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Batalhão 6888 (2024)

Baseado em uma história real, Batalhão 6888 retrata a jornada do 6888º Batalhão do Diretório Postal Central, uma unidade composta exclusivamente por mulheres negras durante a Segunda Guerra Mundial. Lideradas pela Major Charity Adams, essas 855 mulheres enfrentaram discriminação racial e de gênero enquanto assumiam a missão crucial de organizar e distribuir correspondências atrasadas para soldados no front europeu, trazendo esperança e moral aos combatentes.

O filme Batalhão 6888 traz uma história poderosa e inspiradora, destacando a luta e superação de mulheres afro-americanas durante a Segunda Guerra Mundial. O foco central do filme é a unidade militar composta exclusivamente por mulheres, o Batalhão 6888, que foi formado para superar obstáculos tanto relacionados ao racismo quanto ao sexismo da época.

 A principal mensagem de superação no filme é a capacidade dessas mulheres de desafiar as expectativas impostas pela sociedade, provar seu valor em um ambiente dominado por homens e, ao mesmo tempo, enfrentar as dificuldades de um contexto de guerra. Elas não foram apenas desafiadas pelas condições extremas da guerra, mas também pela desconfiança e discriminação de seus próprios compatriotas. O Batalhão 6888, apesar das dificuldades iniciais e da resistência tanto de homens quanto de mulheres da sociedade em geral, mostrou um esforço incansável para entregar resultados importantes. Sua superação está não apenas na execução de sua missão, mas também na força de persistir diante de um sistema que estava profundamente enraizado em preconceitos de gênero e raça.

 O filme aborda o absurdo do preconceito racial e de gênero. Durante a Segunda Guerra Mundial, as mulheres eram frequentemente vistas como incapazes de realizar tarefas “importantes” ou “pesadas” em um ambiente militar, com a sociedade insistindo na ideia de que seu papel seria limitado a funções auxiliares. Além disso, as mulheres negras eram ainda mais marginalizadas, enfrentando uma dupla discriminação. A resistência de suas contribuições, o tratamento desigual e a desconfiança de suas capacidades eram realidades diárias para elas.

Essa abordagem é um reflexo das questões mais amplas da sociedade, onde o racismo e o sexismo combinados resultavam em uma visão distorcida do potencial dessas mulheres. O filme, ao expor essas questões, faz uma crítica poderosa ao absurdo dessas visões, ao mesmo tempo que celebra a resistência dessas mulheres contra as normas e convenções sociais.

A relevância do filme vai além da guerra em si. Ele faz um paralelo com os desafios enfrentados por muitas mulheres negras ao longo da história, não só em tempos de guerra, mas também na sociedade civil, no mercado de trabalho, e em muitos outros campos. O filme deixa claro como a superação dessas mulheres não se dá apenas no enfrentamento das dificuldades externas, mas também no processo de ressignificação de seu lugar na sociedade.

Batalhão 6888 é uma história de resistência e resiliência, um lembrete do absurdo do preconceito que limita as pessoas pela cor da pele ou pelo gênero, e uma celebração do poder da superação pessoal e coletiva, pois não apenas celebra a bravura dessas mulheres negras durante a Segunda Guerra Mundial, mas também expõe de forma contundente as dificuldades extremas e humilhações que elas enfrentaram simplesmente por serem mulheres e, ainda mais, por serem mulheres negras em um ambiente militar predominantemente masculino e racista.

Desde o início, as personagens são tratadas com ceticismo e desdém por superiores e colegas de farda. O próprio fato de que elas precisavam provar repetidamente sua competência já evidencia o preconceito estrutural da época. Diferente dos soldados homens, que eram imediatamente reconhecidos por sua posição e função, as mulheres do Batalhão 6888 eram vistas como auxiliares secundárias, mesmo tendo um papel fundamental na guerra.

O exército, altamente hierárquico e dominado por uma cultura machista, não via com bons olhos a inclusão de mulheres em funções militares. Havia uma resistência generalizada à ideia de que elas poderiam exercer qualquer tipo de trabalho que exigisse disciplina, organização e liderança. Para serem levadas a sério, essas mulheres tiveram que se esforçar duas vezes mais do que seus colegas masculinos, sem jamais demonstrar fraqueza, mesmo diante das piores circunstâncias.

Vale ressaltar que além do machismo institucionalizado, as mulheres do Batalhão 6888 sofriam com o racismo, que tornava sua jornada ainda mais árdua. Elas não apenas enfrentavam o desprezo por serem mulheres, mas também eram constantemente desvalorizadas, desrespeitadas e até mesmo humilhadas por sua cor de pele. Enfrentavam grandes barreiras impostas, pela infraestrutura segregada, pois diferente das mulheres brancas do exército, as integrantes do Batalhão 6888 eram frequentemente forçadas a dormir e se alimentar em condições precárias, muitas vezes separadas do restante da tropa. Enfrentavam também a desconfiança e os insultos, uma vez que os oficiais brancos frequentemente duvidavam da capacidade delas, tratavam-nas como inferiores e, em alguns casos, as submetiam a insultos e desprezo, colocando constantemente em questão seu direito de estar ali. Sem contar a falta de reconhecimento, porque enquanto outros batalhões recebiam homenagens e eram lembrados por seus feitos, as mulheres do Batalhão 6888 passaram décadas sem o devido reconhecimento, com sua história sendo amplamente ignorada nos registros oficiais.

Diante desse cenário de opressão e injustiça, a luta dessas mulheres não foi apenas para cumprir sua missão, mas também para mostrar que eram tão capazes quanto qualquer outro ser humano. Elas enfrentaram desafios físicos e psicológicos diários, mas se recusaram a desistir.

O trabalho delas no serviço postal militar era essencial para manter o moral das tropas no front, garantindo que os soldados recebessem cartas e notícias de suas famílias. No entanto, ao chegarem à Europa, foram recebidas com desconfiança e desprezo, sendo testadas constantemente.

Para mostrar sua eficiência, resolveram um atraso de milhões de correspondências em tempo recorde, provando sua disciplina, inteligência e capacidade de organização.

Mesmo sem armas e sem serem enviadas diretamente ao campo de batalha, foram verdadeiras guerreiras, lutando não apenas contra o inimigo externo da guerra, mas contra os inimigos internos de uma sociedade que as subjugava e desacreditava.

O grande impacto do filme Batalhão 6888 está justamente na forma como ele evidencia o absurdo do preconceito. Enquanto essas mulheres trabalhavam incansavelmente para contribuir para a vitória dos Aliados, ainda assim eram tratadas como cidadãs de segunda classe. Isso expõe a irracionalidade do racismo e do machismo, que negam oportunidades e direitos a indivíduos unicamente com base em sua cor de pele e gênero, ignorando suas habilidades e méritos.

Além do seu forte impacto histórico e social, Batalhão 6888, com direção e roteiro deTyler Perry, também se destaca pelo seu apuro técnico, com escolhas cinematográficas que ajudam a dar profundidade emocional e autenticidade à narrativa.

A cinematografia do filme é um dos seus pontos altos, contribuindo para a imersão do espectador na época da Segunda Guerra Mundial. A paleta de cores é cuidadosamente trabalhada, variando entre tons frios e sombrios nas cenas de guerra e tons mais quentes em momentos de camaradagem e resiliência entre as protagonistas. A fotografia enfatiza contrastes de luz e sombra, especialmente em momentos de tensão e dificuldades enfrentadas pelo batalhão. Isso reforça a ideia de isolamento e opressão que essas mulheres sentiram dentro das Forças Armadas.

 O enquadramento foca bastante em rostos e expressões, capturando a intensidade emocional das personagens. Além disso, há cenas amplas e simétricas que reforçam o senso de disciplina e organização militar, contrastando com momentos de vulnerabilidade captados de maneira mais íntima.

A trilha sonora de Batalhão 6888 desempenha um papel crucial na construção da atmosfera do filme, misturando elementos de músicas orquestrais grandiosas, típicas de filmes de guerra, com inserções de jazz e blues, gêneros que remetem à cultura afro-americana da época.

 As composições musicais acompanham a jornada emocional das personagens, com momentos de tensão sendo pontuados por acordes dissonantes e graves, enquanto cenas de vitória e união são marcadas por melodias mais esperançosas.

 Sob a influência do jazz e gospel, em algumas sequências, o filme incorpora canções que fazem referência às raízes culturais das protagonistas, destacando sua identidade e resistência por meio da música.

Além da trilha musical, o filme também utiliza a estratégia do silêncio em momentos dramáticos para amplificar o impacto das cenas, especialmente nas interações entre as personagens e nos desafios enfrentados.

Cabe destacar que o elenco feminino, que tem Kerry Washington como Major Charity Adams e Ebony Obsidian como Lena Derriecott King, é um dos grandes destaques do filme, com performances marcantes que transmitem a força, a resiliência e a complexidade das personagens.

A interação entre as atrizes é autêntica e poderosa, criando uma dinâmica realista que reforça o senso de irmandade e coletividade do batalhão. Isso é essencial para que o espectador se conecte emocionalmente com a história. Pequenos gestos e expressões sutis desempenham um papel fundamental, especialmente em cenas que lidam com preconceito e dificuldades. A dor, a raiva contida e a esperança são transmitidas de forma muito convincente.

Do ponto de vista técnico, Batalhão 6888 é um filme muito bem executado, com uma fotografia expressiva, uma trilha sonora envolvente e atuações fortes que elevam a potência da narrativa. Cada um desses elementos trabalha em conjunto para criar um filme que não apenas informa sobre um episódio histórico pouco conhecido, mas também emociona e inspira o público.

A mensagem central do filme é clara: a competência não tem cor nem gênero.

O Batalhão 6888 é uma prova incontestável de que, diante da oportunidade certa, qualquer ser humano pode demonstrar sua capacidade e valor.

Este filme serve como um importante lembrete de como a história de grupos marginalizados muitas vezes é apagada ou minimizada, e como é fundamental resgatá-la para que injustiças semelhantes não se repitam. Mais do que uma obra cinematográfica, Batalhão 6888 é um tributo à força de mulheres que ousaram desafiar o sistema e deixar um legado que finalmente começa a ser reconhecido.

Me entristece constatar que até hoje gênero e cor têm influenciado nos critérios de oportunidades e de vida. Quando será que vamos conseguir sermos vistos como seres humanos que somos, inteiramente iguais.

Vale a pena assistir.

Olinda Altomare é magistrada em Cuiabá e cinéfila inveterada, tema que compartilha com os leitores do Circuito Mato Grosso, como colaboradora especial.

Foto Capa: Divulgação/Netflix / Pipoca Moderna

Olinda Altomare

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Olinda Altomare é magistrada em Cuiabá e cinéfila inveterada, tema que compartilha com os leitores do Circuito Mato Grosso, como colaboradora especial.

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