Terça-feira (15) de janeiro de 2019. Ao contrário do que fazia desde maio do ano anterior, Jucélia da Silva entregou a filha de dois anos ao pai, antes do final de semana. Ele alegou que ia comprar roupas para ela. Na ocasião, a mãe sequer imaginou que adiantar o dia da guarda compartilhada a faria perder a criança por quase três anos. O homem fugiu com a filha e ao ser abrigado, como morador de rua em Recife (PE), a Polícia Civil local identificou que havia um mandado de busca e apreensão em nome da menina, em Mato Grosso.
A busca incansável da mãe pela filha terminou em 2 de setembro deste ano, após a Defensoria Pública de Mato Grosso, em um dos últimos atos no caso, solicitar à Prefeitura de Juara, passagens para que a dona de casa buscasse a menina. Até a mãe chegar, ela ficou em um abrigo para crianças, conforme requisição judicial feita pela defensora pública Carolina Henrica Giordano.
A criança agora está em casa, se readaptando à família – padrasto e uma irmã de seis anos de outra união. A mãe afirma que a filha está magra, agressiva e arredia. E que tem intenção de buscar ajuda médica e psicológica para investigar o que ela deve ter passado durante os dois anos e oito meses que esteve em situação incerta, com o pai.
“Foi a maior felicidade do mundo quando a defensora me avisou que ela estava lá em Recife e eu ia poder buscar minha filha. Eu nem acreditei, apesar de nunca ter perdido a esperança de encontrá-la, eu fiquei meio boba. Estou grávida de cinco meses e ela e a minha outra filha estão lá, com ciúmes uma da outra, me disputando como mãe. Estou feliz e agora é cuidar dela”, disse.
Relacionamento
Jucélia morou por três meses com L.B. e ao final desse período, decidiu se separar, mesmo grávida. Ela afirma que ele batia na filha dela, à época, com quatro anos.
“Eu tenho um menino de 18, uma menina de 15 e tinha essa, que quando fui morar com ele, tinha quatro anos. Os meus filhos mais velhos me contaram que ele, quando ficava sozinho com a menor, batia nela, a mal tratava por causa da cor dela, ela é bem escura, e isso me fez desistir de continuar”, conta.
Jucélia diz que sempre foi dona de casa e que o ex-companheiro, dizia trabalhar como caminhoneiro. Após o nascimento da filha, ambos disputaram a guarda dela na Justiça e por um acordo, em março de 2018, ficou estabelecida a guarda compartilhada. Ela ficava com a filha durante a semana e ele, nos finais de semana.
“No processo da guarda, primeiro o juiz a deu pra ele, pois ele alegou que eu bebia e que não cuidava dela. Depois, provei que era mentira e fizemos um acordo, concordamos dela ficar comigo durante a semana e com ele nos finais de semana. Quando ele foi lá, no meio da semana, pedindo para comprar roupas para ela, eu não desconfiei, entreguei ela de boa fé, jamais imaginei que ele iria desaparecer com minha filha, sumindo sem dar notícias”.
Processo
O caso foi registrado em Sinop, em Boletim de Ocorrência, no dia 22 de janeiro de 2019, como “caso atípico”, uma semana depois que o ex-companheiro de Jucélia sumiu. A dona de casa procurou a Defensoria Pública e, à época, o defensor Glauber da Silva entrou com pedido de tutela provisória de urgência de busca e apreensão em favor da mãe. No mesmo dia, 25 de fevereiro de 2019, o juiz da Vara de Sucessões e Família de Sinop, Gleidson Barbosa, determinou que a criança fosse devolvida para a mãe.
A tarefa, porém, não seria fácil, pois um mês antes a mãe já teria feito o que sabia para encontrar a criança, sem sucesso. A defensora Carolina conta que Jucélia foi até o endereço do ex-companheiro, ligou para os telefones que tinha dele, mas as ligações iam para a caixa de mensagem. Um mês e oito dias depois do desaparecimento, uma parente de L.B., em conversa com Jucélia por mídia social, contou que ele estava em Rondônia, na casa da irmã.
Nesse período, a mãe conta que conseguiu falar com a filha, por telefone, com a ajuda da sobrinha do ex-companheiro, sem que ele soubesse. Porém, esse contato durou pouco. Ele teria se mudado novamente com a criança, época que Jucélia perdeu totalmente o contato com a filha. Posteriormente, ela ficou sabendo que o ex-companheiro tinha ido morar com a mãe dele, que o ajudava financeiramente. Mas, ela teria morrido e ele desapareceu.
Busca pela Justiça
A decisão da busca e apreensão foi para o Juizado da Infância e Juventude. No dia 27 de fevereiro de 2019, o órgão informou que já havia esgotado os recursos que tinha para localizar o pai da criança, sem cumprir a determinação. Desde então, o processo passou pelo Ministério Público, teve manifestação de dois outros defensores e de três juízes que buscaram a localização de L.B., por meio de dados da Receita Federal e de outras formas, também sem êxito.
No decorrer desse tempo, Jucélia se mudou para Juara, onde reside atualmente, se casou novamente e não desistiu de procurar. No dia 25 de agosto, o delegado da Especializada em Crimes Contra Criança e Adolescente de Recife, Geraldo da Costa, encaminhou um e-mail para a Vara de Família de Sinop, informando a localização da criança e pedindo orientações sobre como proceder com ela.
Costa contou que havia sido procurado pela gestora do abrigo para moradores de rua, Casa de Passagem Diagnóstico, que informava que L.B. estava no local, com uma criança e que essa criança era procurada pela mãe há cerca de três anos. Ele recebeu o mandado e foi orientado a encaminhar a criança para um abrigo infantil.
O processo, requerido pela defensora em maio deste ano, foi remetido para a comarca de Juara no mesmo dia da comunicação do delegado. E, ainda naquele dia, Carolina entrou em contato com a delegada de Recife, Maria Eduarda Xavier, para ter detalhes sobre a situação da criança.
“A Jucélia nos procurou em abril deste ano, comunicando que estava morando aqui e solicitando informações do caso. Requisitei a transferência do processo. E no mês passado, recebemos a informação que a criança foi localizada. Foi uma conjunção de esforços da Defensoria Pública, Poder Judiciário, Delegacia de Polícia, Casa de Acolhida Acalanto e Secretaria Municipal de Assistência Social de Juara, que possibilitou que essa criança pudesse voltar para casa”, afirma a defensora Carolina.
Ela avalia que atuar no caso foi simbólico e que se Jucélia não tivesse buscado a ajuda da Defensoria Pública, talvez o caso não tivesse o final feliz que tem agora. Ela pontua que a gestora do abrigo só descobriu que o pai tirou a filha da mãe, à força, ao confirmar a existência da busca e apreensão, pedida pelo defensor Glauber Silva, em 2019.
“Foi um caso emblemático para todos do Núcleo de Juara. Desde o momento que recebemos a notícia sobre a localização da criança, empreendemos todos os esforços para que ela pudesse ser entregue à mãe. Essa atuação, com certeza, ficará marcada na minha trajetória como defensora e mãe. Foi muito gratificante ver a alegria da Jucélia e foi impossível não se sensibilizar, ainda mais diante das condições em que a criança foi encontrada, morando na rua, em extrema vulnerabilidade. Atuações como essa nos impulsionam a continuar a lutar pelos assistidos”.