Na última quinta-feira demos início ao curso presencial “A Lei de Umbanda” que foi planejado de forma a esclarecer as origens míticas, místicas e litúrgicas da religião umbandista. Na primeira aula tratamos sobre a Raiz Vermelha, a raiz natural de nosso país, o tronco indígena. À medida que ia falando, mentalmente, viajava na história de minha vida, desde cedo aprendi as questões pertinentes aos indígenas de forma superficial e definitivamente fantasiosa. Contam os grandes estudiosos de nosso século que as antigas civilizações indígenas foram marcadas por grandes ideias e tecnologias, cuja compreensão real nem sequer ainda alcançamos, mas, inquestionavelmente, a grande marca característica de nossos ancestrais – e nesse quesito não apenas os índios – era a espiritualidade. Muito diferente de nossa época, o espiritual não era algo afastado, separado, era algo real, presente, pulsante. Se vivia a ideia do espiritual na mesma proporção que se vivia a realidade material. Não existia momento para louvar os ancestrais, manifestar louvor ao criador ou amar sua criação; para que definir tempo quando a vivência é completa e intensa em suas realidades??? A natureza era um santuário, a sala de encontro entre irmãos: os que viviam nela era para ter contato com as experiências humanas e os próprios homens.
Enquanto discorria sobre o tronco Tupi, refletia sobre a capacidade de se ver o espiritual em todo momento da vida se forma natural, comum e irmanada. A constelação do Cruzeiro do Sul, por exemplo, foi altar de muitas preces realizadas dentro do templo interior que habita em cada um dos viventes. Os templos físicos eram locais assinalados para o encontro coletivo mas nunca limitador da busca do espiritual. Pensando e refletindo nisso, percebemos o quanto nos afastamos de nossas origens e nos enganamos quando o assunto é o espiritual. A fé que antes era vivida constantemente passou a ser uma espécie de mesa de chá para a qual só nos dirigimos a fim de manter contatos sociais e mesmo assim com horário, pose e modelito predefinidos. Os ritos se tornaram momentos maçantes, em que de tudo se pensa, menos no que deveria ali se pensar. A fé se tornou algo industrial, se produzem fiéis aos montes, sem preparo, sem consciência da fé, com ameaças de um calabouço de fogo ardente em vez de um céu de nuvens a quem, pura e simplesmente, acreditar que é o certo e defender essa ideia com unhas e dentes, mas também com pedras e paus se for preciso. A espiritualidade se tornou status, sim, é algo chique ser espiritual, até Glória Kalil já está dando workshops de como ser fino em ações religiosas, com direito a dicas de como se portar em Celebrações Ecumênicas de forma a não agredir nenhum dos presentes, por outro lado, ninguém se preocupou ainda em ensinar os milhares de supostos líderes religiosos, de todas as correntes imagináveis, todas, a terem a ética de olhar o verdadeiro tesouro que habita em seus fiéis em lugar de olhar os tesouros de suas contas bancárias que insiste em se tornar, há séculos, razão principal de muitas paparicações, elogios, revelações, bênçãos e outras coisas mais, mas em nada colaborando realmente para a evolução do homem. Tudo talvez fosse aceitável se ao menos pudéssemos ainda viver a fé de nossos ancestrais, viver a crença de que Deus está em todo lugar, que não temos horário para encontrá-lo, que a vida material é completamente adaptável a ser vivida junto do espiritual. O dia da minha fé não é o dia da celebração coletiva, o dia da minha fé é hoje, é agora, é este segundo. Quem não pratica sua fé é apenas religioso, e sua recompensa consiste apenas em um título religioso. Vivamos como nossos pais e mães ancestrais, vivamos a fé, vivamos a vida, vivamos a natureza, aspiremos pelo ser superior. Ao final de tudo é que se constata o quanto somos nada, o quanto somos pó e o quanto a enganação serviu para enganar apenas a nós mesmos, afinal, aquele a quem se poderia enganar sabe quantas vezes em toda a vida o fizemos ar de nossa existência, pois aquele que vive sem respirá-lo já é morto mesmo estando vivo.