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Apesar das falhas, CPI dos Frigoríficos acaba em pizza

Foto: Reprodução

O relatório final da CPI dos Frigoríficos mostra domínio da JBS no mercado interno de abate de bovinos em Mato Grosso. A empresa aparece como o foco da investigação executada pela Assembleia Legislativa e que durou 300 dias, entre fevereiro e dezembro de 2016, mas cujo encerramento não levou a nenhuma alteração do quadro do mercado, pelo Legislativo.  Ou seja, apesar de todos os apontamentos, da anunciada “caça às bruxas” feita pelo deputado Ondanir Bortolini (PSD), o Nininho, a CPI não deu em nada.

O documento contém dados sobre incentivos fiscais, um organograma de amostragem das plantas distribuídas por Mato Grosso e o volume de abates de bovinos. Em todos eles a JBS é citada com larga diferença de atuação do mercado e colaboração estatal. O relatório final foi aprovado por unanimidade na semana passada pela Assembleia Legislativa.

A expansão do grupo JBS foi sustentada em parte por recursos liberados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), por meio do programa Finame, o qual libera financiamento para produção e aquisição de máquinas. Conforme o relatório da CPI, de um montante de R$ 81,1 milhões liberados pelo BNDES a frigoríficos com atividades em Mato Grosso, R$ 29,3 milhões entraram nas contas da JBS.

O montante é referente a quatro frigoríficos da empresa. Dois deles receberam mais de R$ 12,5 milhões para dar arrocho à indústria de abate de bovino. Outro recebeu R$ 2 milhões para a aquisição de bens de capital não especificado no relatório. E um quarto conseguiu R$ 1,8 milhão.

O grupo Pantanal Indústria e Comércio de Carnes conseguiu financiamento para seis frigoríficos em Mato Grosso um montante de R$ 27,8 milhões, o segundo maior volume. Os financiamentos mais volumosos foram de R$ 14,4 milhões para a aquisição de bens de capital e R$ 8 milhões para investimento não informado.

Além desses dois grupos, o BNDES financiou atividades do Bombonatto Indústria de Alimentos, cujas cinco plantas receberam R$ 9,4 milhões; da Agra Agroindustrial de Alimentos S/A, que conseguiu R$ 5,7 milhões em recursos para duas plantas; ao Abatedouro 3 Irmãos, para seis plantas, um montante de R$ 826,4 mil; e Pantanal Indústria e Comércio de Carnes, com valor de R$ 1,2 milhão.

Com base em documentos do BNDES, a comissão parlamentar identificou 1.847 operações de crédito por meio do BNDES Finame em nome do grupo JBS que remontam o valor de R$ 983.509.266,50. Ainda conforme o relatório da CPI, os valores aparecem em despesas dispersas como aquisição de bens de capital (R$ 246.222.980,56), aquisição de máquinas e equipamentos – Modermaq (R$ 121.018.939,82), PSI-BK – (R$ 99.340.031,78); aquisição de ônibus e caminhão – PSI – BK (R$ 431.111.740,55) e outros (R$ 85.815.573,79).

A CPI dos Frigoríficos aponta que encaminhou ao BNDES requisições de acesso à cópia de todos os projetos (processo integral, inclusive seus relatórios de fiscalização) que culminaram com a liberação de recursos para empresas frigoríficas em Mato Grosso.

50% dos abates em Mato Grosso são da JBS

O crescimento da JBS é atestado pelo volume de abates que passa a realizar nos últimos sete anos. Em 2006, o primeiro ano de referência na CPI, o conjunto de frigoríficos da JBS era responsável por 18% de toda a carne bovina que passava por abates industriais em Mato Grosso. Entre 2007 e 2008, o volume oscilou, caindo para 17% e subindo para 19%, respectivamente, conforme a CPI.

A guinada teve início em 2009, ano em que a empresa alcançou 22% do volume de abates. Ela concentrou 941.854 kg dos 4.096.072 kg. No ano seguinte, essa parcela quase que dobrou. Os abates de bovinos em Mato Grosso teve leve alta para 4.146.226 kg enquanto o montante realizado pela JBS chegou a 1.429.083 kg, alta de expressivos 12 pontos percentuais em relação ao período anterior (34%).

A proporção continuou a subir nos seguintes, ultrapassando a faixa da metade de todo bovino abatido em Mato Grosso em 2013, ano em que a JBS foi responsável por 51% (3.016.377 kg) e por 52% em 2014 (2.810.778 kg). Em 2015, o volume retraiu para 49%.

Hoje, a JBS ainda mantém uma proporção bem à frente de suas concorrentes. Uma fonte ouvida pela reportagem afirmou que a planta em Juína (720 km de Cuiabá), um polo de sete municípios produtores de bovinos, onde a JBS é o frigorífico de referência, tem capacidade de abate de 1,5 mil cabeças/dia. O único concorrente tem capacidade dez vezes inferior, 150 cabeças/dia.

Três frigoríficos apontados pela CPI em atividades (Barra do Garças, Água Boa e Confresa) agregam a capacidade de 4.200 abates diários. Eles dominam a lista dos cinco maiores abatedouros em Mato Grosso. A Marfrig Global Foods, em Paranatinga, ocupa a segunda posição com 1.500 abates/dia, e a Nova Carne, de Nova Xavantina, em quinto lugar, com 120 abates/dia.

No relatório final, os deputados que integraram a comissão ressaltam o domínio da JBS no mercado interno, com distribuição de frigoríficos por Mato Grosso “de norte a sul, leste a oeste”. A referência é feita aos tipos de contrato que empresa realizou para diversificar a característica jurídica de atividade. Além das indústrias frigoríficas diretamente vinculadas pelos contratos sociais, o grupo também tinha controle de indústrias frigoríficas em Mato Grosso por contratos de arrendamento e de locação.

A CPI cita o processo nº 08012.008074/2009-11 do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), no qual consta que a empresa Frigozan, em Matupá (720 km de Cuiabá), tem contrato de locação firmado com a JBS desde fevereiro de 2012.

“O grupo está espalhado de norte a sul, leste a oeste, dominando o mercado em todos os pontos do Estado e está presente em Barra do Garças, Araputanga, Cáceres, Pedra Preta, Diamantino, Água Boa, Alta Floresta, Colíder, Cuiabá, São José dos Quatro Marcos, Juara, Matupá, Várzea Grande, Juruena, Nova Monte Verde, Pontes e Lacerda, Juína, Confresa, Vila Rica e Tangará da Serra, perfazendo um total de 20 cidades dentre todas as cidades em Mato Grosso”, aponta o relatório.

Anunciada “caça às bruxas” acabou em pizza

A CPI dos Frigoríficos foi encerrada no dia 13 de dezembro, após dez meses de instalação, com fraca assimilação sobre o que realmente acontece no mercado de abate de bovinos em Mato Grosso. A série de fechamentos de plantas de frigoríficos desde 2015, de 50% das 45 que existiam então no Estado, não teve explicação convincente e ficou reduzida a uma circunstância do mercado, que teria levado ao aluguel ou venda de pequenas plantas para grupos maiores, que em Mato Grosso dominam mais de 50% das atividades.

A “caça às bruxas” de cartel de frigoríficos anunciada pelo presidente da comissão, deputado Ondanir Bortolini (PSD), no início dos trabalhos, se transformou em averiguação de concentração de atividades, sem nenhum resultado concreto. E o deputado José Domingos Fraga, do mesmo partido, também baixou o tom ao se referir ao setor.

A CPI dos Frigoríficos foi aberta na primeira semana de março deste ano por suspeita de formação de cartel entre grandes empresas do ramo, como resultado do fechamento de várias plantas em Mato Grosso por motivos ainda pouco esclarecidos. Na semana em que foi instaurada, o deputado Nininho, autor da proposta de investigação, disse que realizaria ‘caça às bruxas’ dos grupos suspeitos de montarem o ‘monopólio’.

Relatório aponta 18 irregularidades de frigoríficos

O relatório da CPI dos Frigoríficos traz em anexo a análise de uma ação civil pública aberta pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-MT), que apontou 18 irregularidades cometidas pela JBS referentes ao contrato de incentivo fiscal pelo Programa de Desenvolvimento Industrial e Comercial de Mato Grosso (Prodeic).

A ação, que também integra documentação da CPI da Renúncia Fiscal ocorrida paralelamente à dos Frigoríficos, aponta falta de contraprestações que as beneficiadas deveriam cumprir por obrigação jurídica dos incentivos.

São irregularidades que vão da falta de documentação que assegure percentuais de incentivo fiscal e não aquisição de produtos do agronegócio em Mato Grosso. Conforme o TCE, um documento apresentado pelo grupo, por exemplo, não especifica qual unidade recebe incentivo fiscal aprovado pelo Conselho de Desenvolvimento Empresarial (Cedem), apenas informa que a unidade está em Mato Grosso.

Outra contrapartida questionada pelo TCE se refere à participação da empresa no Programa Primeiro Emprego que seria uma exigência de contrato de incentivo fiscal em Mato Grosso. Também é apontada a falta de comprovação de qualificação de mão de obra de funcionários, diretamente ou por meio de convênio, vinculados ao grupo.

Na mesma ação civil, o Tribunal de Contas questiona contrato assinado pela JBS, no governo de Silval Barbosa, com a Secretaria Estadual de Indústria e Comércio (Sicme), no qual um termo aditivo eleva benefício fiscal do Prodeic para 85,71% a nove filiais do grupo instaladas em Mato Grosso. Conforme o TCE, nenhuma dela foi enquadrada pelo Cedem.

O Circuito Mato Grosso procurou a JBS para comentar os pontos apresentados no relatório da CPI dos Frigoríficos e foi informado que o setor jurídico da empresa aguarda a votação do relatório pela Assembleia Legislativa para se posicionar sobre o assunto. 

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Reinaldo Fernandes

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