Os poucos mais de cem dias de gestão dos prefeitos eleitos ou reeleitos em 2016 têm sido de cortes e remanejamento de recursos para cobrir as despesas. A crise econômica, segundo eles, derrubou a arrecadação dos municípios, como o ICMS e o FPM (Fundo de Participação dos Municípios), entre 15% e 20%, e provocou atrasos em repasses do governo estadual em até sete meses.
Os serviços de saúde, um dos que mais consomem recursos, são os mais afetados pelo arrocho financeiro; as greves de médicos e outros profissionais da área são efeitos diretos da falta de recursos para a administração.
O prefeito de Cáceres (214 km de Cuiabá) Francis Maris Cruz (PSDB), reeleito nas eleições do ano passado, diz que entre janeiro e a primeira semana de abril, o FPM que o município recebe perdeu mais de R$ 15 milhões por mês, devido à baixa arrecadação.
“Os repasses caíram entre R$ 10% e 15% neste ano. Isso representa mais de R$ 15 milhões, considerando o caixa mensal de R$ 150 milhões. São quedas no ICMS, FPM. Estamos em uma situação de movimentos inversos, o dinheiro que entra em caixa está diminuindo e a demanda por serviços está aumentando”.
A redução afeta diretamente os serviços da área saúde, que representam 33% do orçamento do município, segundo o prefeito. No hospital regional, que atende habitantes de Cáceres e municípios vizinhos, desde julho do ano passado, médicos e outros profissionais da saúde paralisaram os serviços ao menos duas vezes por atraso no pagamento de salários.
O município, sem caixa para atualizar o vencimento das dívidas, precisa remanejar recursos para manter o atendimento em áreas mais prioritárias. A Constituição Federal estabelece que 26% do orçamento dos municípios sejam destinados para a saúde. No caso de Cáceres, o prefeito diz que a demanda, inclusive da Bolívia, país que faz fronteira com o município, força a destinação de 33%.
“Estamos em município com baixa arrecadação. Se 33% já não dão para os serviços, imagine se ficássemos nos 26% previstos na Constituição. Mas o hospital regional de Cáceres é referência [hospitalar] para dezenas de municípios na região, além da Bolívia. E não recebemos nada mais por isso”, critica.
Rosana Martinelli (PR), prefeita de Sinop (505 km de Cuiabá), diz que os efeitos do orçamento reduzido não afeta somente a saúde, pois secretarias e cargos foram cortados por ela em reforma administrativa para controlar as despesas do município. Este é seu primeiro mandato como prefeita.
“Fizemos corte de cargos, unimos algumas secretarias para diminuir os gastos, senão não seria possível dar conta dos serviços. Conseguimos reduzir a folha em 10%, isso já é um socorro para a situação [de crise econômica]”.
Conforme a prefeita, o orçamento de Sinop teve redução de aproximadamente 20% devido à queda na arrecadação de impostos. Um montante em torno de R$ 12 milhões por mês a menos nas contas do município.
“Todas as áreas são afetadas com a crise, não só a saúde, mas a educação, os serviços urbanos, por exemplo. Estamos lutando para manter as contas em dia, para não ocorrer paralisação, que complica a prestação de serviços”.
Melhoras só a partir do último trimestre do ano
O prefeito de Barra do Garças (515 km Cuiabá), o município mais pobre dentre os três, Roberto Ângelo de Farias (PMDB), afirma que trabalha com a perspectiva de melhora do cenário somente a partir do último trimestre do ano. Até lá, o município terá que fazer reengenharia para pagar as contas mensais. Ele também foi reeleito nas eleições de outubro de 2016.
Segundo informações do prefeito, isso significa trabalhar o orçamento com redução de 20%, resultante principalmente de queda no FPM, a principal fonte de recursos para as prefeituras.
“Barra do Garças é um município pobre passando por problema de poucos recursos para administrar seus serviços, principalmente na saúde. Estamos temerosos pelo futuro. Nossa previsão é que a situação só comece a melhorar a partir de agosto, setembro. Para antes disso, não há previsão de melhora”.
Só 7% do orçamento são investidos em serviços em Cuiabá
A capital Cuiabá parece ser o município menos afetado pela crise econômica. O prefeito Emanuel Pinheiro (PMDB) disse que vem trabalhando para aumentar a margem de financiamento dos serviços, que hoje oscila entre 5% e 7% do volume de orçamento.
“Estamos trabalhando para devolver a alegria ao povo de Cuiabá, as festas tradicionais de Cuiabá. Mas também estamos trabalhando para aumentar no número de creches, já inauguramos duas neste ano; lançamos o projeto ambicioso de 600 quilômetros de asfalto em quatro anos de governo. Já lançamos 120 quilômetros de asfaltamento. Queremos despertar esse gigante que é Cuiabá”.
Pinheiro diz que Comitê de Eficiência instituído no segundo dia de mandato deverá permanecer em análise de contratos de gastos e realização de serviços para servir de parâmetro para as ações do Executivo.
“O Comitê de Eficiência vai permanecer para ajudar a prefeitura a tomar decisões que não afetem a população, por exemplo, não dar aumento de tarifa de ônibus antes de apresentação dos serviços que estão sendo oferecidos. A tarifa, de R$ 3,60, já muito alta pelo serviço oferecido hoje”.
Emanuel Pinheiro baixou 13 decretos no dia 2 de janeiro, que suspenderam contratos assinados por seu antecessor, Mauro Mendes (PSB) e abriu apurações de administração na área da saúde, como no Pronto-Socorro e no Hospital São Benedito.
Segundo ele, também foram estabelecidas medidas disciplinares, que envolvem a gestão pública estadual ou federal em serviços realizados em Cuiabá. O prefeito solicitou apuração de contrato de grande vulto como o contrato de R$ 712 milhões para iluminação pública e da CAB Cuiabá, responsável pelos serviços de saneamento básico. Ambos estão na berlinda para cancelamento.
Atrasos de repasses para a saúde complicam caixa de prefeituras
Atrasos em repasses para serviços de saúde complicam a administração financeira de municípios, cujos prefeitos precisam remanejar recursos para cobrir as despesas da área. A reclamação foi apontada pelos gestores entrevistados pelo Circuito Mato Grosso que apontam atrasos até de sete meses.
O recurso deveria ser enviado mensalmente pelo governo do Estado em contrapartida do sistema tripartite da saúde (município, Estado e União), no entanto, Barra do Garças recebeu a prestação do governo em setembro do ano passado. Conforme o prefeito Roberto Farias, a dívida hoje está em R$ 7 milhões e deve continuar a crescer visto que não há previsão da SES (Secretaria de Saúde) para normalizar os repasses.
“Barra do Garças é o centro de um polo com 30 municípios e acaba recebendo grande demanda da saúde. Mas nosso recurso é baixo, é um município pobre. Não conseguimos aplicar o investimento necessário para atender a demanda”.
O município deveria receber parcela de R$ 1 milhão ao mês do governo estadual. O prefeito afirmou que o recurso é destinado principalmente para atendimentos de média e alta complexidade.
Em Cáceres, o tempo de atraso está em três meses, acumulando um montante de R$ 3 milhões. O prefeito Francis Maris afirma que a situação financeira do município é agravada por decisões judiciais que obrigam o Executivo a atender pacientes em casos emergenciais. Mensalmente, o valor extra para a judicialização varia entre R$ 200 mil e R$ 300 mil.
“O município é o primo pobre das esferas do governo, mas é onde a população primeiro aparece em busca de atendimento. As pessoas não moram no Estado, não moram na União, moram no munícipio, que precisa arcar com medidas que não estão ao seu alcance”, critica.
A dívida do Estado com Cuiabá está em R$ 36 milhões, conforme o prefeito Emanuel Pinheiro, referente a cinco meses de atraso. Ele disse que tem conversado com o governador Pedro Taques para acertar os repasses, mas não há data para regularização.
Governo deve R$ 23 milhões de ICMS
O presidente da Associação Mato-grossense dos Municípios (AMM), Neurilan Fraga, afirmou que também ocorrem atrasos em repasses de parcelas do ICMS pela Sefaz (Secretaria de Fazenda). Hoje, a dívida está em R$ 23 milhões.
“O ICMS é uma das principais fontes de recursos para os municípios. Os gestores realizam o planejamento financeiro em cima do recurso do imposto e contam com os valores creditados em dia para pagar as despesas. O governo deve cerca de R$ 23 milhões. O atraso e a diminuição no repasse de recursos afetam as finanças municipais, comprometendo o planejamento das prefeituras”.
Quanto aos repasses para a saúde, Fraga afirmou que a média de atraso dos 141 municípios está em quatro meses e que a situação ainda pode gerar processos para os prefeitos que encerram mandatos em 2016, visto que o Tribunal de Contas do Estado (TCE-MT) pode entrar com ações para cobrar penas por falta de investimentos na área.
“Estamos fazendo um trabalho para evitar ações judiciais, buscando o diálogo com o governo estadual. Estivemos no Congresso Nacional para pedir aprovação de projeto de lei que flexibiliza a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que não puna os gestores que porventura deixarem restos a pagar”.
A reportagem procurou a Secretaria Estadual de Saúde com pedido de informações sobre os repasses aos municípios, mas não houve retorno até o fechamento desta edição.
Municípios aguardam R$ 175 milhões de repatriação
A AMM informou que aguarda repasse da União, de recursos de repatriação, como alternativa para regularizar as dívidas das prefeituras. O governo federal anunciou que foram declarados R$ 169 bilhões, sendo R$ 50,9 bilhões com a arrecadação de Imposto de Renda e multas. Deste montante, os municípios brasileiros têm direito a 22.5%, o equivalente a R$ 5,7 bilhões, para serem distribuídos em todo o país.
“Sem sombra de dúvida, os valores da repatriação, somando os recursos do FEX, o reforço de 1% do FPM e mais a atualização dos repasses dos governos federal e estadual possibilitarão que a maioria dos gestores possa fechar suas contas”, disse Neurilan Fraga.
Os municípios de Mato Grosso têm expectativa de receber R$ 175,3 milhões da repatriação dos recursos de brasileiros mantidos no exterior. O valor é baseado na previsão de arrecadação do governo federal, que estima repatriar algo em torno de R$ 140 bilhões, quantia semelhante à da rodada anterior, em 2016, que foi de R$ 146 bilhões.
A nova etapa da repatriação foi estabelecida pela Lei 13.428/2017, sancionada pelo presidente Michel Temer no dia 31 de março. Na lei aprovada, ficou garantida a participação de Estados e municípios na arrecadação do Imposto de Renda e também na multa que o contribuinte pagará para a Receita Federal.
O IR é de 15% sobre o valor e a multa de 20,25% sobre o valor do imposto. Como exemplo, a cada R$ 100,00 repatriados, o governo ficará com R$ 35,25. Os municípios brasileiros terão uma fatia de 24,5% desse valor. Os valores serão repassados junto com o Fundo de Participação dos Municípios (FPM).
O prazo estipulado na lei é de 30 dias, a partir da sanção, para que a Receita Federal coloque no ar o software para que os contribuintes possam trazer os recursos, e de 120 dias para que se efetive a repatriação. Considerando os prazos, a expectativa é de que os recursos comecem a chegar aos cofres municipais em agosto ou setembro deste ano.
Marcha a Brasília deve enfatizar cobranças
No próximo mês, prefeitos e outros representantes da gestão municipal vão para Brasília para a XX Marcha a Brasília em Defesa dos Municípios. O evento deve ocorrer de 15 a 18 de maio, no Centro Internacional de Convenções do Brasil.
Neurilan Fraga disse que os prefeitos brasileiros vão cobrar do governo federal e do Congresso Nacional o atendimento da pauta municipalista. “A Marcha é o cenário ideal para fazermos as cobranças necessárias, pois contaremos com a presença de prefeitos de todo o Brasil que estarão unidos pelo atendimento da pauta municipalista”.
A Marcha terá uma extensa pauta este ano, com destaque para as reformas trabalhista, previdenciária e tributária, além das reivindicações municipalistas que serão discutidas com representantes do governo federal e do Congresso Nacional.