Lançado há um mês, o projeto conta com a adesão maciça das escolas: até o final de março, mais de 11 mil alunos terão assistido a Djihad e outros 11.740 mostraram interesse, obrigando o ministério a abrir uma lista de espera e estender as representações até junho.
A iniciativa partiu da ministra de Educação e Cultura, Joëlle Milquet, que comandou o Ministério do Interior da Bélgica entre 2011 e 2014, quando a questão dos combatentes estrangeiros na Síria começou a chamar a atenção da União Europeia.
A Bélgica é o país europeu com o maior número de cidadãos nas filas do grupo extremista autodenominado "Estado Islâmico" em proporção a seu total de habitantes. Muitos desses jihadistas são menores de idade saídos diretamente da escola.
'Terreno fértil'
"A escola é um terreno fértil para a radicalização e tem um papel fundamental em combatê-la", afirmou à BBC Brasil Olivier Laruelle, porta-voz do Ministério de Educação da comunidade francófona belga.
"Durante seu período como ministra do Interior, Milquet foi interpelada por vários diretores de escolas que buscavam apoio para enfrentar esse novo fenômeno de estudantes que abandonavam a escola e iam para a Síria, que não sabiam como tratá-lo e como proteger os outros alunos."
A necessidade de lançar um plano contra a radicalização específico para as escolas veio à tona depois dos atentados de Paris, no início de janeiro, explicou Laruelle.
"Ouvi afirmações que me chocaram durante as discussões que tivemos em classe depois dos atentados", lembrou Claude Simar, professor do centro escolar Saint Marie de la Sagesse, em Bruxelas, que enviará todos os alunos ao teatro.
"Havia desde crianças que elogiavam os ataques a outras que condenavam, mas achavam que os cartunistas (da revista satírica francesa Charlie Hebdo) fizeram por merecer. Percebemos que há um grande trabalho a fazer com os alunos".
Sua escola fica em Schaerbeek, um bairro popular de maioria turca e muçulmana que, em abril de 2013, viu dois estudantes de 16 anos partirem para a Síria. Mas, segundo Simar, os discursos "chocantes" não se limitam a alunos com um determinado perfil.
Caricatura da realidade
Escrita por Ismaël Saïdi entre agosto e setembro de 2014, Djihad narra – de maneira caricatural e com humor – a aventura de três jovens belgas de origem árabe que, desiludidos, encontram conforto na religião muçulmana, se radicalizam e decidem se unir aos combatentes extremistas na Síria.
A peça atribui a radicalização dos personagens à manipulação dos preceitos da religião islâmica por parte de alguns e ao desconhecimento por parte de outros, sem deixar de criticar o tratamento dado pelas autoridades belgas às minorias e aos excluídos da sociedade.
"É a nossa história. Tudo isso acontece todos os dias nos bairros mais desfavorecidos de Bruxelas e da Bélgica em geral", disse à BBC Brasil o autor, ex-policial convertido ao cinema e ao teatro há dez anos, que também atua na peça.
Tanto ele como os dois outros atores – Ben Hamidou e Reda Chebchoubi – são muçulmanos de origem imigrante, criados em bairros populares da capital belga.
"Djihad poderia ter acontecido com a gente. Quando eu era pequeno, no bairro, cansei de ouvir gente convidando para ir para o Afeganistão fazer a guerra santa. Hoje em dia é para a Síria", ressaltou.
Para o porta-voz do Ministério da Educação, essa proximidade, associada à leveza do texto, ajuda a passar a mensagem aos jovens, reforçada com um debate ao final de cada representação.
"As pessoas se reconhecem no palco, então ficam mais dispostas a escutar", acredita Laruelle.
Suleyman El Kadiri, de 14 anos, assistiu à peça entre gargalhadas, acompanhado de seus colegas de classe.
"Achei divertido, mas também me deu um pouco de medo ver na minha frente o que acontece quando eles estão ali (na guerra). E achei interessante porque mostra como alguém pode se tornar um monstro. Acho que pode ajudar as pessoas a ver o perigo e que a gente já tem bastante coisa pra lutar contra aqui", disse.
"Se (a peça) vai ajudar (a deter a radicalização) eu não sei. Mas o que eu sei, pela minha experiência no bairro, é que fazer nada é que não ajuda", defende Ismaël Saïdi.
Fonte: BBC BRASIL