Opinião

Biruta batuta

Texto e foto de Valéria del Cueto

Dessa vez começo pela foto que também é vídeo e ilustra essa crônica. É da biruta que habita uma cobertura da Souza Lima, em Copacabana, em meio a exuberantes folhagens ornamentais e ramos de palmeiras do jardim suspenso de algum morador felizardo.

Não tenho jardim suspenso, mas quem sou eu para desdenhar da minha laje no telhado? Ao lado do puxadinho (mais um de muitos) que protege as caixas d´água do prédio e seus canos de ferro do sol e de fios, cabos, antenas e parabólicas, não tenho do que reclamar.

Ou melhor, tenho sim (é a força do hábito) das coberturas de amianto que, criminosamente, com o passar do tempo, substituíram as telhas de barro da cobertura do edifício, pra começar.

Posso dar meu testemunho afetivo porque, antes da pandemia, há décadas atrás, a meninada do condomínio, na qual me incluía, costumava frequentar o telhado. Naquela época, inclusive, dava para viajar aqui por cima e dar a volta pelos tetos até chegar a Souza Lima, um quarteirão depois.

Agora é impossível já que, como diz o ditado “o que os olhos não veem a fiscalização não atinge". As partes superiores dos arranha-céus de Copacabana viraram emaranhados de objetos inúteis, caso de cabos, e antenas obsoletos, substituídos por equipamentos mais modernos sem o devido descarte dos antigos que vão ficando por ali num emaranhado confuso.

Nem assim estou reclamando, apenas constatando e avaliando o material disponível para os ensaios fotográficos e literários quando se trata de falar da realidade do entorno (com um certo ar de Mad Max pandemia de Covid-19)  sem direito a escapes como a imaginação ou temas visuais que nos transportem para outros mundos, de preferência mais delicados que o nosso.

Por isso a biruta é tão significante no universo real onde habito. Ela, que é um peixe, me dá o rumo e indica o prumo dos ventos. Me conta por que vias eles andam circulando lá no alto.

Quando a meteorologia anuncia ventos e tempestades é para ela que meus olhos se voltam tentando mensurar a intensidade da tormenta por cima do quadrado de prédios que, como guerreiros com sua barreira de escudos, protegem a área formada pelos pátios internos, solitários e egoístas de cada prédio.

O flanar do peixe biruta indica a intensidade e a direção da ventania.   

As mais severas são aquelas que o rabo do peixe saracoteia para todos os lados, inflados pela boca que engole e engasga com o vento. Sem direção. Na dúvida entre a eira e a beira, dá umas paradas, como se descansasse de tanta agitação e precisasse respirar. Mas, logo em seguida, recomeça sua dança alucinada, para um lado, para o outro, no meio…

Em volta, as folhagens da cobertura fazem coreografias, contrastando com as rígidas barras brancas da grade que protegem os vasos do chacoalho.  Ás vezes suaves, outras vigorosas, tentam descabeladas acompanhar o peixe biruta guia.

Qualquer semelhança com a nossa biruta Covid-19 não é mera coincidência. É contraste.

O peixe/biruta está seguro, agarrado no mastro da ponta da varanda da cobertura. Já o vírus biruta, vagueia desgovernado, sem eira nem beira, distribuindo suas consequências nefastas e deixando seu rastro de morte por onde passa.

Pobre corona sem noção. De batuta não tem nada, biruta, segue flanando na inconsequência irresponsável que o impele e rasga o pais.  

*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “Arpoador” do SEM FIM…  delcueto.wordpress.com

 

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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