. Não há, portanto, tempo hábil para se aguardar dilação probatória ou oferecimento do contraditório”, sustentam.
Cristiane Brasil teve sua posse congelada por ter condenações na Justiça trabalhista por violações a direitos de ex-funcionários. “Ocorre que em nosso ordenamento jurídico inexiste norma que vede a nomeação de qualquer cidadão para exercer o cargo de ministro do Trabalho em razão de ter sofrido condenação trabalhista”, contestou em sua decisão o ministro Humberto Martins.
Ele ressaltou que a nomeação é prerrogativa do presidente e que, diferentemente do que ocorre em outros cargos, inexiste exigência de que o indicado não tenha condenações criminais ou em casos de improbidade administrativa, para comandar um ministério. “Não há qualquer previsão normativa de incompatibilidade de exercício de cargo ou função pública em decorrência de uma condenação trabalhista, que diz respeito a uma relação eminentemente privada, como no caso dos autos”, reforçou.
“O perigo da demora – grave risco de dano de difícil reparação ou mesmo irreparável – está suficientemente demonstrado pela necessidade de tutela da normalidade econômica, política e social. Não é aceitável que decisões liminares suspendam atos de nomeação e de posse, sem clara comprovação de violação ao ordenamento jurídico”, escreveu o presidente em exercício do Superior Tribunal de Justiça.
Impasse para o governo
A decisão de Cármen Lúcia mantém o impasse criado para o governo com a barração da petebista. A nomeação dela foi anunciada pelo presidente do PTB, Roberto Jefferson (RJ), pai da deputada e influente líder do partido no Congresso, considerado importante para aprovação da reforma da Previdência. “A decisão em combate vem interferindo drasticamente no Poder Executivo Federal, provocando danos à gestão governamental, na medida em que coloca em risco o Ministério do Trabalho ao deixar a pasta sem comando, impedindo, via de consequência, a normal tramitação de importantes ações governamentais e sociais”, alegou a AGU.
Cristiane Brasil foi condenada, em 2016, a pagar R$ 60,4 mil em dívidas trabalhistas a um motorista que prestou serviços ela e sua família entre 2012 e 2014. A decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT-1) já foi confirmada em segunda instância no ano passado, restando à deputada recurso apenas quanto ao valor da indenização.
De acordo com a ação, o motorista Fernando Fernandes trabalhava cerca de 15 horas por dia e não tinha carteira assinada. Na versão da nova ministra, o motorista exercia trabalho eventual e nunca foi seu empregado. Parte dos R$ 60 mil já teria sido abatida com penhoras, restando liquidar R$ 52 mil.
Em depoimento durante o processo, Fernando disse que ganhava R$ 1 mil em dinheiro e mais R$ 3 mil depositados em conta para prestar serviços das 6h30 às 22h, levando Cristiane, os filhos e empregadas da deputada a compromissos e às compras.
Outro processo contra a nova ministra foi aberto em 2017, por outro motorista, mas não prosseguiu após as partes aceitarem uma conciliação. Ela se comprometeu a pagar ao reclamante R$ 14 mil em dez parcelas a assinar a carteira de trabalho.
De acordo com reportagem de O Globo, os R$ 1,4 mil pagos mensalmente ao ex-motorista da ministra nomeada saem da conta de Vera Lúcia Gorgulho Chaves de Azevedo, lotada no gabinete de Cristiane na Câmara dos Deputados. O ex-funcionário trabalhou para ela e sua família entre 2014 e 2015.