Com rotinas duplas e às vezes triplas, as mulheres estão mais vulneráveis a doenças. Estresse, doenças sexualmente transmissíveis, diabetes, obesidade, problemas cardíacos, câncer de mama, são apenas algumas das doenças que atingem as mulheres e que são diagnosticadas, muitas vezes, em estágio já avançado.
São 6,353 milhões de mulheres a mais do que homens, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2014, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Além de cuidar de si mesmas, as mulheres cuidam dos filhos, companheiros(as), familiares e até mesmo de estranhos.
Cuidar da sua saúde às vezes é deixado em segundo plano e os motivos são os mais variados possíveis. Falta de tempo, com a correria do dia a dia, às vezes sendo a única provedora do lar, ela acaba adiando uma consulta. Investigar aquela dor de cabeça constante, a falta de ar, a insônia, o cansaço, aquele nódulo que surgiu nos seios, é deixado de lado para suprir as necessidades exigidas.
Sem contar a violência sofrida, seja ela psicológica ou emocional. As mulheres estão mais sujeitas a sofrerem agressões em seus lares e até locais de trabalho. Pensando em cuidar delas mesmas e das outras mulheres, é que a 1ª Conferência Municipal de Saúde das Mulheres de Cuiabá, com o tema “Saúde das Mulheres: Desafios para a Integralidade com Equidade”, aconteceu nesta terça-feira (02/05).
O objetivo é recuperar um processo de mobilização social para implementar a política municipal, estadual e nacional de atenção integral à saúde das mulheres. Glória Munhoz, coordenadora da Conferência Municipal, explicou que a discussão está acontecendo, pois há a preocupação de implementar o Plano Nacional de Atendimento Integral da Saúde das Mulheres e que a saúde não implica só o tratamento de doenças, mas também as condições humanas de existência.
“A conferência é o momento máximo de liberação do exercício de cidadania, de um controle social acontecer. Discutir políticas públicas implementadas para a vida das mulheres e a questão do controle social para que a participação social possa realmente fiscalizar, acompanhar e trabalhar para que as políticas públicas não virem letras mortas, mas que elas saiam do papel”.
Assim as mulheres, em cada segmento: idade, condição social, étnica, indígena, negra, da periferia, do campo, todas poderão ser atendidas. Para isso, a saúde da mulher está sendo discutida em quatro eixos: O papel do Estado no desenvolvimento socioeconômico e ambiental e o reflexo disso na vida e saúde das mulheres; O mundo do trabalho e suas consequências na vida e na saúde das mulheres; Vulnerabilidade nos ciclos de vida das mulheres na política nacional de atenção integral à saúde das mulheres e As políticas públicas para as mulheres e a participação social.
“Quando a gente trabalha com a questão da saúde da mulher, o que mais encontramos é a preocupação para com a mulher gestante, mas e a mulher na terceira idade? As mulheres com deficiências? As que estão privadas de liberdade? Então a gente está querendo discutir que neste contexto social, econômico, tudo isso impacta a vida das mulheres”, ressaltou Glória.
A Conferência é composta por 120 “delegados”. Desse total, 50% representam os usuários do SUS (maioria mulheres), 25% trabalhadores da saúde e 25% prestadores de serviços. Durante a Conferência, serão eleitos de forma paritária os 24 delegados de Cuiabá que participarão da conferência estadual prevista para ser realizada em 26 de maio.
REDE DE ASSISTÊNCIA
A presidente do Conselho Regional de Serviço Social, Vera Honório, ressaltou que durante a conferência é possível criar um espaço para organizar, discutir e participar das discussões. “É uma oportunidade de reunir as mulheres e propor que elas parem para pensar um pouquinho na condição que elas estão hoje, no espaço que elas ocupam na sociedade, no âmbito da saúde especialmente”.
Também é a forma de as mulheres lutarem pelos direitos de outras pessoas, como, por exemplo, dos filhos. “Se não está tendo vacinas para os meus filhos naquele município, naquele bairro, naquela unidade de saúde, o que é preciso fazer para que tenha? Se a gente não tem uma rede para assistência a mulheres vítimas de violência, por que não tem? O que a gente pode fazer? Que contribuição que eu posso dar enquanto moradora? Então é nessa perspectiva de participação, de se engajar e se organizar” enfatizou Vera.
Indicadores da saúde feminina preocupam
De acordo com a secretária municipal de Saúde de Cuiabá, Elizeth Lúcia de Araújo, o debate proporciona a criação de um espaço para discutir, dentro do serviço de saúde, ações prioritárias para a saúde da mulher. “Tudo isso com base em uma série de avaliações que a gente fez, com base em relatórios de outras conferências e neles aparecem poucos itens específicos para a saúde da mulher”.
Segundo ela, ao olhar os indicadores de saúde, alguns itens preocupam, como o serviço para melhor atender a mulher que tem pouco tempo para cuidar da saúde. Elizeth explica que devido à pressão da sociedade, a mulher acaba adoecendo, mas ele não é visto.
“Nossa preocupação é se as mulheres estão tendo acesso às unidades de saúde. Para isso precisamos pensar se o melhor horário que estão sendo abertas atende às necessidades delas. Hoje uma unidade de saúde em Cuiabá abre às 8 horas, mas será que esse horário serve pra ela? Será que ela não está no trabalho e por isso não está cuidando da sua saúde?”, questionou a secretária.
Com a conferência, algumas propostas serão incluídas no Plano Municipal de Saúde, informou Elizeth ao Circuito Mato Grosso.
Atendimento a mulheres ainda é insuficiente
Discutir a saúde da mulher é principalmente se ater ao funcionamento das unidades de saúde. Segundo Elizeth Lúcia de Araújo, o atendimento ainda é muito frágil na rede municipal e por isso se fez necessário a conferência realizada de última hora.
“Eu posso dizer que assim como toda a saúde pública, o atendimento está frágil, porque a quantidade de exames ofertados não é suficiente para atender. Nós temos ainda uma atenção básica muito incipiente e também não tem a qualificação devida para atender. Então nós temos que avançar na ampliação da atenção básica tornando o serviço de saúde mais próximo das mulheres”, disse.
Para isso, é preciso pensar em alternativas, sejam elas simples ou complexas. Flexibilidade de horários de atendimento para as mulheres que têm dificuldade em sair do trabalho; ampliação da rede de oferta de exames para apoio e diagnóstico; exames laboratoriais e outros específicos para a saúde da mulher. Ações que, segundo a secretária, são fundamentais.
“Há uma proposta do prefeito Emanuel Pinheiro de nós termos uma linha de cuidados voltada para a saúde da mulher. Temos a questão de pensar em um hospital materno-infantil, a partir da construção do novo Pronto-Socorro; ele (prefeito) está muito firme nisso e a gente tem buscado desenhar esse projeto para isso”.
Além disso, Elizeth disse que é preciso criar linhas de cuidados como para a saúde mental, pois grande parte das mulheres é o principal alvo. Outra necessidade urgente, segundo a secretária, é a organização de uma linha de cuidados para a cardiologia, trabalhar uma linha de cuidados na atenção básica na orientação nutricional, de alimentação e nutricional.
Conferência volta a acontecer 31 anos depois
Desde a realização da 1ª Conferência de Saúde e Direitos das Mulheres, em outubro de 1986, evento a partir do qual foram estabelecidas diretrizes para as políticas de saúde feminina, uma lacuna de diálogo social se estabeleceu sobre o tema. Somente em 2004 o tema voltou à discussão, na 1ª Conferência de Políticas Públicas para as Mulheres.
Somente 31 anos depois, as organizações da sociedade civil que compõem o Conselho Nacional de Saúde (CNS) propuseram a realização da 2ª Conferência de Saúde das Mulheres, aprovada em março pelo pleno do Conselho e homologada, em novembro de 2016, pelo Ministério da Saúde.
A 2ª Conferência Nacional de Saúde das Mulheres, prevista acontecer no segundo semestre de 2017, terá como objetivo maior propor diretrizes para a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Mulheres.
O eixo principal da Conferência será a implementação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Mulheres, contemplando as políticas de equidade: da População Negra (racismo, desigualdades étnico-raciais e racismo institucional), da População LGBT (discriminação por orientação sexual e identidade de gênero/preconceito e estigma social), da População em Situação de Rua (reconhecimento dessas pessoas como cidadãos de direitos), da População do Campo, da Floresta e das Águas (redução de riscos decorrentes dos processos de trabalho e das tecnologias agrícolas).