Opinião

CARAVANA MUSICAL

Entrar no Cine Pampa, em Uruguaiana, fronteira do Brasil com a Argentina, foi como voltar no tempo. No mesmo espaço, no início da década de 80, tive o prazer de conhecer o berço do movimento que geraria o de melhor a música nativista gaúcha produziu: a Califórnia da Canção Nativa do Rio Grande do Sul.

Novamente as raízes levavam ao agora Teatro Rosalina Pandolfo Lisboa. Era uma apresentação de música campeira, a “Caravana Chamameceira”, uma promoção do Arte Sesc que aportava no berço do nativismo com um show da família Fagundes, Elton Saldanha e Alejandro Brittes.

Dos gaúchos já conhecia um pouco de suas obras re-conhecidas por todos. Do acordeonista  argentino nunca ouvira falar.

Depois de passar pela portaria do teatro e até entrar na sala de espetáculo a impressão que o tempo parou. Destaque para a boa conservação do espaço, muito bem cuidado.

Foi só impressão e durou pouco. A sensação foi quebrada. No palco, junto aos microfones, duas cadeiras, dessas brancas de plástico, destoavam do clima. Substituíam antigos mochos em que violeiros sentavam-se e acordeonistas apoiavam os pés.

Um giroscópio alucinado começou a projetar nas paredes laterais espirais lançados de canhões de luz no fundo do palco. Cai na real, diminui a expectativa pensando que era melhor retornar ao vigésimo primeiro milênio e abrir a mente para o que viria.

O espetáculo dirigido e produzido por Magali de Rossi já percorreu 12 cidades brasileiras, 2 argentinas e fez uma excursão pela Itália, rodando por 9 cidades, entre elas, Veneza, Verona e Roma.

Quando o show começou mais um estranhamento. Elton Saldanha abriu com algo parecido com um iê-iê-iê (lembram disso?) e lascou em seguida uma batida tipo sertanejo universitário. Demorou mas engrenou. Ernesto Fagundes, tocando bumbo legüeiro, apresentou os parentes. Nico e o Bagre, seu pai. Começou a falação. Nico Fagundes é apresentador do programa Galpão Crioulo, e Elton Saldanha locutor. Várias vezes se referiram ao fato de que ali era o palco da Califórnia entre outros clichês. Ora, ali só tinha “cobra criada”…

Trocaria a prosa por mais uns dois bons números musicais. Principalmente se executados por quem quase nada falou e arrasou. Quando Alejadro Brittes abriu a gaita começou a melhor parte do espetáculo.

A magia foi quebrada quando cantaram em castelhano um chamamé lindíssimo composto em guarani. Se vale português e espanhol, por que não na língua nativa dos paraguaios?

Nem mesmo a iluminação de Fabrício Simões (que colocou os canhões de luz giroscópicas em linha na altura dos ombros dos artistas, torturando quem estava na plateia), conseguiu quebrar a força da gaita chamamecera que enfeitiçava a todos. Bastava fechar os olhos para sair da vulgaridade cênica sem conexão lógica com o espírito musical.

Depois de clássicos como “Km 11”, “Merceditas”, “Eu sou do Sul”, a noite foi encerrada com o emblemático “Canto Alegretense”. Podia ter mais…

Todo espaço para a maravilhosa música pampeira. Mais pureza e menos enfeite. Sem traduções e tentativas de explicar o que, por si só, já diz a que veio e até onde pode chegar. Viva o Chamamé, o Sapucay.

E aguarde a caravana musical

Valéria del Cueto

About Author

Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Essa crônica faz parte da série “Ponta do Leme”, do SEM FIM... delcueto.wordpress.com

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