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Após decisão da Justiça, adolescente vítima de estupro realiza aborto em Cuiabá

Após decisão da Justiça de Mato Grosso, L.V.B. dos S., 17, conseguiu realizar um aborto legal no Hospital Universitário Júlio Müller, em Cuiabá. Ela foi vítima de estupro em dezembro de 2022, em Tangará da Serra (239 km a Médio-Norte). Ao procurar um hospital, um médico se recusou a ajudá-la.  

O pedido foi feito pela Defensoria Pública e o procedimento foi realizado no último dia 23 de março.  

Tão logo a vítima tomou coragem para contar o fato à mãe, em fevereiro deste ano, as duas procuraram a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) mais próxima para buscar atendimento médico e agendar o aborto.  

Mas, para surpresa delas, mesmo existindo previsão legal para o aborto em decorrência de estupro, o médico se recusou a realizar o procedimento, alegando que já se passara muito tempo e não seria mais possível. Ainda por cima, orientou que elas não registrassem um boletim de ocorrência.  

“Quando ela me contou, entrei em desespero. Levei ela imediatamente na UPA. O médico examinou ela, fez todos os exames. Verificou se ela pegou alguma doença, graças a Deus não tinha. Mas o médico se recusou a fazer o aborto. Ele falou que como tinha muito tempo não deveria fazer o boletim de ocorrência porque não ia encontrar o rapaz e que o aborto não ia dar certo”, relatou a mãe, que tem 35 anos e teve que abandonar o emprego de operadora de produção para cuidar da filha, que ficou muito abalada após o ocorrido.  

Por sorte, uma enfermeira encaminhou as duas a um psicólogo, que imediatamente orientou a mãe a registrar um boletim de ocorrência, já que a filha havia sido vítima de um crime. Finalmente, o BO foi lavrado no dia 24 de fevereiro.  

“Recebemos esse caso com muita preocupação. O procedimento deveria ter sido realizado independentemente de qualquer autorização judicial, mas a vítima passou por um constrangimento inaceitável. Desde o primeiro momento, tanto a vítima como sua genitora já haviam preenchido os requisitos legais para ter acesso ao procedimento”, afirmou o defensor Daniel Rodrigo de Souza, que atuou no caso.  

A mãe da vítima procurou a Defensoria Pública de Tangará da Serra no dia 27 de fevereiro e, imediatamente, o defensor solicitou à Justiça a autorização para a realização do aborto.  

“Nesse sentido, nós buscamos primeiramente a solução administrativa, que não foi suficiente dentro da urgência que o caso demandava, sendo necessário acessar a via judicial para garantir o direito da menor. É muito gratificante poder auxiliar a vítima a ter seus direitos respeitados, mas é um completo absurdo a forma como são tratadas as mulheres nesses casos”, pontuou o defensor.  

Com manifestação favorável também do Ministério Público Estadual, a Justiça determinou, no dia 10 de março, que a Secretaria Municipal de Saúde de Tangará da Serra disponibilizasse uma equipe técnica para o encaminhamento da adolescente “para realizar todos os procedimentos necessários de forma célere”.  

Após a decisão judicial, a vítima foi encaminhada para o Hospital Universitário Júlio Müller, em Cuiabá, onde foi internada no dia 22 de março, por volta das 17h. O aborto foi realizado no dia 23 e ela recebeu alta hospitalar no dia seguinte, pela manhã.  

“Deu tudo certo. Ela está bem, graças a Deus. Como ela era virgem, a médica passou anticoncepcional. Ela falou que não quer ter filho, não quer namorar, não quer casar. A única coisa que ela quer é estudar, fazer uma faculdade e trabalhar. Ela disse que não quer saber de ter filhos”, revelou a mãe.  

De acordo com o processo, que corre em segredo de justiça, a jovem teve diagnóstico de depressão, além de não querer mais frequentar a escola após o crime. A negativa inicial do médico em realizar o aborto abalou ainda mais a vítima, que já completou 18 anos.  

“Achei muita falta de consideração. Não tem cabimento. O médico estudou para aquilo, para apoiar a mulher. Ela foi abusada, estava descontrolada. Ele não podia falar, ‘Ah, eu não apoio você abortar’. Se eu for na UPA e vir esse médico, eu não entro na sala”, desabafou a mãe.  

Segundo o defensor público, uma eventual investigação da conduta do médico depende da vontade da vítima e da sua representante, o que ainda pode ocorrer.  

Conforme prevê o artigo 128 do Código Penal, “não se pune aborto praticado por médico: Aborto necessário; I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante; Aborto no caso de gravidez resultante de estupro; II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal”.  

“O pessoal da Defensoria entende o nosso lado. Minha filha estava atordoada, estava tendo pesadelos, ela não queria sair de casa, não queria nada, nem comer. Agora, ela está muito melhor, está indo na escola, terminando o colegial. Todas nós, mulheres, temos direitos. Eu digo para todas procurarem os direitos delas, esquecer o que os outros vão falar. Vai em frente e corre atrás dos seus objetivos”, arrematou a mãe.

Redação

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