Um ano após a morte do neto, a avó de Bernardo Boldrini não consegue conter as lágrimas ao lembrar do menino. Jussara Uglione, 74 anos, tem recebido visitas de vizinhos e amigos em sua casa em Santa Maria, na Região Central do Rio Grande do Sul, para tentar amenizar a dor da perda. Entretanto, a emoção parece impossível de controlar na data em que o crime completa 12 meses.
Orientada por médicos a falar pouco sobre o caso, devido a problemas no coração, Jussara procura ser comedida nas palavras. Não deixa, entretanto, de comentar sobre os dias que se passaram sem a presença do neto. Para ela, a morte de Bernardo ainda soa como “pesadelo”.
"Parece uma mentira. Não é fácil, são muitas lembranças. Às vezes, parece um pesadelo. Não consigo acreditar que um pai, um ser humano, possa se programar e se organizar para matar o filho. E isso aconteceu. Não foi de uma hora para outra”, comentou por telefone ao G1. O pai de Bernardo e ex-genro de Jussara, Leandro Boldrini, é um dos acusados pelo crime. Ele nega participação.
Bernardo desapareceu no dia 4 de abril de 2014, data em que foi morto. Seu corpo só foi encontrado no dia 14 de abril. Segundo a Polícia Civil, o menino de 11 anos morreu em razão de uma superdosagem do sedativo midazolan e foi enterrado em uma cova, na área rural de Frederico Westphalen, a 80 km de Três Passos, onde morava com a família.
Quatro réus seguem presos por envolvimento no crime e aguardam julgamento: o médico Leandro Boldrini, pai da criança, a madrasta Graciele Ugulini, a amiga dela, Edelvânia Wirganovicz, e o irmão Evandro Wirganovicz. Os três primeiros respondem por crimes como homicídio triplamente qualificado, ocultação de cadáver e o último por homicídio simples e ocultação de cadáver.
Devido às orientações médicas, Jussara evita ir atrás de notícias do processo judicial. Algumas reportagens na televisão, porém, lhe informam sobre o andamento do caso. Para ela, o pai do menino, o médico Leandro Boldrini, teve participação ativa no crime.
"Ele é tão culpado quanto elas. Sabia o que iriam fazer. Não foi de uma hora para outra", opina.
Neste sábado (4), Jussara participará de uma cerimônia pela manhã no Cemitério Ecumênico Municipal, onde o corpo do menino foi sepultado. Às 19h, também vai a uma missa em homenagem a Bernardo, na Igreja Nossa Senhora de Fátima.
Ezequiel Vetoretti, advogado do médico Leandro Boldrini, disse que só vai se manifestar no processo. A defesa de Gracieli Ugulini, a madrasta, preferiu não se manifestar. Já o advogado de Edelvânia Wirganovicz, Demetrius Grapiglia, disse que ela ajudou a madrasta a enterrar o corpo do menino, mas que não teve participação direta na morte do garoto. O advogado do irmão de Edelvânia afirmou que ele é inocente.
Família quer reabrir inquérito
O advogado de Jussara, Marlon Taborda, entrou com pedido de reabertura do inquérito sobre a morte de Odilaine Uglione, a mãe de Bernardo. A solicitação foi enviada ao município de Três Passos, onde tramita o processo. A expectativa é que, a partir da próxima semana, o Ministério Público responda se o inquértio será reaberto ou não. Outros dois pedidos semelhantes já foram realizados. Conforme o advogado, um acabou negado em 2014 e outro, feito neste ano, não chegou a ser apreciado.
Odilaine foi encontrada morta em 2010, dentro da clínica do então marido, o médico Leandro Boldrini, em Três Passos. À época, a investigação da polícia concluiu que ela cometeu suicídio com um revólver. Uma nova perícia particular contratada pela família lançou suspeitas sobre o caso. Segundo peritos, a suposta carta suicida da enfermeira teria sido forjada, escrita por outra pessoa, como mostrou a reportagem do Fantástico.
A família acredita que Odilaine foi assassinada por Leandro Boldrini. O bilhete teria sido escrito em 9 de fevereiro de 2010. “Ele pediu a separação. Perdi meu chão", são algumas das frases no papel assinado por Odilaine.
Também há um recado para o marido Leandro e pai de Bernardo, o único filho do casal.
“Leandro, tu destruiu a minha família, meus sonhos, minha vida. Prefiro partir do que ver meu filho nas mãos de outras mulheres, meu amor em outros braços”.
A mãe de Odilaine diz que sempre desconfiou do papel. “Aquela carta nunca me confortou. Eu ainda disse: ‘Mas essa carta, essa letra não é da Odilaine’”, diz Jussara. Só que na época nem os parentes nem os amigos de Odilaine levaram a dúvida adiante.
Relembre o caso
– Bernardo Boldrini foi visto vivo pela última vez no dia 4 de abril de 2014 por um policial rodoviário. No início da tarde, Graciele foi multada por excesso de velocidade. A infração foi registrada na ERS-472, em um trecho entre os municípios de Tenente Portela e Palmitinho. A mulher trafegava a 117 km/h e seguia em direção a Frederico Westphalen. O Comando Rodoviário da Brigada Militar (CRBM) disse que ela estava acompanhada do menino.
– Um vídeo divulgado em maio do ano passado mostra os últimos momentos de Bernardo. Ele aparece deixando a caminhonete da madrasta, Graciele Ugulini, e saindo com ela e com a assistente social Edelvânia Wirganovicz. Horas depois, as duas retornam sem Bernardo para o mesmo local.
– O corpo de Bernardo foi encontrado no dia 14 de abril de 2014, enterrado em um matagal na área rural de Frederico Westphalen.
– Segundo as investigações da Polícia Civil, Bernardo foi morto com uma superdosagem do sedativo midazolan. Graciele e Edelvânia teriam dado o remédio que causou a morte do garoto e depois teriam recebido a ajuda de Evandro para enterrar o corpo. A denúncia do Ministério Público apontou que Leandro Boldrini atuou no crime de homicídio e ocultação de cadáver como mentor, juntamente com Graciele. Conforme a polícia, ele também auxiliou na compra do remédio em comprimidos, fornecendo a receita. A defesa do pai nega.
– Nesta terça-feira (31), um vídeo foi divulgado pela defesa de Edelvânia, em que ela muda sua versão sobre o crime. Nas imagens, ela aparece ao lado do advogado e diz que a criança morreu por causa do excesso de medicamentos dados pela madrasta. Na época em que ocorreram as prisões, Edelvânia havia dito à polícia que a morte se deu por uma injeção letal e que, em seguida, ela e a amiga Graciele jogaram soda cáustica sobre o corpo. A mulher ainda diz que o irmão, Evandro Wirganovicz, é inocente.
PERGUNTAS E RESPOSTAS SOBRE O CASO
Como Bernardo morreu?
A Polícia Civil aponta que Bernardo foi morto com uma superdosagem do sedativo midazolan e depois enterrado em uma cova rasa, na área rural de Frederico Westphalen. Graciele e Edelvânia teriam dado o remédio que causou a morte do garoto e depois teriam recebido a ajuda de Evandro para enterrar o corpo.
Com quem Bernardo morava?
Ele vivia com o pai, a madrasta e a bebê do casal, à época com cerca de um ano, em uma casa em Três Passos. A mãe de Bernardo, Odilaine, morreu em fevereiro de 2010. Recentemente, o Ministério Público solicitou novos documentos sobre o caso de Odilaine. Em até 30 dias, o MP deve se manifestar a favor ou contra a abertura das investigações. O inquérito policial concluiu que ela se matou, mas uma perícia particular contratada pela família aponta a hipótese de homicídio.
Quem está preso?
O médico Leandro Boldrini, pai da criança, a madrasta Graciele Ugulini, a amiga dela Edelvânia Wirganovicz e o irmão Evandro Wirganovicz.
Quando ocorre o julgamento?
Ainda não há data marcada. Conforme o Tribunal de Justiça (TJ-RS), os quatro réus devem ser interrogados ainda no primeiro semestre deste ano. Depois disso, as defesas apresentam seus argumentos. A expectativa é que o julgamento aconteça até o fim de 2015.
Os réus respondem por quais crimes?
Leandro Boldrini vai responder por homicídio triplamente qualificado, ocultação de cadáver e falsidade ideológica. Graciele e Edelvânia responderão por homicídio triplamente qualificado e ocultação de cadáver. Evandro Wirganovicz é acusado de homicídio simples e ocultação de cadáver.
Como o corpo foi encontrado?
Na noite do dia 14 de abril, o corpo do menino foi encontrado enterrado em uma cova em um matagal na cidade de Frederico Westphalen, no Norte do estado, a 80 km de onde o menino morava. Edelvania mostrou aos policiais onde o corpo da criança estava enterrado.
Como era a relação de Bernardo com o pai?
No ano passado, vídeos gravados pelo próprio pai mostram discussões do menino com o casal. Em um deles, a criança está com uma faca na mão e é instigada por Leandro. "Vamos lá, machão", diz o médico. Há também relatos de vizinhos e amigos dão conta que o menino se dizia carente de atenção. Ele chegou a procurar a Justiça para relatar o caso.
No início de 2014, o juiz Fernando Vieira dos Santos, 34 anos, da Vara da Infância e Juventude de Três Passos, autorizou que o garoto continuasse morando com o pai, após o Ministério Público (MP) instaurar uma investigação contra o homem por negligência afetiva e abandono familiar.
De acordo com o MP, desde novembro de 2013, o pai de Bernardo era investigado. Entretanto, jamais houve indícios de agressões físicas. Em janeiro, o garoto foi ouvido pelo órgão e chegou a pedir para morar com outra família.
O médico pediu uma segunda chance. Com a promessa de que buscaria reatar os laços familiares com o filho, ele convenceu a Justiça a autorizar uma nova experiência. Na época, a avó materna, que mora em Santa Maria, na Região Central do estado, chegou a se disponibilizar para assumir a guarda. Porém, conforme o MP, Bernardo também concordou em continuar na casa do pai e da madrasta.
O que ocorreu com a mãe de Bernardo?
Odilaine Uglione foi encontrada morta em 2010, dentro da clínica do então marido, o médico Leandro Boldrini, em Três Passos. À época, a investigação da polícia concluiu que ela cometeu suicídio com um revólver. No último domingo (29), o Fantástico mostrou o resultado de uma perícia particular contratada pela família, que conclui que a suposta carta suicida da enfermeira teria sido forjada, escrita por outra pessoa .
Fonte: G1