Em entrevista ao Circuito Mato Grosso, o ex-juiz do TRE e advogado eleitoral José Luiz Blaszak descreveu como funciona a Lei da Ficha Limpa (Lei nº 135 de 2010) e como as recentes decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) deverão tirar muitos candidatos do páreo em 2018, mesmo alguns de siglas e nomes mais fortes.
Blaszak assumiu como juiz membro titular do Pleno do TRE em 2012 e terminou o mandato em 2014. Sua nomeação foi feita pela então presidente da República Dilma Rousseff (PT).
Conforme o advogado eleitoral, as próximas eleições serão as mais difíceis para os corruptos, pois a atual composição do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem na sua maioria membros reconhecidos pela rigidez e cumprimento estrito das leis eleitorais, como o ministro do STF, Luiz Fux.
Circuito Mato Grosso – O que tem a Lei da Ficha Limpa que tanto amedronta os políticos?
Dr. José Luiz Blaszak – Antes havia a Lei Complementar nº 64/1990, chamada Lei da Inelegibilidade de 1990, e que ficou em vigor no seu texto original até 2010. Ela continua em vigor ainda hoje, mas com alterações. Essa lei tratava daqueles que cometiam crimes que estão elencados na Lei 64/90 no artigo 1º, que diz quem pode e quem não pode ser candidato num pleito. Nesse período não podia ser candidato quem fosse julgado por um crime de improbidade administrativa ou tivesse o mandato cassado pela Justiça Eleitoral. Também constava na lei que o suposto candidato não poderia estar no pleito se já tivesse sido condenado na Justiça Eleitoral, ou mesmo na Justiça Comum. Ele ficaria inelegível pelo tempo da pena que foi condenado e mais três anos por causa da lei. Até 2010, aquele que havia cometido algum ato ilícito não poderia ser candidato ficaria afastado pelo prazo e mais três anos. A partir de 2010 (depois de sancionada a Lei nº 135 de 2010, pelo ex-presidente Lula), esse prazo passou de três para oito anos. Exemplo: quem pegou 20 anos de condenação eleitoral terá adicional de mais oito de inelegibilidade.
Circuito Mato Grosso – E hoje, quem cometeu outros crimes além da improbidade administrativa também Xca inelegível?
Dr. José Luiz Blaszak – Alguns crimes sim, como, por exemplo, crimes contra a vida (homicídio) estão dentro da lei. São inelegíveis os que têm contra sua representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, sendo transitada e julgada pelo colegiado em processo de apuração de abuso de poder econômico e político na eleição na qual concorre ou será diplomado. Nós temos alguns processos na Justiça Eleitoral que não dão inelegibilidade. Por exemplo, uma conduta vedada, ele fez uma divulgação em um impresso da prefeitura que lhe dá promoção no período vedado. Ele é condenado em multa, porém não será cassado e fica elegível. Mas aqueles em que o processo é a base do uso do poder econômico ou político, ou seja, compra de votos, uso da máquina pública, aqueles que têm uso do poder econômico e político, se isto ficar configurado, ele perde o mandato e os direitos políticos cassados durante oito anos.
Circuito Mato Grosso – Em quais casos os candidatos com processos em andamento nos Tribunais Eleitorais ficam inelegíveis?
Dr. José Luiz Blaszak – Os que têm contra a sua pessoa a ação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em julgado, ou seja, se acabou o processo ele pode ter este problema na primeira instância, segunda instância e terceira instância, porque ele pode perder o prazo de recorrer já na sentença, quando de um juiz monocrático. Perdeu o prazo, não recorreu, morreu o processo ali; ele já é inelegível também.
Circuito Mato Grosso – Mas vemos em muitas situações candidatos que estão sendo processados e acabam até vencendo eleições e depois sendo cassados. Por que isso ocorre?
Dr. José Luiz Blaszak – Porque mesmo com a decisão em colegiado ou de primeira instância, às vezes o candidato consegue um efeito suspensivo. Às vezes no órgão que julgou ou vai para um órgão maior como o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) presidido (hoje) pelo ministro Luiz Fux. Se o processo está em andamento, ainda que esteja condenado pelo colegiado, para conseguir o registro tenho que estar com a liminar na mão. Esta liminar pode nascer na Justiça Eleitoral ou nasce na justiça onde está o processo. Vamos pegar um exemplo de improbidade administrativa: os advogados fazem um trabalho para conseguir um efeito suspensivo desta condenação de improbidade. Ele tem que trazer a suspensão do processo originário para a Justiça Eleitoral deferir o registro de candidatura. É uma grande corrida, um grande estresse no período de registro de candidaturas. Temos pessoas com este perfil (condenadas em colegiado), corremos atrás de algo para reverter na justiça em que foi condenado.
Circuito Mato Grosso – Qual vai ser o período mais tenso nas eleições 2018 na questão judiciária? Quando podemos dizer quem é realmente candidato?
Dr. José Luiz Blaszak – A data do registro da candidatura é muitíssimo importante para os supostos candidatos com problemas judiciais. Porque, registro a pessoa consegue pedir, mesmo com umas 20 condenações, porém a questão é saber se será deferida a candidatura. Registrar é simples, agora ser deferida é outra história. Aqueles que registrarem a candidatura, mesmo com a liminar, podem perder, pois a liminar pode cair.
Circuito Mato Grosso – Então, mesmo quem tenha dez processos por corrupção pode conseguir ser candidato?
Dr. José Luiz Blaszak – Sim, as convenções partidárias vão do dia 20 de julho a 05 de agosto. A data limite para os registros de candidaturas é 15 de agosto. Nesta data o candidato (por exemplo) que tem processo e que foi condenado pelo colegiado, deve ter conseguido um efeito suspensivo no seu recurso. Esta suspensão pode ser conseguida através de uma liminar para suspender os recursos que tramitam na Justiça Eleitoral ou o processo esteja correndo fora, como, por exemplo, de improbidade administrativa.
Circuito Mato Grosso – Esse processo não gera uma descrença da população contra a Justiça Eleitoral?
Dr. José Luiz Blaszak – Como o nome já diz: “liminar” é superficial, é de momento, ainda não se julgou o mérito. Isto se chama insegurança jurídica, porque a população, os partidos e os políticos não sabem o que vai ocorrer no amanhã, mesmo com a lei na mão. O resultado depende da cabeça de cada juiz.
Circuito Mato Grosso – Então é por isso que mesmo após serem eleitos vemos alguns candidatos perdendo o mandato, como no caso do ex-prefeito de Primavera do Leste?
Dr. José Luiz Blaszak – Sim. Nesse caso, o juiz analisou de forma legalista. No momento em que tenho uma definição das verdadeiras condições daquele candidato – porque não tinha ainda no registro, por isto dei a liminar –, mas no decorrer do processo se aponta que ele é culpado e tem que ser condenado à perda do mandato. Então, retroajo à data do registro para cassar aquela liminar e o afastar do cargo.
Circuito Mato Grosso – A tendência é termos um cenário similar nas próximas eleições, em outubro de 2018?
Dr. José Luiz Blaszak – Não. Parece-me que na composição atual do TSE são mais duros. Entre os candidatos atuais, 110% estão sabendo que a composição atual (do TSE) é muito diferente do que já teve, com a linha de decisão de cumprimento da Lei da Ficha Limpa como está escrita. Pois, vimos nos julgamentos anteriores que o presidente e ministro Luiz Fux mostrou que é extremo defensor da Ficha Limpa, pois participou do julgamento da constitucionalidade da lei. O ministro Barroso também mostrou que vai julgar conforme a lei. Dentre os ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o ministro Napoleão é mais nexível na interpretação, e os dois advogados, não tenho certeza absoluta da linha mais propensa.
Circuito Mato Grosso – O senhor acredita que novos nomes vão aparecer após as mudanças nas leis que regem as eleições?
Dr. José Luiz Blaszak – Dando minha opinião e vendo a história do direito eleitoral, o que a gente vê na história das eleições? Às vezes havia nomes muito fortes na política e que estavam com problemas judiciais e inelegíveis, mesmo assim os partidos insistiam nas candidaturas, pois esses políticos são grandes puxadores de votos, quando chegar no tempo de mudar, ia ser trocado se não tivesse nada positivo. Porém, naquela época era de três meses o período de propaganda eleitoral, de julho a outubro. Agora é de 45 dias do registro até a eleição, a propaganda eleitoral passa a ser veiculado dia 16 de agosto, ninguém inicia dia (16) com a campanha pronta. Para você arriscar com um candidato inelegível com pouco tempo, o partido deve estar com um plano incrível. Tem que ter uma análise interna para saber se tem possibilidade de continuar com este nome ou substituir por outro. No meio deste vulcão político, eles não podem perder o embalo de uma campanha eleitoral, mesmo o candidato estando inelegível. Se eu fosse presidente de um partido, entregaria uma lista de nomes para o jurídico e diria: “Estes são os principais candidatos nossos, faça um levantamento para ver qual é a situação desses nomes”. Este é meu conselho porque não vai dar tempo de começar uma nova campanha e ter tempo para fazer o processo de substituição em 45 dias, é muito pouco tempo principalmente para os novos candidatos. Disputar com os nomes conhecidos é muito difícil. Ele tem que fazer uma supercampanha e também ser muito presente para ser reconhecido.
Circuito Mato Grosso – As novas mudanças anunciadas nesta semana pelo Supremo Tribunal Federal devem alterar em que as eleições 2018?
Dr. José Luiz Blaszak – O STF decidiu que é válida a aplicação do prazo de oito anos de inelegibilidade àqueles que foram condenados pela Justiça Eleitoral, por abuso de poder econômico ou político, anteriormente à edição da Lei Complementar (LC) 135/2010 (Lei da Ficha Limpa). Na prática, a decisão do STF vai barrar da disputa deste ano aqueles políticos condenados antes de 2010, cujo o número de anos da pena cumprida adiconados 8 anos de inelegibilidade ultrapasse o dia 15 de agosto de 2018. Na sessão da quinta-feira (1/3), os ministros (do STF) voltaram a analisar a situação daqueles políticos condenados antes de 2010.
Circuito Mato Grosso – E o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o senhor acredita que ele poderá ser candidato?
Dr. José Luiz Blaszak – Na minha visão, a decisão não estará com o TSE. O Tribunal Superior Eleitoral terá uma situação fática a analisar, que fará um checklist, porque a decisão que contará mesmo virá da Justiça que estará julgando o crime. Se ele conseguir efeito suspensivo na Justiça que está julgando o crime ele certamente terá seu registro de candidatura deferido. São situações que decidirão se para ser candidato, Lula vai precisar de uma liminar suspendendo esta condenação ou pelo TRF-4, vindo ou pelo STJ, ou em outra medida pelo STF. Então, quando chegar 15 de agosto, para o TSE receber o registro de Lula tem que ter esta liminar. Não sabemos o que vem pela frente.