Inaugurado há mais de 30 anos, o Hospital e Pronto-Socorro Municipal de Cuiabá (HPSMC) continua considerado “a porta do cemitério” para muitos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) e reflexo da má gestão da saúde pública no Estado de Mato Grosso. Com poucos hospitais regionais no interior e os municípios sem condições de garantir serviços mais complexos, no Pronto-Socorro de Cuiabá a superlotação aumenta a cada dia. Pelo menos 100 pessoas estão sendo atendidas em leitos improvisados, pelos corredores, enfermarias e inclusive na Sala Vermelha. Muitos já morreram na cadeira ou maca antes de conseguir um leito de UTI.
Ou seja, um verdadeiro caos, em consequência da falta de um hospital estadual na capital para atender pessoas que vêm do interior ou de outros estados, como Rondônia e Pará, e até de outro país (Bolívia). Faltam leitos para os setores de urgência e emergência e também para o os casos de cirurgia eletiva (pacientes que não correm risco de morte).
Apesar de ser a principal referência em urgência e emergência do Estado, o Pronto-Socorro de Cuiabá (PSMC) comporta apenas 207 leitos. No entanto, mais de 100 leitos são improvisados entre corredores e outros pacientes são amontoados em macas, em salas de emergência até cinco vezes mais lotadas.
Vivendo há anos a dura realidade do Pronto-Socorro, um servidor relatou à reportagem do Circuito Mato Grosso, esta semana, que pelo menos 64 pacientes estão acomodados em macas e cadeiras na unidade de suturas e traumas.
Além disso, há um excedente de até 32 leitos na sala vermelha, de emergência para pacientes clínicos, como enfartados, com Acidente Vascular Cerebral (AVC), tuberculose, soropositivos (HIV), pneumonia grave, entre outros, amontoados no local que deveria abrigar apenas oito leitos.
Ainda no segundo andar, existem três Unidades de Tratamento Intensivo (UTI), com 37 leitos, ala infantil apenas para pacientes graves e estáveis, com 26 leitos, sem um lugar apropriado para isolamento de crianças infectocontagiosas, com meningite, tuberculose, por exemplo, que ficam abrigadas no consultório.
Somente no primeiro andar são 60 leitos de retaguarda, destinados a quatro enfermarias, com verba especial do Ministério da Saúde, que deveria ter na prática dois médicos 24 horas de plantão, mais quatro enfermeiros para cada período e 16 técnicos de enfermagem.
Detecta-se ausência de médicos no período noturno, que trabalham apenas oito horas diárias, apenas dois enfermeiros para atender as enfermarias e oito técnicos de enfermagem. Ou seja, a metade do efetivo de plantão.
No quarto andar há 10 leitos para isolamento adulto, 34 para ortopedia e 26 para clínica cirúrgica. Enquanto isso, o terceiro andar aguarda o término da reforma para atender a pediatria.
Vítima de AVC consegue UTI só com liminar
Dona Lourdes José Soares de Oliveiras, de 45 anos, vítima de acidente vascular cerebral (AVC), chegou no dia 28 de agosto no PSMC, vindo de avião com UTI móvel, do município de Alta Floresta, com a promessa de ser atendida de imediato para fazer a cirurgia. Porém isso não aconteceu.
“Quando chegou aqui ela ficou no corredor por quase dois dias sem medicação, junto com gente que tomou tiro, pessoas morrendo do lado, de todo o tipo, misturadas. Depois foi para a sala vermelha, teve outro AVC, e só conseguimos levá-la para a UTI com uma liminar da Defensoria Pública”, relata com revolta o marido da paciente, Rogério Vitor de Oliveira.
Ele diz ainda que para conseguir realizar a cirurgia o hospital solicitou outra ordem judicial, pois o Estado não tinha condições de fazer essa operação na hora. Até para pedir exame precisa de liminar.
“Se tivessem feito a cirurgia no dia, ela já estava boa. Agora desenganaram minha mulher dizendo que ela está com morte cerebral. Isso é negligência”, diz Rogério quanto ao descaso de atendimento do hospital, ainda na esperança da recuperação da esposa, 10 dias após a entrada dela na UTI, em 1º de setembro.
A situação é triste diante da esperança de parentes que vêm do interior na ilusão certa de encontrar em Cuiabá um serviço de saúde pública de qualidade. E depois constatar o medo iminente da perda do ente internado, nas horas e dias entre corredores, salas e na portaria do hospital.
É um verdadeiro “seja o que Deus quiser”, expressão mais amena que “corredor da morte”, “porta de cemitério”, usadas por pacientes, como destacou Rogério, e brigas sem fim, que geram desconforto e desalento a todos.