Opinião

ASHANINKA deve ser um livro CANOA*

Em 1989, Milton Nascimento esteve no Acre, em visita aos Ashaninka da aldeia Apiwtxa, às margens do rio Amônia, no alto Juruá, localizada na Terra Indígena Kampa do rio Amônia, município de Marechal Taumaturgo. Estava o cantor e compositor em viagem para gravar seu 25º vinil Txai, lançado em 1990 pelo selo CBS. Txai, que significa “mais do que companheiros”, “a outra metade de mim”, em língua do povo Kaxinauá, nasceu em apoio à Aliança dos Povos da Floresta. O resultado de seu trabalho revelou um Brasil ainda desconhecido por muitos brasileiros.

Milton Nascimento, durante sua permanência na aldeia Apiwtxa, onde mora uma parcela da população Ashaninka, a mesma do cineasta Wewito Paiyãko, se encantou com o jeito de ser do menino Benki Piyãko, então com 12 anos. Em sua homenagem, Txai traz uma faixa com o título Kampa (ou Benki), composição que o artista criou para enaltecer “os curumins de todas as raças do mundo”, em suas palavras. Hoje, Benki é representante político e xamânico de seu povo.

As ligações aqui apresentam-se também por orientações e vertigens que parecem assombrar o nosso chão. Um território grande e destinos humanos distintos. Figuras como Milton Nascimento, nosso compositor de voz irretocável e de composições como Missa dos Quilombos (1981) com os testamentos da ancestralidade e da escravidão; Benki Piyãko curumim, no Acre (1989), que se fez música e voz política Ashaninka; O cineasta Wewito Paiyãko, que após estudos de oficinas na área da produção audiovisual produziu o filme documentário No tempo do verão (2014); Rita Carelli (adaptação) e Mariana Zanetti (ilustração) que veem o documentário e escrevem  o livro bilíngue de literatura, adaptação a partir do filme de Wewito, com quarenta e oito páginas: No tempo do verão  Ashi  Osaretsipaiteki (2014).

Esta narrativa literária nos mostra uma educação que se passa nas minúcias de um dia na aldeia. Inicia-se “Na beirinha do Brasil, as margens de um rio comprido”, com a ilustração de uma extensa canoa, de página à página, e daí surge com crianças e jovens adultos Ashaninka, todas já sentadas, em um percurso de cuidados, brincadeiras e aprendizagens. O colorido e grafismo peculiar das roupas Ashaninka, o caminhar pelo interior da moradia em meio a redes estendidas e o encontro com o avô que irá auxiliar na construção de artefatos, diz muito sobre as aprendizagens. A intermidialidade (Rajewsky, 2012) que faz a produção cinematográfica de Wewito Paiyãko cruzar a fronteira para uma mídia literária também é a de olhares distintos. As ligações dessas figuras ficam em meio às lacunas como em um grande tapete estirado. Os livros didáticos e a realidade escolar pouco ou quase nada nos contaram dessas narrativas.  Somos o território de 255 povos indígenas. No filme, meninas Ashaninka arrancam vigorosamente, com as mãos, após o uso de um facão guardado na cintura das mesmas, a casca de mandiocas. Rita Carelli e Mariana Zanetti nos trazem essa tradição da aprendizagem com tons de suavidade impressos a uma jovem menina. Narram e ilustram com tons de uma civilidade debilitada em delicadeza: “Panelas no fogo, as meninas descascam macaxeiras”.

O povo Ashaninka, habitante de terras nos países do Peru e do Brasil, é igualmente conhecido pelo nome de Campa ou Kampa. No decorrer de sua existência, também foram denominados de Ande, Anti, Chuncho, Pilcozon e, Tamba e Campari. De acordo com dados da Fundação Nacional do Índio (Funai), são sete as Terras Indígenas em território brasileiro: Jaminawa/Envira, Kampa do Igarapé Primavera, Kampa do Rio Amônea, Kampa e Isolados do Rio Envira, Kaxinawá/Ashaninka do Rio Breu, Kaxinawá do Rio Humaitá e Riozinho do Alto Envira, localizadas nos municípios de Marechal Taumaturgo, Feijó e Tarauaca, no Estado do Acre, na Amazônia Legal.

Os Ashaninka encontram-se comprometidos com o trabalho de recuperação dos recursos de seus territórios, no reflorestamento e repovoamento de matas e rios com espécies nativas. Ao mesmo tempo, lutam contra a invasão de madeireiros estabelecidos na região de fronteira do Brasil com o Peru. Também enfrentam a presença de caçadores e traficantes de drogas. Mas, dificilmente essas e outras informações históricas são levadas à tona, discutidas no espaço escolar.

 

* Crônica escrita com Rosana Campos Leite Mendes

Doutoranda em Literaturas e Práticas Sociais (UnB)

Mestre em Educação (UFMT)

Escola de Saúde Pública, Secretaria de Estado de Saúde/MT.

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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