Apesar de terem sido aprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE), as contas do ex-governador Silval Barbosa (PMDB) em 2014, o relatório da Controladoria Geral do Estado (CGE) mostra que há irregularidades. Oito meses após a posse de Pedro Taques, a CGE concluiu as auditorias nos principais contratos firmados na gestão passada, contudo as informações levantadas pelos técnicos da pasta são de que R$1,03 bilhão teria sido usado de forma irregular.
O relatório que contradiz as informações do TCE alega que houve, na gestão passada, superfaturamentos, fraudes a licitações, descumprimento de contratos, pagamento antecipado e não prestação dos serviços, além do pagamento de despesas desnecessárias. Ao todo foram investigados R$ 5,2 bilhões em contratos firmados desde 2011 e, deste montante, R$ 1,03 seria irregular.
O secretário-controlador do estado, Ciro Rodolpho Gonçalves, evitou nomear os culpados e limitou-se a falar que as medidas cabíveis foram e serão tomadas. Algumas delas vão ser alcançadas por meio de medidas judiciais e processos administrativos. Outras já foram tomadas como repactuação de contratos, cancelamentos e suspensão de pagamentos.
Enquanto isso a Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT) segue com a pauta para a aprovação ou rejeição das contas do ex-governador. O líder da atual gestão na AL, Wilson Santos (PSDB) declarou guerra às contas de Silval logo no começo, quando o TCE entregou seu relatório e, desde então, articula com seus pares a possível reprovação do documento.
Sem pressa
O relator das contas do ex-governador Silval Barbosa (PMDB), na Assembleia Legislativa só deverá ser nomeado em setembro. A informação veio do deputado estadual e presidente da Comissão de Fiscalização e Acompanhamento da Execução Orçamentária da Casa, Zé Domingos Fraga (PSD), que tem a prerrogativa de fazer essa indicação.
Domingos disse que a relatoria das contas de Governo ficará a cargo de um dos cinco membros da comissão. Além dele, compõem a comissão, os deputados Eduardo Botelho (PSB), Wagner Ramos (PR), Silvano Amaral (PMDB) e Zé Carlos do Pátio (SD).
O TCE-MT emitiu parecer prévio favorável, por unanimidade, à aprovação das contas anuais de Governo, referentes ao exercício de 2014. O relatório apresentado pelo conselheiro Antônio Joaquim apontou ter encontrado um superávit financeiro no valor de R$ 377 milhões. O que contrariaria a informação dada pelo atual governo que alegou ter achado na Conta Única apenas R$ 84 mil.
Na época o conselheiro disse que não acolheria a recomendação do Ministério Público de Contas (MPC) e, aliás, teceu alguns elogios à gestão de 2014. “Não acolho parecer do Ministério Público de Contas e procedo à emissão de parecer prévio favorável à aprovação das contas de Governo, no exercício de 2014, com diversas recomendações”, afirmou o relator das contas, conselheiro Antônio Joaquim.
O TCE ainda considerou que a gestão estadual cumpriu os ditames constitucionais relativos à aplicação de recursos em ações e serviços públicos como saúde e educação, atendeu as regras relativas aos percentuais previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para gastos com pessoal, dívida ativa consolidada, operações de crédito e garantias.
Contráriado, o deputado Wilson Santos disse que o parlamento precisa ter responsabilidade para tomar a decisão. “Este plenário terá o livre arbítrio de decidir se o que a sociedade diz lá fora vale ou não vale. Cabe a nós votarmos as contas do exercício 2014. Serão necessários 13 votos para reprovar as contas e dar uma resposta séria, ética e corajosa, indo ao encontro do que a sociedade exige de parlamentares sérios”, disparou.
O tucano teceu duras críticas ao parecer emitido pelo Tribunal de Contas do Estado, que aprovou o balancete do Governo, desconsiderando o parecer do Ministério Público de Contas, que votou pela rejeição. “O Ministério Público de Contas, auxiliado pelos técnicos daquela Casa, sugeriu a reprovação das contas relativas ao orçamento de 2014, tendo em vista essas dezenas de absurdos. O MP, de maneira técnica, reproduziu o que a sociedade mato-grossense pensa em relação ao exercício 2014 do Governo”.
Independência das auditorias
Assim como o jornal Circuito Mato Grosso noticiou, explicando detalhadamente na edição 544, as disputas pelo poder e a atuação eleitoreira comprometeram a integridade do julgamento das contas desde a escolha de conselheiros do TCE até a apreciação da Assembleia Legislativa. O Tribunal de Contas do Estado (TCE) tem competência crucial na auditoria dos gastos públicos. Entretanto, o órgão fornece apenas o subsídio para a decisão final que não é do Tribunal e, sim, da Assembleia Legislativa, que não apenas aprova ou reprova as contas de governo ou de gestão de determinado grupo político, mas também indica quatro conselheiros de um total de sete em Mato Grosso, o que dá brecha para uma eventual influência eleitoreira sobre decisões que deveriam ser técnicas.
Em conversa no gabinete do presidente da Comissão de Fiscalização e Acompanhamento da Execução Orçamentária (CFAEO), o deputado José Domingos Fraga (PSD) reconheceu que “não se pode tapar o sol com a peneira”, confirmando que existem problemas na escolha para os conselheiros do TCE, feitas, segundo ele, de forma “atropelada”. O representante do Poder Legislativo afirma ainda que esse processo “não vem seguindo um rito” e que os conselheiros, na verdade, não foram sabatinados.
“Não podemos querer tapar o sol com a peneira. As últimas indicações da Assembleia e do Poder Executivo foram feitas de forma atropelada, não seguiram um rito. Não tivemos oportunidade de sabatinar verdadeiramente aqueles que hoje são conselheiros”, diz ele.
O deputado explica que a apreciação de contas por parte da Assembleia Legislativa depende também do trabalho do TCE. Segundo ele, assim que o parecer do Tribunal é proferido, o documento é encaminhado para sua comissão que designa um servidor para ser o relator dessas contas, que tem um prazo de 60 dias para dar seu veredicto. Após o prazo, a comissão aprecia essa análise, podendo aprová-la ou não. Se esse grupo, formado por cinco deputados, dá o sinal verde, a decisão final ainda vai a plenário para votação de todos os deputados estaduais. Só assim as contas são aprovadas ou reprovadas de fato.
Apesar de também reconhecer que a Assembleia Legislativa tem um “caráter eminentemente político e não técnico”, José Domingos vislumbra melhorias ao menos no processo de escolha de conselheiros do TCE. Segundo ele, há um projeto de resolução para apreciação da mesa diretora para seguir as recomendações e ritos propostos pelo Ministério Público de Contas e que devem dar maior transparência a esse processo.
Histórico depõe contra TCE
“Tribunal de Contas blinda o governo Silval Barbosa”, dizia a capa do Circuito Mato Grosso em 25 de setembro do ano passado. Na época, denúncias de superfaturamento das cadeiras utilizadas na Arena Pantanal para os jogos da Copa, e o VLT com sua conclusão aparentemente “infinita”, não foram suficientes para o Tribunal de Contas do Estado (TCE) “enquadrar” o Poder Executivo e sua responsabilidade em ações investigadas até pelo Ministério Público Estadual (MPE).
O mote, com outra manchete, se repetiria na edição 542 do semanário mato-grossense do dia 25 de junho, que destacou a absolvição de Silval Barbosa pelo TCE, a despeito do parecer contrário do Ministério Público de Contas: “TCE, novamente, livra a cara de Silval Barbosa”.
Outro caso também emblemático, e que dá brechas acerca da idoneidade do Pleno, é o julgamento realizado em dezembro de 2014 das contas referentes a 2013 da antiga Secretaria Extraordinária da Copa do Mundo (Secopa-MT), órgão criado pelo ex-governador Silval Barbosa para gerir as políticas públicas voltadas à preparação dos jogos, que teve Cuiabá como uma das cidades-sede em junho de 2014.
No relatório feito pela equipe técnica (Protocolo 71447/2013), encontramos situações consideradas “graves” pelos servidores. Uma delas aponta um serviço de R$ 7,9 milhões sem a regular comprovação de sua prestação. Outro trecho do documento versa sobre a Adesão 007/2013, que pretendia realizar a “digitalização do acervo documental da Secopa”, um negócio de R$ 27 milhões que foi precificado sem estudo preliminar. Não podemos também deixar de mencionar o VLT, que já ultrapassou a casa do bilhão, mas que ainda continua na promessa.
Outro caso que também chama a atenção é da Secretaria de Trabalho e Assistência Social de Mato Grosso (Setas-MT), alvo da Operação Arqueiro do Ministério Público Estadual, que apurava desvios na pasta da ordem de R$ 8 milhões à época em que Roseli Barbosa, esposa do ex-governador Silval Barbosa, era a secretária. O MPE não poupou Roseli e a Setas, ao contrário do TCE, que aprovou as contas do órgão.
Confira detalhes da reportagem do Jornal Circuito Mato Grosso