Fotos: Ahmad Jarrah / Circuito Mato Grosso
A Ordem dos Advogados do Brasil, criada em 1930, vem participando das principais discussões acerca do ordenamento jurídico do Estado Brasileiro desde que seu embrião, o Instituto dos Advogados, surgiu na sociedade, há quase dois séculos. A instituição se organiza por meio de comissões (Defesa da Igualdade Racial, Direito do Trabalho etc) e um presidente, eleito a cada três anos, por meio de uma chapa composta por 84 membros da Ordem, no caso da seccional de Mato Grosso.
Com um poder político que não deve ser subestimado, a sociedade possui interesses no pleito, uma vez que decisões importantes que definem a vida das pessoas, seja em caráter individual ou coletivo, passam pelas mãos de advogados e advogadas, que só em Mato Grosso somam mais de 20 mil profissionais.
Assim, o Circuito Mato Grosso inicia uma série de entrevistas com as principais lideranças da OAB-MT que são cotadas para assumir, junto com seu grupo, a presidência e os cargos nas comissões nas eleições que deverão ocorrer em novembro de 2015. Nesta edição, entrevistamos Izonildes Pio da Silva, que faz oposição à atual gestão da Ordem. Nascido em Araguainha, mas criado em Barra do Garças (respectivamente, 463km e 503km da capital), o advogado reside há 33 anos em Cuiabá e, recentemente, realizou um sonho: em maio deste ano, Pio concluiu o doutorado.
Opositor do grupo de Maurício Aude, atual presidente da OAB-MT, ele explica que só não concorreu na última eleição em razão da perda de sua filha, que faleceu pouco antes do pleito após sofrer um acidente vascular cerebral (AVC). “Mesmo assim, em respeito ao grupo, registrei a chapa”, disse. Pio afirma ainda ser a pessoa certa para corrigir os problemas de uma gestão que está no poder há 21 anos, fato que ele classifica como “extremamente negativo”, e critica o “uso da máquina” pelos advogados membros das comissões, durante as eleições.
Circuito: Quando surgiu o interesse pela advocacia? Fale um pouco das suas origens e do porquê de você querer a presidência da OAB-MT.
Pio: Antes de falar da minha origem e fazer as considerações, queria dizer que nossa candidatura é o desejo de um grupo que já vem se reunindo há quatro anos. Na última eleição registramos uma chapa em respeito aos advogados do grupo. Mas só registramos. Esse objetivo teve que ser adiado, pois uma fatalidade me atingiu: minha filha de 23 anos, faltando quase 30 dias para eleição, levantou de manhã, teve um AVC e faleceu. Por isso tivemos que adiar o projeto. Mas nesses últimos 16 anos em que venho acompanhando a entidade, vejo que a nossa instituição é administrada por um grupo que só pensa nas benesses pessoais. Nós queremos devolver nossa entidade para todos os 20 mil advogados do Estado, que lutam diariamente nos fóruns, pela sobrevivência. Advogados que no futuro serão muito bem sucedidos. Eu já fui engraxate, padeiro, vendedor de picolés, fui gerente geral do Bradesco, com 21 anos de idade, e tinha sob minha responsabilidade aproximadamente 150 funcionários. Sou um bom gestor, tenho hoje meu escritório com 10 profissionais. Sou bem sucedido como muitos outros advogados. Tinha o sonho de concluir meu doutorado. Consegui realizar esse sonho no dia 22 de maio deste ano. Vejo que nossa entidade é mal administrada e só traz benefícios para aqueles que querem ter benesses próprias.
Circuito: Alguns advogados apontam para uma suposta centralização de poder e de recursos na relação entre a seccional de Mato Grosso e as subseções do interior do Estado. O senhor concorda com isso?
Pio: Temos 29 subseções do interior hoje em Mato Grosso, todas subordinadas à seccional de Mato Grosso. O que acontece é que a diretoria central da instituição não deixa as subseções caminharem com as próprias pernas. Elas não têm sobrevida, ficam na dependência daqui. Em Rondonópolis, por exemplo, existem mil advogados aproximadamente. Aquela instituição recebe em média de R$ 5 mil a R$ 10 mil todo o mês, que a seccional envia para ajudar no custeio. Nossa proposta, desde a eleição passada, é que 30% do valor pago pelos advogados, a anuidade, seja encaminhada automaticamente para aquela subseção para que ela possa sobreviver, melhorar a estrutura física, informatização de processos, e todos os demais requisitos. As subseções do interior terão vida própria. Isso é primordial para o atendimento ao advogado do interior. A verdade, hoje, é que a grande maioria das subseções da OAB no interior está abandonada, não possui salas, nem computadores, apresenta mau cheiro, e também não tem pintura adequada. A Caixa de Assistência sobrevive com 20% da anuidade. De toda anuidade paga, 20% já cai diretamente na caixa de assistência. A OAB fica com 80%. Isso já acontece com a Caixa, cujo presidente é Leonardo Campos, que com essa sobrevida individual vem há dois anos utilizando sua posição para largar na frente no processo eleitoral, no interior
Circuito: A proposta é encabeçar uma chapa ou alianças com outros grupos são possíveis?
Pio: Sempre conversamos com o nosso grupo o seguinte: a grande vontade nossa é unificar a oposição. Temos hoje na situação três candidatos que usaram os quase três anos para viajar para o interior para fazer publicidade com dinheiro nosso, dos vinte mil advogados. Já a oposição, hoje, possui a nossa candidatura e a do José Moreno. Temos conversado com várias pessoas do outro grupo, incluindo o próprio José Moreno. Já venho dialogando há muito tempo para unificar essa oposição. Mas da cabeça de chapa não abriremos mão. Temos as melhores propostas, somos uma oposição 100%, nunca fizemos parte da situação. São 84 membros que o grupo possui e o objetivo é unificar a oposição, mas não abriremos mão da cabeça de chapa.
Circuito: O senhor teceu duras críticas ao uso da máquina durante as eleições da OAB-MT. Como avalia essa situação?
Pio: A situação tem um tripé hoje que é a Cláudia Aquino, o Fábio Capilé e o Leonardo Campos Todos eles são da situação e vêm nesses últimos dois anos viajando pelo interior, usando a máquina da nossa entidade para visitar subseções, confraternizando-se com todos os advogados. Isso é uso da máquina. Nós programamos um ato que aconteceu no dia do advogado, em 11 de agosto, sob o tópico “eleições limpas”. Queremos o fim da boca de urna, a desincompatibilização, bem como a prestação de contas da entidade. Nosso grupo OAB 100% Democrática já apresentou resultados, pois diante desse ato público, dessas três candidaturas, dois candidatos já se desincompatibilizaram, que foram a Cláudia Aquino e o Fábio Capilé. Leonardo Campos ainda resiste em desincompatibilizar. Não achamos justo e iremos cobrar. As pessoas para concorrerem no mesmo pé de igualdade devem se afastar do cargo, assim como acontece nas eleições tradicionais no Brasil.
Circuito: Como o senhor avalia a hegemonia da direção da OAB, que há 21 anos tem o mesmo grupo em sua condução?
Pio: É extremamente negativo isso. Esse continuísmo está atrelado a vários requisitos negativos. Há um atrelamento político também. Um dos defensores da candidatura de Maurício Aude é Francisco Faiad (ex-secretário de administração da gestão Silval Barbosa) e quem de fato o colocou na presidência da entidade. Não havia enfrentamento jurídico, nem administrativo da nossa entidade contra o poder executivo. É uma situação que fez com que ficássemos omissos a tudo isso, graças a esse atrelamento político da nossa instituição. Uma das nossas propostas, que serve para todos os 84 advogados da nossa chapa, é que todos tenham isenção no enfrentamento junto ao executivo, legislativo e judiciário. Não vemos na nossa entidade esse enfrentamento jurídico, e mesmo o administrativo. Hoje se faz um requerimento, conseguem-se dois itens dessa demanda, por exemplo, e depois a história morre em virtude do atrelamento político. Essa relação com o poder já dura mais de duas décadas.
Circuito: A relação comercial que os advogados possuem com algumas personalidades empresariais e políticas pode trazer consequências negativas para a atuação na OAB-MT?
Pio: Em razão desse continuísmo, na administração de Maurício Aude vimos vários conselheiros no grupo de 84 criarem um atrelamento com o poder público. São pessoas que possuem processos criminais gravíssimos, com duras acusações. No nosso entendimento, quando se participa de uma chapa com 84 membros, se já existem acusações contra essas pessoas, apesar do direito legítimo da ampla defesa, eles precisam ser afastados e, além disso, há a necessidade dessa informação ser de notório conhecimento do restante dos advogados. Não é o caso atual do grupo sob a presidência de Maurício Aude. Todos os que estão envolvidos ou supostamente envolvidos com políticos e empresários investigados não estão afastados da Ordem, em sua maioria.
Circuito: Por um lado, a oposição afirma que não existe de fato transparência da Ordem. A situação rebate, dizendo que as contas são aprovadas por auditores do Conselho Federal. Qual sua posição sobre isso?
Pio: Hoje o próprio Conselho Federal da nossa entidade possui três membros que são da situação, do mesmo grupo de Maurício Aude, além dos suplentes. Essas prestações de contas não são discriminadas, elas não são feitas na sua individualização. Não são apresentadas as notas fiscais de todos os valores, nem publicadas no site. Não é um prestação de contas completa, é um serviço para inglês ver. Essa é a verdade. Nosso grupo, OAB 100% Democrática, temos nos reunido e conversado e pretendemos implantar na gestão o pregão eletrônico. As contas serão apresentadas nota fiscal por nota fiscal, ficando à disposição para consulta dos 20 mil advogados de Mato Grosso. Será discriminada despesa por despesa. Um dos requisitos essenciais da transparência é o concurso para as pessoas que trabalham dentro da nossa entidade. Vamos valorizar e prestigiar a Ordem, queremos fazer coisas que não vêm sendo feitas nas últimas duas décadas diante desse continuísmo.