Na última quarta-feira, 4/10, foi protocolizada no Senado Federal a Proposta de Emenda à Constituição 51/23, que restringe a máximo de 15 anos a permanência dos ministros do Supremo Tribunal Federal, além de modificar a idade mínima para ser indicado a ministro dos Tribunais Superiores, que passaria de 35 para 50 anos, e definir quarentena para alguns altos cargos a se candidatarem ao disputadíssimo lugar no Olimpo da Praça dos Três Poderes de Brasília/DF.
O autor é o senador Flávio Arns e pela proposta por ele apresentada os ministros não seriam mais magistrados vitalícios no exercício do cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal, passando a ministros com mandato a termo certo de década e meia, com a singela justificativa que isso aproximaria o atual modelo ao modelo de Cortes Constitucionais europeias.
Mas não fica somente com essa pretensão a proposição, pois busca também estabelecer a idade mínima de 50 anos para ser ministro do Supremo, com o que estaria umbilicalmente associada à proposta de criação de mandato de 15 anos, razão pela qual deverão ser analisadas em conjunto, com vistas a uma conexão axiológica mais efetiva com as mudanças havidas nos valores da sociedade, mediante renovação de sua composição com maior periodicidade e intensidade.
De igual forma, traz ainda o estabelecimento de quarentena para os ocupantes dos cargos por qualquer tempo nos três anos anteriores à indicação, com o Procurador-Geral da República, defensor Público-Geral Federal, ministro de Estado ou titular de órgão diretamente subordinado à presidência da República, ou, ainda, dirigente de entidade da administração pública federal indireta.
Como se pode observar, as eventuais novas regras constitucionais pretendidas pelo Congresso Nacional não tem nada de novidade, pois há mais de uma década são objetos de discussão quando há crises entre os poderes da República, sendo certo que os atores políticos estão vendo como absolutamente natural diante do processo de ampliação de poderes da Corte Máxima, de diversificação dos instrumentos de controle abstrato de constitucionalidade e da saída da postura de autocontenção para o ativismo de seus ministros.
Com efeito, a Constituição Federal completou 35 anos e o protagonismo político decorrente das suas decisões colocou o Pretório Excelso como uma das Cortes mais poderosas do mundo, tendo em vista suas competências, formas de atuação e independência. Mas foi o poder constituinte originário e derivado que formatou a Corte Máxima de Justiça, leia-se Congresso Nacional, que preferiu encaminhar matérias de cunho eminente político para decisão judicial.
A justificativa de que seria uma forma de melhorar o modelo de escolha e modernizá-lo com uma aproximação ao modelo adotado nas Cortes Constitucionais europeias parece carecer de sustentação fática e jurídica, mostrando um tanto quanto casuística. O Supremo Tribunal Federal não é apenas uma Corte Constitucional, pois se debruça diversas vezes em seus julgamentos sobre matérias de diversos matizes de direito federal e sua compatibilidade com a Constituição, exercendo competência originária para processar e julgar altas autoridades da República brasileira em matéria penal ou os atos ou omissões dessas em matéria mandamental.
Por outro lado, a outra justificativa, no tocante a renovação mais célere ao invés de mitigar riscos de jurisprudências “petrificadas” sobre temas politicamente sensíveis, cuja percepção social muda bastante com o passar dos tempos, segundo disse o senador Flávio Arns, é na verdade uma contradição em termos. Isso porque esses temas sensíveis podem muito bem ser definidos pelo Congresso Nacional no exercício de suas atribuições constitucionais, somente quando o Poder Legislativo não atua a contento é que tudo vai desembocar no órgão máximo do Poder Judiciário. E órgão julgador, monocrático ou colegiado, não pode se dar ao luxo do non liquet.
Aqui um parêntese, o non liquet é expressão latina que significa “não está claro”. Resulta de uma redução de um pequeno trecho da obra Noctes Atticae, do jurista romano Aulo Gélio que assim giza: iuravi mihi non liquere, atque ita iudicatu illo solutus sum. Ou seja, o juramento de que a causa não estava clara, de modo que o juiz ficava desobrigado de tomar uma decisão. Bateu as portas do Poder Judiciário com a causa não há como receber uma decisão ao fim e ao cabo do processo.
Retomando, nem a lentidão pode servir de simplório fundamento para se modificar a forma de escolha e a limitação de idade na pretendida renovação do modelo para o Supremo Tribunal Federal, pois é melhor que os posicionamentos sobre os grandes temas sociais e as grandes teses jurídicas no Pretório Excelso sejam bem ruminados, sendo certo que não se pode dizer com base nos julgamentos até então proferidos que os atuais membros Colegiado Julgador Máximo não acompanhem adequadamente as mudanças nos princípios e valores que regem a vida em sociedade, com ênfase na crescente globalização, inovação tecnológica e diversificação cultural.
Por sua vez, o fundamento de melhorar a visão de mundo ou cosmovisão é algo fragilíssimo, pois todo indicado e futuro julgador como qualquer outro indivíduo a possui, decorrente do conjunto de valores, crenças, impressões, sentimentos e concepções intuitivas sobre o mundo em que se vive. Portanto, não se mostra como fundamento objetivo para justificar validamente a proposição senatorial, uma vez que acaba como resultado na inevitável crítica de que qualquer indicado por sua subjetividade terá a sua visão de mundo com sua história, cultura, contexto, modo e meio de convivência, experiência, dentre outros fatores.
Por fim, um grande contrassenso constitucional será estabelecido. Os ministros do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores não terão a vitaliciedade que tem todos os magistrados inferiores, conforme consagrado pela Constituição Cidadã (art. 95), com o que se pode denotar uma anomalia institucional de proporções, no mínimo, constrangedoras para um dos Poderes da República, onde a sua não gozará da garantia da vitaliciedade.
Essa disputa de poder ou de neutralização de um poder que se instala com a proposta do senador Flávio Arns poderia ser muito melhor solucionada com o Congresso Nacional cumprindo sua principal missão e legislando em todos os grandes temas mais palpitantes da sociedade brasileira. Assim, despolitizando as decisões judiciais e desjudicializando as questões sociais que não deviam estar no Poder Judiciário, com certeza os Poderes Legislativo e Executivo se fortaleceriam e o Poder Judiciário deixaria de ser o anteparo de todos os problemas da sociedade brasileira.
Enfim, espera-se que essa proposta de emenda à constituição não mude a formulação do dito popular “quando a política entra pela porta do tribunal, a justiça foge pela janela” para “quando a casuística política entra pela porta do congresso, a esperança de independência da justiça foge pela janela”.
Antonio Horácio da Silva Neto é juiz de direiro e presidente da Academia Mato-grossense de Magistrados.