Em um dia janeireiro, atenta ao programa jornalístico ‘Conexão Senado’, da Rádio Senado, interrompi as tarefas matinais para ouvir uma entrevista de Adriano Faria e Raquel Teixeira com Cristina Monteiro, coordenadora do Museu do Senado, localizado no Congresso Nacional. Em primeiríssima mão, o tema abordou o minucioso trabalho de restauração da tapeçaria de Roberto Burle Marx, obra vandalizada em 8 de janeiro do ano passado, durante à tentativa de golpe de Estado.
Burle Marx é conhecido por ter introduzido o paisagismo modernista no Brasil. Também coleciona reconhecimentos como artista plástico, designer, escultor, joalheiro, cantor e colecionador de obras de arte. E, ao visitar o Sítio Roberto Burle Marx, unidade do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, situado em Barra de Guaratiba, Rio de Janeiro, é possível conhecer suas aptidões culinárias, com receitas criativas:
Pitangolangomangotango Ingredientes: 1 kg de pitanga madura 2 colheres de sopa de açúcar 750 ml de vinho tinto Preparo: Amassar as pitangas, passar na peneira em uma vasilha, juntar as pitangas ao vinho e ao açúcar. Sirva gelado. |
Voltando à entrevista do ‘Conexão Senado’, a coordenadora do Museu do Senado relatou especialmente as fases do trabalho de restauro de uma tapeçaria de Burle Marx exposta no Salão Negro, uma das 21 obras de artes atacadas por atos de vandalismo durante a invasão do dia 8 de janeiro. A peça, datada de 1973 e avaliada em R$ 4.000.000,00, foi arrancada da parede, atingida com objeto cortante, urina e pó de extintor de incêndio.
Este ano, no dia 23 de janeiro, após o término das etapas de restauração que levaram em torno de três meses, a tapeçaria da década de 1970 – anos imersos no auge da ditadura militar – a obra de arte retornou ao seu local de origem. No Salão Negro do Congresso Nacional, uma das obras do legado de Burle Marx reocupa seu “lugar de estar”, termo que me inspiro na exposição ‘Lugar de estar: o legado de Burle Marx’, que ocorrerá em breve no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, autor do projeto de seus jardins. A exposição contará com uma centena de itens, inclusas obras de outros e outras artistas que revisitaram sua obra. Entre elas, Yacumã Tuxá, artista visual e ativista do povo indígena Tuxá, município de Rodelas, Bahia.
Como informou o programa ‘Conexão Senado’, ainda é possível visualizar os remendos de mais de 21 centímetros que, como cicatrizes, testemunham os impactos arremetidos contra a bela confecção artesanal de fibras de algodão. Essas cicatrizes me fizeram lembrar do livro ‘A pedra arde’, escrito por Eduardo Galeano e ilustrado por Luis de Horna. Baseado no pensamento de Arkadi Gaidar, escritor russo-soviético, narra a história de um velho, guardador de pomar e fazedor de cestos de vime e sandálias de cânhamo que vivia sozinho em sua casa no povoado de Nevoeiro. Desdentado, de nariz torto, andar curvo e manco, uma enorme cicatriz atravessava seu rosto, acabou conhecendo Carassuja que lhe deu uma pedra com os dizeres: “Jovem serás, se és velhinho, quebrando-me em pedacinhos.”
A ideia do menino era a de que o velhinho quebrasse a pedra em pedaços para se tornar jovem. Mas, para seu espanto, aquele homem, tão franzino e feio, recusou sua oferta. E, pela primeira vez, contou sua história: “Estes dentes não caíram sozinhos. Foram arrancados à força. Esta cicatriz que marca meu rosto não vem de um acidente. Os pulmões e a perna foram quebrados quando escapei da prisão ao saltar um muro alto. Há outras marcas mais, que você não pode ver.” O velho continuou: “Essas marcas são meus documentos de identidade. Lutei muito tempo. A luta pela liberdade é uma luta que nunca acaba.”