Os contornos quanto à aprovação do novo fundo partidário público para financiar campanhas eleitorais e o fim das coligações podem aparecer mais nitidamente nos próximos anos. Os reflexos mais imediatos tinham sido apontados por analistas políticos e partidos quando a proposta homologada na sexta-feira (6) pelo presidente Michel Temer ainda era debatida na Câmara Federal.
O professor de direito constitucional da UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso) Marcelo Antônio Theodoro é enfático: “Estamos usando dinheiro público para financiamento de entidade privada, os partidos políticos, para não pôr limite ao abuso de autoridade”.
Ele afirma que os projetos aprovados pelo Congresso vão favorecer caciques de grandes partidos com a falta de regras para a distribuição de dinheiro, que começa a ser liberado a partir de 2018 para as campanhas eleitorais.
Serão transferidos dos cofres públicos cerca de R$ 2 bilhões para candidatos a presidente, governador, deputado e senador no ano que vem. Hoje os partidos políticos já têm à sua disposição recursos do fundo partidário, que deve distribuir cerca de R$ 1 bilhão em 2018. Na soma, cerca de R$ 3 bilhões. Na proposta anterior que passou por correção, o fundo seria de R$ 3,6 bilhões.
“Mas continua a mesma coisa. Não há regras para o fim do caixa 2 e nem limite para o candidato doar para a própria campanha. Isso significa que quem tem mais dinheiro terá vantagem sobre o candidato mais pobre”.
O professor Marcelo Theodoro afirma que sem regras para distribuição dos R$ 2 bilhões dentro dos partidos, da Executiva nacional para os diretórios estaduais e municipais, o domínio de grandes partidos feito por alguns líderes crescerá.
“Os líderes políticos poderão distribuir para quem quiser quantias diferentes de dinheiro. Contextos que os favoreçam terão mais chances de prevalência, e os partidos e candidatos com pouca visibilidade podem sumir”.
O fim das coligações partidárias reforça a interpretação. Junto à criação do novo fundo partidário, foi homologada pelo presidente Michel Temer uma emenda à Constituição que acaba com coligações a partir de 2020 e cria cláusula de desempenho a partir do ano que vem, o que dificultará a existência de siglas nanicas.
As coligações são bastante criticadas porque é comum, principalmente nos municípios, a união meramente eleitoreira de partidos nacionalmente antagônicos, como PT e DEM.
O objetivo dessa união é tentar obter o maior número de votos nos candidatos da coligação e, assim, atingir o chamado "quociente eleitoral", condição mínima para eleição de candidatos da sigla.
Em uma eleição em que houve 100 mil votos válidos, por exemplo, e em que há 10 cadeiras a serem distribuídas, o quociente eleitoral é de 10 mil votos. Normalmente partidos nanicos se unem nas eleições para juntos atingir esse patamar, o que não conseguiriam de forma isolada, e eleger pelo menos um parlamentar – no caso, o mais votado da coligação.
Em manobra, Congresso exclui limite de autofinanciamento
O fim da limitação de autofinanciamento de campanha foi aprovado pelo Senado graças a uma manobra. Depois de ter aprovado a criação de um fundo público para financiar campanhas, o fim das coligações entre partidos e a cláusula de barreira, o Congresso deu validade a um texto que dispõe sobre partidos e candidaturas.
Um projeto aprovado na madrugada quinta-feira (5) na Câmara e confirmado pelo Senado à tarde prevê a liberação da propaganda paga na internet, com a permissão do chamado "impulsionamento de conteúdo" (pagar para que as postagens nas redes sociais alcancem um público maior).
As regras para os debates na TV também são alteradas. Hoje as emissoras são obrigadas a convidar candidatos de partidos com mais de nove deputados. Pelo texto aprovado, esse limite cai para cinco.
Em votação expressa na tarde da mesma quinta (5), senadores excluíram da proposta um dispositivo que limitava o autofinanciamento de campanhas. Também ficou de fora do projeto o "descontão" de dívidas eleitorais para políticos e partidos.
Os senadores fizeram um acordo para modificar o texto sem que ele precise voltar para a Câmara. Para isso, as mudanças foram feitas por meio de "impugnação" de dois artigos do projeto.
A manobra gerou incômodo de alguns parlamentares, sob a argumentação de que não existe previsão regimental para impugnar trechos de projeto de lei.
O presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), usou como justificativa para a impugnação uma ação direta de inconstitucionalidade julgada pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
A corte declarou inconstitucional, em outubro de 2015, a inclusão de "jabutis" em medidas provisórias. Ou seja, vedando que matérias estranhas ao objeto inicial da medida pudessem ser acrescentadas ao texto.
Ele se disse ainda contrário a aprovar junto ao texto um dispositivo que permitia dar um desconto de até 90% para partidos e candidatos que pagassem à vista multas eleitorais. "Achamos que fazer uma anistia dentro da reforma política neste momento era matéria estranha".
Próximo passo de reforma é descriminalizar o caixa 2, diz professor
O professor Marcelo Antônio Theodoro diz que o próximo passo para mudança eleitoral no sistema brasileiro pode ser a descriminalização do caixa 2, dinheiro que entra em campanhas eleitorais de modo ilegal por meio de doações, na grande maioria, de empreiteiras e grandes conglomerados empresariais.
“A maneira como o fundo partidário foi aprovado, a pressa dos políticos em passar essa mudança já para 2018, e as características das mudanças, com concentração em alguns grupos políticos, levam a crer que a descriminalização do caixa 2 é o próximo passo, já com avanço no próximo ano”, comenta.
Ele afirma que a mudança pode seguir traços da mais recente eleição na Itália. A Corte Eleitoral italiana implantou nas eleições para a Câmara de Deputados o “prêmio de maioria” a partido ou coalizão que obtiver 40% dos votos em um eventual pleito. Quem alcançar esse patamar garante automaticamente maioria na Câmara.
A versão brasileira tem elemento típico. A investida policial contra crimes praticados por pessoas em função de cargo público eletivo na Operação Lava Jato acendeu o alerta dos políticos para aumentar as regras protetivas por meio de foro privilegiado.
E a mudança da minirreforma eleitoral, que entrou em vigor em janeiro de 2016, com a limitação de gastos em campanhas e proibição de empresas de doar para campanhas, colocou o financiamento majoritário a políticos em xeque.
“Existe situação no país para propor uma lei contra a Lava Jato, e os políticos estão lutando para se manter no poder. As mudanças aprovadas indicam para essa direção, e está muito claro que a descriminalização do caixa 2 é o próximo passo. Tomara que eu esteja errado, mas é uma possibilidade nítida”.
Segundo o MCCE (Movimento de Combate ao Crime Eleitoral), 60% do dinheiro movimentado em campanhas eleitorais anteriores a 2016 tinham origem em vultosas doações de empresários e grupos empresariais.
Líderes partidários de MT rejeitam proposta de fundo
Lideranças políticas de Mato Grosso variam suas opiniões entre momento inoportuno para aprovação do fundo partidário e a desaprovação de custos bilionários de campanha para o poder público.
O deputado federal Nilson Leitão, presidente do PSDB-MT, diz que a criação do fundo público pode desvirtuar a democracia sem a participação políticas de pessoas físicas. Segundo ele, a reforma eleitoral que entrou em vigor no começo do ano, com a proibição de doação de pessoas jurídicas para campanha, é o ápice da “criminalização” de dinheiro privado em campanha.
“Sabemos que existem casos de corrupção na doação de empresas para políticos e partidos, mas isso não pode ser proibido, precisa ser normatizado com vigor para que não ocorra. Assim como a forte doação privada é ruim, a fundo público com o valor proposto também é. Deve haver uma proposta mista”.
O ex-governador Júlio Campos (DEM-MT) diz que apesar de não concordar com a proposta de R$ 3,6 bilhões para o fundo o financiamento de campanha deve ser definido após as proibições feitas pela Justiça Eleitoral na reforma de 2016.
“Fazer campanha exige dinheiro, muito dinheiro, e a Justiça proibiu a doação de empresas no ano passado, e o fundo atual é só para manter a estrutura partidária. Então, precisamos pensar alguma forma justa de financiamento, pois não dá para ficar sem previsão”.
Já Stephano Carmo diz que a proposta é feita em “momento equivocado” devido à crise econômica. Ele diz que o recurso distribuído hoje é insuficiente, mas afirma que o fundo bilionário em análise não tem regras que esclareçam a aplicação do dinheiro.
“O momento é equivocado para se fazer a proposta. Se gasta para fazer campanha, mas a sociedade não entende isso, e a proposta de R$ 3,6 bilhões é pouco clara sobre como o dinheiro deve ser aplicado, então não vejo como a hora certa para a aprovação”.