Plantão Policial

Brinquedo é um perigo nas mãos de bandidos

Fotos: Raul Bradock

Se imagine caminhando, distraído (a), por uma rua da cidade numa noite comum e, de uma hora pra outra, surge em sua frente dois suspeitos com uma arma na mão anunciando o assalto. Dramático? Assustador? Nesse tipo de caso a vítima pensa em tudo, menos na hipótese de a arma ser falsa, um simulacro – imitação de arma de fogo. Ações criminosas dessa natureza vêm se tornando rotineiras na região metropolitana do Estado de Mato Grosso, onde os bandidos se aproveitam de lugares isolados, com pouca luminosidade e atacam principalmente vítimas impotentes, como, por exemplo, mulheres sozinhas.

Esses ‘brinquedos’, praticamente idênticos às armas de fogo verdadeiras, são cada vez mais utilizados em atos ilícitos, como ações rápidas de assalto a pedestres, pessoas em pontos de ônibus etc., alguns simulacros chegam a representar de maneira idêntica, até no peso, armas de fogo. Ambos são utilizados de igual maneira no mundo do crime.

A reportagem do Jornal Circuito Mato Grosso foi até o Centro Integrado de Segurança e Cidadania (Cisc) do Bairro Planalto em Cuiabá (MT), onde funciona a Central de Flagrantes responsável pela coleta de todos os materiais apreendidos nos plantões dos diversos Batalhões de Policia Militar (BPMs). Lá o escrivão da Polícia Civil Rogen Mendes Portela, um dos responsáveis por conferir os materiais aprendidos na capital, informou que a maioria dos suspeitos flagrados com os simulacros são menores de idade na prática do roubo.

“Geralmente, os simulacros são apreendidos com menores de idade, praticando diversos crimes como furto, roubo e, se eles estiverem acompanhados de mais uma pessoa, serão mais violentos. Mas se estiverem sozinhos, eles irão colocar a mão na cintura e vão simular estarem armados”, explica.

Essas imitações são adquiridas principalmente pela internet e em algumas lojas de brinquedos, mas, também, é caracterizado como um simulacro a imitação feita artesanalmente com plástico, madeira e, de acordo com o escrivão, alguns chegam a ter até peças de armas de fogo, porém com o objetivo e levar a vítima a crer se tratar de uma arma verdadeira.

Rogen explica também que grande parte do que é apreendido em Cuiabá passa pelas suas mãos para conferência e que esse tipo de material é frequente. “Todos os procedimentos que são feitos no plantão de Cuiabá vêm para cá e a frequência é de três casos de simulacros por semana, claro, tem mês que chega a mais, porém a média é essa, de três a quatro por semana”.

Mulheres

Assim como em todas as modalidades de crimes, agentes de segurança pública orientam as vítimas a não reagirem em uma ação criminosa, pois é a vida que está em jogo. De acordo com a Polícia Civil, o principal alvo dos bandidos são mulheres. “Eles cometem principalmente roubo na rua e o perfil preferido de vítimas são as mulheres sozinhas. Eles roubam bolsa, celular, dinheiro, enfim, tudo de valor que estiver em posse da vítima. Eles também costumam ir a pontos de ônibus no início e no fim do dia”, conta o escrivão.

Uma arma falsa apreendida por dia

De acordo com dados da Secretaria de Estado e Segurança Pública (Sesp), nos cinco primeiros meses deste ano foram apreendidos pelo 1° Comando Regional (CR), em Cuiabá, 72 simulacros de arma de fogo. Um acréscimo de 18% em relação ao mesmo período do ano passado, onde foram apreendidos 61 armas de brinquedo.

Ao todo, foram apreendidos pelo 1° CR no ano passado 178 simulacros, o que dá quase uma arma falsa a cada dois dias.

Polícia orienta vítima a nunca reagir

Para o delgado de polícia Roberto Ohara, o ato de não reagir é a melhor escolha, independente da situação. “A vida é mais valiosa que um celular, apesar de que dá raiva, mas fazer o quê? A vítima vai arriscar? Não vai. Até porque se chega um cara com uma arma idêntica à real, a vítima não vai ficar reparando na arma e ainda que o fizesse, a maioria das pessoas sequer tem o conhecimento da aparência de uma arma de fogo verdadeira”.

Ohara também orienta que, em casos de roubo, a vítima não faça movimentos bruscos que possam levar o suspeito a crer se tratar de reação. “Não pode nem fazer um movimento um pouco mais brusco, porque eles vão achar que a gente está reagindo e vão partir para a agressão”, relata o delegado.

Ele cita um exemplo: “você está dirigindo o carro com a mão no volante e chega o camarada e anuncia o assalto. É orientado que a vítima não faça um movimento muito rápido ao tirar a mão do volante, é necessário que haja sempre um diálogo dizendo que vai tirar a mão do volante e descer do carro, tudo isso para evitar que o criminoso parta para a agressão por pensar se tratar de uma reação”.

O delegado ainda exemplifica em ditado o motivo da não reação. “A vítima nunca deve reagir, independente se perceber se a arma é falsa ou não, é como aquele ditado: vão os anéis, mas os dedos ficam. Perder a vida por pequenos objetos não vale a pena”.

Casos com armas de brinquedo

Caso que surpreende pela natureza atípica, um estudante de 16 anos foi apreendido dentro da Escola Estadual Tiradentes, com um simulacro no dia 13 de junho. A arma de brinquedo foi encaminhada para a Central de Flagrantes e o jovem liberado após presença de responsável

No dia 20 de abril um homem de 30 anos foi vítima de assalto enquanto caminhava, à noite, no Bairro Vista Alegre, nas proximidades do Parque Zé Bolo Flô, em Cuiabá (MT). Dois suspeitos foram presos, Jeferson Siqueira Rodrigues, 21 anos e um menor de 16 anos, eles estavam com uma arma de brinquedo.

Em 31 de março a polícia recebeu a denúncia de que havia um homem armado no ponto final de ônibus no Bairro Residencial Arica, em Cuiabá (MT). E em outro caso, no mesmo dia, um homem foi preso no Bairro Jardim Botânico, também na capital.

O suspeito, Wanderson Oliveira Almeida, 33 anos, não estava no ponto de ônibus, mas foi localizado em um bar nas proximidades. Com ele, uma imitação de um revólver feito de madeira.

Já no Jardim Botânico, Yure de Paula Paixão, 24 anos, também foi com um simulacro. Ele estava com uma tornozeleira eletrônica da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), desligada.  De acordo com a polícia as imitações de armas seriam usadas em roubos em ambos os casos.

Venda é proibida por lei

De acordo com artigo escrito pela advogada e professora de direito Thathyana Assad, publicado no Canal Ciências Criminais, o conceito de simulacro é “trazido pela Portaria nº 006 – D LOG, de 29 de novembro de 2007, do Departamento Logístico, do Exército Brasileiro, Ministério da Defesa. O artigo 2º, inciso II da aludida norma, explica que: simulacro é uma imitação de arma de fogo, que não possui aptidão para a realização de tiro; (…)”.

Thathyana ainda explica em seu artigo que o “Regulamento Aduaneiro (Decreto nº 6.759/2009), compilando parte das disposições do artigo 26, da Lei nº 10.826/2003, preconiza que: Art. 611. É vedada a importação de brinquedos, réplicas e simulacros de armas de fogo, que com estas se possam confundir”.

Portanto, é compreendido que as armas de brinquedo que aparentam verdadeiras sequer podem ser importadas. Exceto nas exceções contidas no artigo 611 do Regulamento Aduaneiro que permite a importação dos simulacros destinados à instrução, ao adestramento, ou à coleção de usuário autorizado, nas condições fixadas pelo Comando do Exército. Porém, ainda nos termos da lei, no Art. 26. “São vedadas a fabricação, a venda, a comercialização de simulacros de armas de fogo, que com estas se possam confundir”, está escrito.

Ou seja, a pessoa não autorizada que realiza a importação deste tipo de material, pode ser enquadrada no crime de contrabando.

Segundo Thathyana Assad, o mundo das imitações também tem a atenção do direito. “Num mundo de grandes imitações e simulações, em que se comemora até um ‘primeiro de abril – dia da mentira’, há cópias quase perfeitas de muita coisa por aí. E, para algumas delas, o direito volta sua atenção, como o caso de simulacros de armas de fogo. Fato que se constata é: mentira que parece verdade pode causar danos. E simulacro pode levar à penalidade, sem nenhum tom de brincadeira”, finalizou em seu artigo.

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Raul Bradock

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