Educar para não reprimir. De acordo com um estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa e Economia Aplicada (Ipea), essa é a solução para reduzir a criminalidade. O estudo que é intitulado “Trajetórias individuais, Criminalidade e o Papel da Educação” foi realizado pelo técnico de Planejamento e Pesquisa do Instituto, Daniel Cerqueira, e publicado dia 08 de setembro no site da Instituição.
Daniel Cerqueira defende que o eixo básico para qualquer política de prevenção efetiva da criminalidade é a educação e aponta seis caminhos para afastar os jovens da marginalidade, que são: reconhecer as diferenças individuais e aplicar programas psicoterapêuticos, difundir os conceitos de cidadania nas escolas e incluir a família na educação dos filhos.
Os outros caminhos passam por desenvolver e explorar talentos, habilidades e reconhecer que o jovem é um indivíduo que está em profundas transformações, promover a interação social, além de gerar capital humano, preparando o jovem para ingressar no mercado de trabalho.
Para o especialista, o Estado é o culpado por essa violência, pois ele “não apenas não consegue efetivar políticas públicas bem-sucedidas para mitigar crimes, como ele próprio é um dinamizador da violência, ao investir na perpetuação das cidades partidas,” diz trecho do estudo.
Para chegar a esse resultado o autor analisou o Mapa da Letalidade Violenta no Brasil. Com base nesses dados ele concluiu que 50% dos assassinatos estão concentrados em 81 municípios e que eles não ocorrem de maneira homogênea nas cidades, mas concentrado em poucos bairros e localidades.
Outro fator destacado no trabalho é que o nível de reprovação nesses bairros é 9,5 vezes maior que em bairros nobres, onde as escolas teriam mais infraestrutura e maior qualidade no ensino. Os níveis de evasão escolar e taxa de distorção idade-série também são superiores nos bairros periféricos, 3,7 e 5,7 vezes maior, respectivamente.
Segundo Daniel Cerqueira, o modelo educacional brasileiro se preocupa apenas em entregar um pacote homogêneo e burocrático de conhecimentos, sem levar em conta as preferências das demandas. “O Estado idealiza as crianças como indivíduos que possuem todas as condições materiais e socioemocionais para desenvolver seus estudos, como: boa nutrição; espaço para estudar em casa; orientação e supervisão dos pais,” diz trecho do trabalho.
Cerqueira pondera, por fim, que a probabilidade de se cometer crime “não é uma constante na vida do indivíduo”, e que ela se apresenta em três ciclos distintos. Inicial, aos 12 ou 13 anos, o ápice aos 18 ou 20 e se esgota aos 30. No entanto, as trajetórias que apontam no sentido das transgressões muitas vezes são marcadas na primeira infância.
Maioria dos jovens criminosos está fora da sala de aula
Em Cuiabá, o professor e sociólogo do Núcleo Interinstitucional de Estudos sobre Violência e Cidadania da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Naldson Ramos, também segue essa linha de raciocínio, de que a educação de qualidade é o caminho para diminuir o nível de crimes e homicídios.
“Quando você analisa essas pessoas que praticam ou que movem algum crime, invariavelmente irá encontrar este perfil: abandonou a escola, não estava estudando, isso acontece com cerca de sessenta a setenta por cento,” explica.
O sociólogo vê o Estado como omisso ao não oferecer aos jovens uma educação de qualidade, espaços de lazer e outros locais que serviriam para desenvolverem talentos e habilidades.
“Tem uma responsabilidade muito grande, tanto em relação à educação, como da segurança de modo geral dos cidadãos. Esses jovens, mesmo estudando, uma parcela deles fica quatro horas em casa sem ter o que fazer, sem ter uma atividade, é nesse momento que acaba se envolvendo com outras sociabilidades que não são boas para a formação da sua personalidade,” defende o sociólogo.
Naldson Ramos acredita que esse trabalho deva começar desde a creche, nos primeiros anos de vida e ser oferecido de forma sistemática e constante, até o término do Ensino Médio. “Isso é o que vai proteger, em boa parte, nossos jovens nessa faixa de idade escolar”, conclui.
“Defendemos uma educação integral, numa escola de tempo integral”
Sem a educação seria impossível promover qualquer tipo de transformação social. Esta é a visão do presidente do Sindicato dos Professores do Estado de Mato Grosso (Sintep/MT), Henrique Lopes do Nascimento, que vê a educação em tempo integral como saída para a redução da criminalidade.
“O Brasil está muito atrasado em relação a outros países. Em pleno século 21 ainda não resolvemos um problema que a maioria dos países, inclusive muitos daqui da América Latina, já resolveu no século 19, que é a ampliação do tempo de permanência dos alunos na escola,” explica.
Ainda de acordo com o presidente do Sintep/MT, é preciso que a sociedade entenda que não tem escolas para todos e que os alunos estudam apenas quatro horas por dia por uma questão econômica. “Deveria ser um direito do aluno de permanecer na escola o dia todo. Um aluno entra na escola às sete da manhã e às onze horas ele precisa sair para desocupar cadeira para outro sentar. Enquanto a gente não mudar essa realidade nós não vamos mexer nas estruturas da sociedade,” ressalta.
Para Henrique Lopes, a localidade das escolas não é fator determinante na qualidade do ensino, e que ao fazer o aluno deslocar do seu bairro para estudar em escolas mais distantes, acaba por expor ainda mais o jovem à violência. “É verdadeiro, que ao colocar os alunos numa escola na região do centro, irão encontrar uma estrutura melhor. Mas o projeto pedagógico desenvolvido pelo Estado é praticamente o mesmo,” explica Henrique.
O sindicalista defende, também, que a escola deveria ser um espaço privilegiado, onde os estudantes pudessem fazer as refeições, com espaço de convivência para que eles possam se desenvolver integralmente e que ao concluir os estudos estivesse com todas as suas potencialidades fortalecidas.
“No entanto, de nada adiantaria se fosse ‘o mais do mesmo’. A saída é repensar a educação como um todo. Nossos alunos passam apenas quatro horas na escola, tendo aulas de cinquenta minutos para poder cumprir uma matriz curricular engessada, atendendo a programas políticos,” finaliza.
“É preciso criar um espaço de ações programáticas”
Para a presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente de Mato Grosso (Cedca/MT), Annelyse Cristina Cândido Santos, falta estabelecer prioridades e uma localização onde seja possível reunir diversos órgãos para discutir as políticas públicas para esse público.
“Uma das grandes preocupações que nós temos é a falta de um local para pensar essas ações. A política da Criança e do Adolescente está muito esparsa em várias pastas e não tem uma localização que acompanhe os dados e programas específicos para trabalhar na escala da prevenção,” defende.
Ainda de acordo com a presidente, o Estado tem atuado fortemente na consequência do ato e não na causa. “Nós temos iniciativas que trabalham nesse cerne da educação como prevenção com foco em duas áreas específicas, que é a primeira infância e a educação juvenil, mas que acabam por não ter o devido investimento. Então, quem está cuidando dessa área? Qual é a prioridade?” questiona Annelyse.
Ela ressalta, por outro lado, que enquanto os investimentos para a área de prevenção são “anulados”, vê-se investimento em construção de unidades penitenciárias, no controle da segurança pública e armamento, o que, segundo ela, também é necessário.
Conforme Annelyse Cândido, para reduzir o cometimento de atos infracionais é necessário trabalhar com esse público na esfera da prevenção, durante a primeira infância e na educação juvenil, porém o Estado não pode fechar os olhos para aqueles que cometeram algum deslize. “Depois de cometido o ato infracional é necessário outras estratégias para reinserir o jovem na sociedade, que reduza os índices de reincidência, mas isso não tem acontecido no Estado” afirma.
Ainda segundo Annelyse é preciso que a escola compreenda que a criança e o adolescente, cada um com sua peculiaridade, tenha um atendimento individualizado, quando na escola ‘falta de tudo’.
Município investe em creches
Cuiabá tem cerca de 30 mil crianças em idade de creche (0 a 3 anos e 11 meses), porém uma pequena parcela dessa população é atendida pela rede de educação, cerca de 30%. Apesar do número baixo de alunos, a secretária Municipal de Educação, Marioneide Angélica Kliemaschewsk, ressalta que nos últimos anos houve avanços significativos no atendimento desta demanda.
Ela ressalta que na última gestão, 11 escolas foram reformadas, seis escolas rurais foram reconstruídas, a construção de 14 Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs) e outras quatro escolas e uma creche, que foram construídas com recursos do município. Além disso, está prevista a construção de mais quatro escolas e cinco CMEIs, que ainda estão em processo de licitação.
A secretária explica que o objetivo é desafiador, atender 50% desse público até o ano de 2023, último ano de vigência do Plano Nacional de Educação (PNE). Para ela, isso significa a construção de mais 70 CMEIs, mas o orçamento da Educação no município é insuficiente para custear a construção de mais unidades.
Com o orçamento do ano de 2016 em 176 milhões de reais, o município precisaria dobrar esse número para a construção e manutenção da CMEIs, que hoje tem um custo anual de dois milhões, duzentos e vinte e dois mil reais, cada uma.
O processo educacional é mais complexo que apenas a educação dada na escola, explica Marioneide, e que a família tem grande importância. Por isso foi criado o projeto “Escola de Pais”, que tem como objetivo discutir a importância dos pais na educação dos filhos e fortalecer a relação comunidade-escola.
Outros projetos também são trabalhados pela prefeitura de Cuiabá, como o projeto “Amigos do Zippy”, que trabalha a saúde emocional da criança e as ensina a tomarem as decisões corretas, além do Projeto Caracol e a Ficha de Comunicação de Aluno Infrequente, Indisciplinado e Infrator (Ficha Ficai).
Professora culpa pais e falta de infraestrutura
A coordenadora da Escola Estadual Malik Didier Naner Sahafi, localizada no bairro Pedra 90, em Cuiabá, Vânia Soares, credita o aumento da violência envolvendo adolescentes à negligência dos pais e do próprio Estado.
Ela afirma que a questão da violência dentro e no entorno da instituição já melhorou muito nos últimos anos, mas reconhece que ainda acontecem muitos assaltos, homicídios, furtos e até mesmo depredação da escola.
Em 2006, quando começou trabalhar na escola, lembra a coordenadora, todas as salas eram lotadas e havia muitos problemas com drogas, brigas e houve até a morte de dois vigilantes que trabalhavam na escola. Após isso, foram trabalhados alguns projetos com jovens e adultos sobre violência, o que, segundo a pedagoga, gerou um bom resultado em longo prazo, “mas o problema aqui continua sendo a violência e drogas, já que sempre vai ter um para oferecer”, denuncia a professora.
A indisciplina dos alunos em sala de aula também é outro problema relatado pela professora. Para isso, ela defende que os pais devam participar mais da educação dos filhos, “quando tem reunião de pais aqui, dos 680 alunos de um período apenas 30 pais aparecem. Quando a gente vai à casa desses pais, entende o motivo de tanta indisciplina. Muitos não têm compromisso e deixam seus filhos ficarem na rua, colocam a criança no mundo e depois não querem criar. É preciso trabalhar com foco na família da criança, com apoio do Estado, da Polícia Militar e fortificar a relação Escola-Família-Comunidade-Polícia”, finaliza.