Cidades

Apaixonados por tecnologia ficam 48h sem celulares

Você já ficou desesperado quando percebeu que tinha esquecido o celular em casa? Que não ia poder checar as suas mensagens, não ia ler seus e-mails. Que não ia postar, ver as atualizações, nem o que os outros estão fazendo? Para você, ficar desconectado é uma aflição? Pois para algumas pessoas é mais do que isso. Elas ficam doentes. Porque elas são os dependentes digitais.

Vida conectada. A qualquer momento se pode saber tudo. Agora, com um toque, chegamos a qualquer lugar. Um pessoal hiperconectado, apaixonado por tecnologia, largou o conforto de casa, e encarou cinco horas de estrada. Vinte minutos de barco, em mar aberto, e duas horas de trilha. Sem nenhuma mensagem! O destino é uma praia deserta. A paisagem é linda, mas no paraíso não tem luz elétrica, água quente, sinal de telefone e o pior de tudo: não tem internet. Os celulares deles foram inclusive confiscados logo no início da viagem.

“É como se um órgão vital seu não tivesse de certa forma funcionando”, diz
José Gustavo Cal, publicitário. “Igual a quem fuma sem o cigarro. A pessoa fica assim. E a mania de passar assim ó, a tela”, conta a supervisora comercial Sandra Resende.

Conheça a nomofobia
O uso abusivo de tecnologia é um transtorno que chega de forma silenciosa. Sem perceber, as pessoas passam a priorizar a vida online e deixam de aproveitar a vida mesmo. Você acha que faz um uso saudável da tecnologia? Então, o Fantástico fez um desafio aos telespectadores durante a matéria exibida no vídeo acima: tentar ficar até o final sem olhar para o celular, tablet ou para o computador. Não valia nem espiar para ver quem mandou mensagem. Parece fácil? Mas tem gente que nem isso consegue.

“E esse transtorno já tem um nome, é a nomofobia”, explica o psiquiatra Antônio Egídio Nardi – UFRJ.
O nome nomofobia, vem do inglês no-mobile-fobia. É o medo ou o pânico de ficar longe do próprio celular.
“Existe claramente um uso abusivo de tecnologia.”, diz Cristiano Nabuco, psiquiatra – USP.

É o caso de uma mulher de 60 anos que preferiu não se identificar. Ela já está em tratamento há mais de seis meses.
Fantástico: Qual a sua relação com o telefone celular?
Mulher 1: Ele é o meu porto seguro. Eu não consigo sair de casa sem ele. Se eu sair e por acaso esquecer, eu tenho que voltar, não importa da onde eu estiver. Às vezes acontece de até desencadear uma crise de asma. Começo a ficar com falta de ar, fico nervosa, começo a suar e começo a ficar sem respiração.

O mesmo prazer de se alimentar, ganhar dinheiro ou fazer sexo
O vício digital é assunto sério. No manual americano de diagnósticos psiquiátricos, a dependência de internet já é vista oficialmente como transtorno mental e requer tratamento específico com terapia e remédios.

A Universidade Harvard, também nos Estados Unidos, publicou um estudo que diz que falar de si mesmo na internet gera o mesmo prazer de se alimentar, ganhar dinheiro ou fazer sexo.

China, Japão e Coreia do Sul já reconhecem o vício em tecnologias como um problema de saúde pública. No Brasil, o problema começa a ser reconhecido. No Rio de Janeiro fica o Instituto Delete, um dos primeiros no país a tratar de pessoas dependentes de internet.

Quem chega ao instituto primeiro passa por uma triagem com psicólogos, depois por uma avaliação com o psiquiatra. Em seguida, cada tipo de transtorno vai ser tratado de forma diferente. Uso compulsivo de redes sociais ou de aplicativos de troca de mensagem instantânea. Mas para todos os pacientes vale uma mesma regra básica. O mais importante não é o tempo que a pessoa passa conectada e sim como a vida online prejudica a vida real.

Sintomas da abstinência
O Fantástico acompanhou o primeiro atendimento de uma jovem de 23 anos que procurou ajuda.
“Todo dia eu chego no trabalho com medo de ser mandada embora, isso me causa um grande problema com a ansiedade. Meu ex-noivo também, tive muitos problemas por causa do telefone, porque eu não saía, era todo dia, o tempo inteiro. A gente não fazia nada, não saía, não passeava, não viajava, eu ficava o tempo inteiro no computador”, conta a jovem.

Os sintomas de abstinência são claros. “Se eu ‘tô’ sem internet, eu vou na rua, boto crédito. Pode ser de madrugada, se eu vi que a internet parou eu vou na rua e boto crédito, não importa o horário.  Já cheguei ao ponto de estar arrancando meus cílios”, ela relata.

“O uso de drogas, uso de álcool e a dependência de tecnologia têm em comum a abstinência, porque todas elas apresentam um quadro de abstinência quando a pessoa que é dependente de alguma substância não pode usar aquela substância”, explica Ana Lúcia King, coordenadora do Instituto Delete.
“Diferente de uma dependência química, que é muito fácil você diagnosticar a olho nu quando uma pessoa está com um problema de bebida, de alcoolismo ou dependência química de droga. No caso da dependência digital, o que a gente percebeu é que essa é uma dependência silenciosa”, afirma o Eduardo Guedes, pesquisado do Instituto Delete.

Consequências graves
Tão silenciosa que a fisioterapeuta Tatiana garante que usa o telefone só para o necessário.
Fantástico: Quantas mensagens tem aqui para você ler?
Tatiana Monteiro, fisioterapeuta: Seiscentos e sessenta e duas.
Fantástico: E nessa outra caixinha do celular?
Tatiana: Quatro mil duzentos e oitenta. Eu fico assim, cinco minutos sem olhar o celular, quando eu vou olhar tem 50 mensagens.
Fantástico: Você se considera uma viciada em celular?
Tatiana: Eu me considero uma viciada, mas assim, utilizando todos os dados positivos do celular. Então assim, o celular ele veio para multiplicar o meu tempo.

Será que multiplica mesmo? Assim como muita gente, a Tatiana acha que não faz um uso abusivo do celular. Mas foi só colocar uma câmera no carro e outra no quarto dela por dois dias para provar o contrário. O uso foi tão intenso que o difícil foi encontrar momentos em que ela não estivesse com o celular. Inclusive no carro. E isso pode ter consequências bem graves. Uma mulher capotou duas vezes na estrada porque estava trocando mensagens enquanto dirigia.

Mulher 2: Eu só peguei o celular. Na hora não peguei minha bolsa, eu ouvi gritando: ‘sai correndo, sai correndo que a gente não sabe o que vai acontecer com o carro’. E eu olhei e procurei no meio de tudo o telefone e saí com o meu telefone.

Fantástico: Por que você fez isso?
Mulher 2: Eu falo que o meu celular é um pedaço do meu corpo. Eu sempre tenho a sensação de que eu estou com uma companhia com o meu telefone.

Um em cada quatro acidentes nos EUA envolve o uso do celular
O conselho de segurança nacional de trânsito dos Estados Unidos constatou que um em cada quatro acidentes no país envolve o uso do celular, porque a atenção do motorista cai pela metade. E que gravar mensagens de áudio em vez de digitar seria ainda mais perigoso.
Clínica em SP trata pacientes com dependência tecnológica

Em Araçoiaba, no interior de São Paulo, o Fantástico visitou uma clínica que trata de pacientes com todo tipo de dependência, inclusive a tecnológica.
Georgia está na segunda internação, aos 17 anos, desenvolveu uma compulsão pela internet que levou a outros vícios.

“Eu sou dependente química de cocaína e eu tenho um vício cruzado que é a internet e o jogo também. Uma coisa dependia da outra, eu não conseguia usar se eu não tivesse com o tablet ligado e eu não conseguia jogar se não tivesse a cocaína. Então, eu não sabia quando era dia e quando era noite. Era um triângulo: cocaína, tablet, cigarro, o tempo todo. Me isolei totalmente, não tinha contato com a sociedade, não tinha contato com ninguém e não queria”, conta Georgia.

Um homem também buscou tratamento em São Paulo. Ele não quer ser identificado por ter medo do preconceito.
“Todo mundo achou que eu estava louco. Eu deixei de sair para ficar na internet, deixei de estudar para ficar na internet, eu substituí coisas saudáveis e boas, divertidas, por uma falsa sensação de prazer, porque realmente me dava prazer”, ele revela.
Não é necessário abrir mão das tecnologias

Para os especialistas, casos como estes são extremos. A dependência é um transtorno, mas ao contrário de outros vícios, não é necessário abrir mão das tecnologias, apenas usá-las com moderação.

“Eu creio que falar mal da tecnologia seria incoerente da minha parte, nós temos hoje uma série de benefícios incontáveis do quanto a tecnologia nos permitiu e nos permite viver em termos de qualidade de vida”, afirma Cristiano Nabuco, psiquiatra – USP.

É importante saber o que é excesso. “Estava pedalando, olhando o jogo também, nessa tem uma vala ao lado da ciclovia que eu capotei. Machuquei o joelho, ralei a mão”, conta o estudante João Pedro Araújo.

“Estava na escada rolante do metrô quando eu vi tomei uma queda, o pessoal tentando me ajudar e eu morrendo de vergonha”, lembra a estudante Luara Silva.

Hospital cria campanha para conscientizar funcionários
A coordenação do hospital Albert Einstein, em São Paulo, constatou que muitos dos seus funcionários que entravam com pedido de licença médica tinham se acidentado justamente por estar usando o celular enquanto faziam suas atividades diárias.

“Evidentemente que isso traz um prejuízo especial para as pessoas, de falta de concentração. As pessoas na verdade estão presentes mas não estão ligadas”, diz o presidente do hospital Albert Einstein, Cláudio Lottemberg.

O hospital criou uma campanha. Cartão verde para quem está usando o celular pelos corredores de forma segura e cartão amarelo para quem está correndo algum pequeno risco.

Viagem para estimular o uso mais consciente e equilibrado da tecnologia
A viagem para a praia do detox digital, do início dessa reportagem, teve o mesmo objetivo: estimular o uso mais consciente e equilibrado da tecnologia. Depois dos celulares confiscados, cada um reagiu de um jeito.

“Para te falar a verdade, eu não lembro de ter ficado tanto tempo sem celular”, assume José Gustavo Cal, publicitário
“Eu estou com crise de riso nervoso, olha minha unha como é que tá, sem nada para fazer, eu estou estragando minha unha”, conta a supervisora comercial Sandra Resende.

Todos da viagem achavam que faziam uso normal da tecnologia. Depois de um tempo sem o celular, começaram a refletir.

“E fica ali (imitando estar no telefone), quando você vê, olha pra hora e diz: ‘Meu Deus! Já se passaram três horas, eu poderia ter andado de bicicleta, ter feito yoga, muitas coisas’”, conta Adriana Carvalho, atriz.

“Toda hora você pega ele no bolso, olha para ver se alguém te mandou mensagem, passa 20 minutos, você olha ele outra vez. Aí ninguém te mandou mensagem e você já fica encucado: ‘Será que eu estou sem sinal? Por que ninguém me mandou mensagem tem 40 minutos já’”, diz Carlos Alberto, assistente financeiro.

Paraíso desconectado obriga outras conexões
No paraíso desconectado, as conexões foram obrigatoriamente outras. Depois do primeiro dia sem celular, o grupo parecia bem. Até então, todos vivos e respirando. Sem ajuda de aparelhos. No segundo dia que o grupo ficou totalmente sem celular, nada de selfie, postagem, email, troca de mensagens. No local, curtir e comentar, só mesmo olho no olho. Para alguns participantes essa é a primeira vez que o celular fica desligado desde que foi comprado na loja. Ou seja, uma grande aventura que exige até esforço físico. E depois de um tempo, alguns até já estavam revendo conceitos.

“Mais paz e mais atenção no que acontece a minha volta, porque se a gente está no celular não importa, se tiver um elefante do meu lado, eu vou continuar olhando o celular e nem vou ver, e se eu olhar o elefante, a primeira coisa que eu vou fazer é tirar uma foto para postar a foto do elefante”, revela Maurício Martins, estudante.

Todo mundo que achava que não era viciado em tecnologia estava ansioso pelo reencontro.
“Ficaram 48 horas sem os telefones. A gente vai dar isso pra vocês, para tirarem as fotos”, anunciou o professor de yoga Agustín Aguerreberry ao devolver os celulares para os participantes.

Mas nem adianta ligar o aparelho: “Lamentavelmente eu queria informar que o telefone não pega”, diz Augustin.
“Não tem sinal… o que que adianta!”, reclama Carlos.

“Sem sinal ainda é meio inútil, mas o gestual já está aqui outra vez. Mas foi bom ver que dois dias são super praticáveis e é possível”, diz José Gustavo Cal, publicitário.

É isso que os especialistas recomendam: entre a vida online e offline, o que importa é o equilíbrio.
“Vou tentar otimizar o tempo que eu uso puxando a timeline para fazer algo mais interessante, mas não vou deixar de usar não. Acho que o importante é o equilíbrio”, diz Maurício.

“Eu acho que eu saio daqui revendo um milhão de coisas pra minha vida. Revendo momentos para mim, que eu não tinha, que com certeza não incluem o celular, por um tempinho”, conta uma participante.

Fonte: G1

Redação

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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