O brasileiro Fernando Torres posa ao lado de militar na porta da escola de seus filhos, em Bruxelas (Foto: Fernando Torres/Acervo Pessoal)
Uma das 19 comunas que compõem a Grande Bruxelas, Molenbeek-Saint-Jean ocupa lugar de destaque nos noticiários internacionais desde os atentados terroristas de Paris, em 13 de novembro. Ao menos quatro homens diretamente envolvidos nos ataques viviam na região, que concentra uma grande comunidade muçulmana, em sua maioria de ascendência marroquina.
Abdelhamid Abaaoud, apontado como mentor dos ataques, era um dos que morava naquela parte da capital belga, assim como Ibrahim Abdeslam e Bilal Hadfi, que se explodiram nos arredores do Stade de France, e Salah Abdeslam, irmão de Ibrahim e ainda foragido.
Além disso, Molenbeek é o local de origem do também procurado Mohammed Abrini, e dos já detidos Samir Z. e Pierre N., todos acusados de ajudarem na fuga de Salah.
Em uma entrevista concedida dois dias após os atentados, o ministro do Interior da Bélgica, Jan Jambon, chamou Molenbeek de “ninho de terroristas”. No mesmo dia, o primeiro-ministro do país, Charles Michel, também falou sobre o local, onde moram mais de 90 mil pessoas. "Quase sempre há um vínculo com Molenbeek. Temos um problema gigantesco ali", afirmou.
Mas para o brasileiro Fernando Torres, que vive há 18 anos em Bruxelas e já passou dois deles morando em Molenbeek, há exagero. “Podia ter sido em qualquer outro lugar aqui” diz ao G1 por telefone.
Como autônomo, ele percorre diariamente várias regiões a trabalho e constantemente vai a Molenbeek. Nos dias em que Bruxelas esteve sob estado de alerta máximo, ele relata ter visto muitos militares nas ruas e “um clima pesado”, mas procurou manter sua rotina. Apesar de soldados fortemente armados nos vagões de metrô e de um carro blindado na porta da creche de seu filho mais novo, de um ano, ele garante que não sentiu medo.
Fernando Torres posa ao lado de veículo militar na porta da escola de seus filhos, em Bruxelas (Foto: Fernando Torres/Acervo Pessoal)
“Não vi uma ameaça real e não acho que iriam cometer algum atentado justamente aqui”, diz Torres, que afirma continuar se sentindo mais seguro na Bélgica do que se estivesse no Brasil.
Ele conta ainda que sua convivência com a comunidade islâmica sempre foi amistosa, e que já chegou a ser cumprimentado em árabe quando morava em Molenbeek, por pessoas que pensavam que ele era marroquino. “Não vejo aquele lugar como o tal ninho de terroristas que falaram. O problema é que existem uns fanáticos que distorcem a religião, mas isso poderia ter acontecido em qualquer canto”, opina.
Torres diz ainda que percebeu que a população estava dividida, nos dias de alerta máximo, entre os que se assustaram realmente e os que acreditavam que o governo belga estava exagerando e criando um clima mais tenso do que o necessário.
Gisele Alves, que mora em Bruxelas há 11 anos, concorda em parte com essa avaliação e admite que ficou em pânico por alguns dias, mas que foram justamente cidadãos belgas que conseguiram tranquilizá-la. “Os belgas mesmo não estavam com tanto medo quanto os imigrantes, eles acharam realmente que teve um pouco de exagero”, lembra.
Ela conta que o filho de um de seus patrões foi quem mais a acalmou, garantindo que, caso realmente existam terroristas em Molenbeek, aquele seria o último lugar que eles atacariam. “Acho que eles iriam mirar alvos sem muçulmanos”, conclui.
Gisele Alves em frente ao Atomium, atração turística de Bruxelas (Foto: Gisele Alves/Acervo Pessoal)
Gisele faz serviços de limpeza em diversas comunas, e mora em Berchem-Sainte-Agathe, perto de Molenbeek, onde estuda seu sobrinho de dez anos. Ela diz que já tentou convencer sua irmã a tirar o menino de lá, mas voltou atrás ao reconhecer que a escola, onde cerca de 70% dos alunos são muçulmanos, é muito boa. Uma vez por semana Gisele vai a Molenbeek para buscar o menino após as aulas.
Ela diz que após a captura de envolvidos nos atentados de Paris e o decreto do estado de alerta, acabou ficando um pouco desconfiada sempre que se depara com muçulmanos em locais como o metrô. “Eu sei que não deveria ser assim, mas é automático, acho que é uma reação instintiva”, explica, lembrando como exemplo o dia em que entrou em um vagão quase vazio e viu um jovem muçulmano carregando uma mochila. Naquele dia, conta, os outros dois ou três passageiros que ali estavam acabaram se sentando todos próximos, longe do rapaz.
A brasileira afirma ainda que levou dias para conseguir se acalmar e que chegou a pesquisar preços de passagens para voltar ao Brasil, onde mora sua filha mais velha, de 17 anos. “Para ela e para a minha mãe foi muito difícil, porque de longe elas tinham menos noção de como estavam realmente as coisas aqui”, explica.
Mas, além das conversas tranquilizadoras com amigos belgas, ela diz que a decisão de ficar foi tomada principalmente pelo filho de sete anos, que é autista e tem acesso a um tratamento completo em Bruxelas, com direito a escola especial, terapia e consultas psiquiátricas gratuitas. “Eu não teria como oferecer isso a ele no Brasil, com certeza”, diz Gisele.
Fonte: G1