Após cinco pregões seguidos de alta, em que subiu 5,20% e renovou pico histórico nominal, o dólar fechou a sessão desta quinta-feira, 19, em queda de 2,27%, a R$ 6,1237, após uma intervenção histórica do Banco Central no mercado de câmbio pela manhã. As mínimas do dia, quando a divisa tocou pontualmente o nível de R$ 6,10, vieram à tarde, com a votação do pacote fiscal na Câmara dos Deputados.
Como anunciado ontem à noite, o BC realizou logo após a abertura do mercado leilão de venda de US$ 3 bilhões de moeda à vista, totalmente absorvido. Foi pouco para o apetite dos investidores. Tanto que o dólar seguiu em alta e alcançou a marca de R$ 6,30 na máxima. Logo em seguida, o BC ofereceu US$ 5 bilhões em nova operação. Foi o maior valor para um único leilão da história do regime de câmbio flutuante, acima do registrado em 9 de março de 2020.
A atuação surtiu efeito e levou o dólar para o terreno negativo. O real, que nos últimos dias amargou o pior desempenho entre as principais moedas globais, apresentou hoje os maiores ganhos. Divisas pares como os pesos mexicano e chileno também se apreciaram, mas com valorização abaixo de 1%.
Já o índice DXY – que mede o comportamento da moeda americana em relação a uma cesta de seis divisas fortes – apresentou alta moderada, em razão do tombo do iene. Investidores ainda digerem a sinalização de ontem do presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, de menos espaço para corte de juros nos EUA em 2025.
Em entrevista para comentar o Relatório Trimestral de Inflação (RTI), o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse que a demanda no primeiro leilão do dia foi maior do que a estimada pelo BC e, que por isso, a instituição decidiu intervir novamente. Segundo Campos Neto, o fluxo financeiro está bastante negativo, com saídas maiores do que a média dos últimos anos, com pagamento de dividendos e remessas de pessoal físicas.
O diretor de política monetária e futuro presidente do BC, Gabriel Galípolo, refutou a ideia de ataque especulativo contra o real e alertou que não é correto tratar “o mercado como um bloco monolítico”. Nos últimos dias, o BC vendeu US$ 13,7 bilhões em leilões de moda à vista, o que representa 3,5% das reservas cambiais.
O gestor de macro da AZ Quest, Gustavo Menezes, avalia que o BC, após um mapeamento da necessidades do mercado, cumpriu seu papel com intervenção pesada no câmbio em um momento do ano já marcado por saída mais forte de recurso do país.
“O mercado deve ter demandado hoje uma atuação mais firme. O BC consegue cumprir seu papel. Mas a solução do problema não passa por ele, mas por uma vontade política de reverter essa situação fiscal. Por enquanto, o governo não tem dado o peso e a importância necessária para isso”, afirma Menezes.
No início da tarde, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), disse que a Casa terminaria a votação das medidas de ajuste fiscal hoje. Ontem, ele havia adiado a apreciação do pacote pretextando que faltavam votos para aprovação.
A Câmara aprovou em dois turnos o texto-base da Proposta de Emenda à Constituição do pacote fiscal, que traz alterações no abono salário e no Fundeb. A PEC também impõe limites aos supersalários e prorroga a Desvinculação de Receitas da União (DRU), além de autorizar o ajuste orçamentário em subsídios e subvenções. Após o fechamento, houve a votação da PEC em segundo turno.
Como esperado, há pontos que levam a uma desidratação das medidas, já vistas como insuficientes. Economistas trabalham com uma economia entre R$ 40 bilhões e R$ 50 bilhões, muito aquém dos R$ 71 bilhões estimados pelo Ministério da Fazenda. Há expectativa é que o governo traga novas ações no campo fiscal em 2025, como já sinalizado pelo ministro Fernando Haddad.
Para Menezes, da AZ Quest, além de o pacote fiscal frustrar as expectativas do mercado, houve uma quebra de confiança com a falta de um trabalho de coordenação de expectativas pelo governo em meio a uma realidade global “mais desafiadora”.
“O mercado jogou a tolha com um esforço fiscal pequeno e ainda por cima desprezou todas as críticas que foram feitas. O problema fiscal não está sendo tratado com a devida seriedade”, diz o gestor.
Ibovespa
Em dia de nova atuação do Banco Central no mercado de câmbio para reverter, ao menos em parte, a depreciação do real – com o dólar a R$ 6,30 na nova máxima histórica, durante a sessão, e ainda a R$ 6,12 (-2,27%) no fechamento -, o Ibovespa conseguiu recuperar a linha dos 121 mil pontos nesta quinta-feira. Em alta moderada a 0,34%, aos 121.187,91 pontos no encerramento, o índice flutuou apenas mil pontos entre a mínima (120.768,22) e a máxima (121.769,57) da sessão, com giro a R$ 27,7 bilhões, após o reforço visto ontem no vencimento de opções sobre o Ibovespa. Na semana, cai 2,75% e, no mês, 3,56% – no ano, recua 9,69%.
Após ter fechado ontem no menor nível desde novembro de 2022, “o Ibovespa teve um dia de alívio em uma semana difícil para os ativos de risco brasileiros”, diz Anderson Silva, head da mesa de renda variável e sócio da GT Capital.
“Era esperado que um aumento no diferencial de juros entre Brasil e Estados Unidos pudesse atrair mais recursos – ou seja, dólar – para o Brasil, tanto para renda fixa quanto para variável, levando a uma possível queda frente ao real e nas curvas de juros”, acrescenta, em referência a uma expectativa que tem se frustrado, em parte, pelas incertezas em torno da situação fiscal doméstica. E o cenário se torna ainda mais complexo na medida em que o Federal Reserve sinalizou, ontem, não apenas possível pausa nos cortes de juros, mas até uma retomada das altas nas taxas de referência, se necessário, observa Silva.
“O Fed parece ter voltado a priorizar a inflação em relação às taxas de desemprego, dando sinais de que haverá uma pausa na queda das taxas em janeiro, que pode se estender por outros meses de 2025, se a pressão inflacionária persistir e a economia continuar robusta”, observa a Janus Henderson Investors em nota, na qual destaca, também, a interpretação do mercado de que o Fed foi hawkish, “provada pela tendência de uma curva de redução das taxas mais lenta”.
Na agenda doméstica desta quinta-feira, a atenção do mercado esteve concentrada na apresentação do Relatório Trimestral de Inflação (RTI) e na coletiva de despedida de Roberto Campos Neto, que encerra amanhã a passagem pela autarquia: Gabriel Galípolo será o interino nas semanas finais do ano, e assumirá efetivamente a presidência do BC em janeiro conforme o mandato. “Na coletiva de imprensa para a apresentação do material, o destaque foi a fala de Galípolo, que afirmou que a barra para abandonar o guidance sobre juros é elevada”, aponta em nota Flávio Serrano, economista-chefe do Bmg.
Em outras palavras, acrescenta Serrano, teria que ocorrer uma “deterioração substancial do cenário macroeconômico para que o Banco Central não dê outra alta de 100 bps pontos-base, ou 1 ponto porcentual no encontro de janeiro”. “Com base nas informações disponíveis atualmente, acreditamos que o Copom elevará a taxa básica de juros até 14,75% ao ano, encerrando o ciclo de aperto na reunião de maio de 2025”, prevê o economista.
O mercado segue atento também à tramitação do pacote de cortes de gastos pelo Congresso. Nesta tarde, a Câmara dos Deputados aprovou, em dois turnos, o texto-base da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do pacote fiscal, que traz alterações no abono salarial e no Fundeb. O texto também disciplina os chamados “supersalários”, prorroga a Desvinculação de Receitas da União (DRU) e autoriza ajuste orçamentário em subsídios e subvenções.
As desidratações do pacote fiscal pela Câmara vieram conforme o esperado, e devem tornar o efeito sobre a política fiscal nos próximos anos ainda mais marginal e insuficiente, na avaliação do economista-chefe da ARX Investimentos, Gabriel Leal de Barros, reporta a jornalista Gabriela Jucá, do Broadcast. “A retirada do FCDF, do upgrade dos critérios de acesso do BPC, do bloqueio de grande parte das emendas, da parcela para educação integral do Fundeb, bem como dos supersalários, reduz ainda mais a potência do pacote fiscal, que já era insuficiente”, diz.
“O dólar atingiu a marca histórica de R$ 6,30, mesmo com as tentativas do Banco Central de conter a alta por meio de leilões de venda da moeda americana. Essa volatilidade cambial reflete a crescente preocupação dos investidores com a situação fiscal, intensificada após a aprovação parcial do pacote fiscal na Câmara dos Deputados”, aponta Eduardo Nogueira, sócio da One Investimentos.
Na B3, a baixa nas principais ações de commodities (Vale ON -1,90%; Petrobras ON
-0,92%, PN -0,40%) e do setor metálico (Gerdau PN -1,27%, CSN ON -2,53%) foi equilibrada pelo desempenho do setor financeiro, com Santander (Unit +0,76%) e BB (ON +0,63%) à frente de Itaú (PN +0,55%) e Bradesco (ON +0,57%, PN +0,09%) no fechamento. Na ponta ganhadora do Ibovespa, Automob (+34,29%) voltou a liderar a corrente, após ter cedido 30% ontem, vindo de forte alta nas duas sessões precedentes, na estreia. Destaque também, hoje, para Localiza (+8,75%), Carrefour (+8,20%) e Hapvida (+8,02%). No lado oposto, CSN Mineração (-1,87%) e JBS (-1,49%), além de CSN e Vale.
Dólar
O mercado de juros operou em dois tempos. A escalada das taxas vista pela manhã deu lugar a uma forte correção em baixa à tarde, que superou 70 pontos-base nas mínimas da sessão. O ajuste foi puxado por uma conjunção de fatores, entre eles declarações do futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, reafirmando o guidance hawkish do Copom. Ajudaram ainda na despressurização do mercado a atuação conjunta do Banco Central no câmbio e do Tesouro no mercado de títulos, além da perspectiva de finalização das votações do pacote fiscal na Câmara.
A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2026 caiu de 15,49% para 15,06% e a do DI para janeiro de 2027, de 15,96% para 15,40%. O DI para janeiro de 2029 encerrou com taxa de 15,05% (de 15,64% ontem).
Entre as máximas e as mínimas, o gap das taxas dos principais contratos foi de mais de 100 pontos-base. Pela manhã, os juros davam sequência à tendência recente, de alta, com várias vencimentos rompendo o nível de 16%, diante das preocupações com a desidratação do pacote fiscal no Congresso e à pouca efetividade no primeiro leilão de venda de dólar do BC, de US$ 3 bilhões, em trazer o dólar para baixo. O Tesouro também anunciou leilões de compra e venda de NTN-B pela manhã.
Num segundo momento, quando a cotação da moeda bateu R$ 6,30, o BC fez outro leilão, mais robusto, de US$ 5 bilhões, o que levou enfim à virada da cotação para queda e os juros começaram a desacelerar a alta. A venda de US$ 8 bilhões num único dia foi recorde no histórico de atuações da autoridade monetária.
Com o câmbio ajudando, a taxas passaram, num primeiro momento na ponta curta, a cair com declarações de Galípolo. “A fala foi importante, ao reforçar o guidance de novas altas de 100 pontos para a Selic”, afirma o estrategista-chefe da Warren Investimentos, Sérgio Goldesntein, ponderando que, apesar do alívio, ainda há uma precificação elevada de nível de Selic na curva. No fim da tarde, a projeção de taxa terminal, que pela manhã era de 17%, no fim da tarde caía a 16,50%. Para janeiro, a precificação era de aumento de 1,5 ponto porcentual, abaixo do 1,75 ponto visto pela manhã.
Na entrevista para comentar o Relatório de Inflação (RI) do quarto trimestre, o diretor de Política Monetária disse ser “bem apegado ao guidance”. “A barra é alta para a gente fazer qualquer tipo de mudança no guidance”, afirmou.
Para dissipar quaisquer desconfianças de ingerência política, ele disse que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva “nem do ponto de vista legal jamais chegou perto de discutir o que o Banco Central vai fazer em qualquer tipo de reunião”. Segundo Galípolo, tanto Lula quanto o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reconhecem que existem problemas fiscais, mas o diretor avalia ser “muito difícil apresentar qualquer tipo de projeto fiscal que seja bala de prata”.
O Relatório de Inflação (RI) em si não chegou a fazer preço, com analistas considerando que houve poucas novidades em relação à ata e ao comunicado do Copom.
No começo da tarde, o mercado começou a desovar prêmios com mais força, levando também para baixo a ponta longa, depois do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), dizer que a Casa “resolve hoje” a votação do pacote, com apreciação do projeto de lei e da Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Lira também disse não acreditar que as matérias fiquem para o ano que vem, já que haveria boa vontade por parte do Senado. No fim da tarde, estava aprovado em segundo turno o texto-base da PEC, por 348 a 146.
O impulso extra de baixa nos DIs veio com o anúncio do Tesouro de leilão de compra e venda de LTN. “O problema aparentemente estava nesse título, pois foi o mais bem sucedido de todos. Criou um efeito Tostines, o leilão acalmou a curva do DI e o DI fez o leilão ter sido melhor aceito”, relatou o especialista em renda fixa Alexandre Cabral, no X.
A recompra do papel, juntamente com as NTN-B de manhã, vinha sendo demandada pelos agentes, que ontem se decepcionaram com a atuação do Tesouro só com NTN-F. As LTN e NTN-B, que estão basicamente nas mãos de players locais (fundos, fundações e tesourarias), têm sido fortemente penalizadas pela disparada dos juros reais, tornando assimétrica a relação entre compradores e vendedores no secundário.
Assim, o Tesouro acaba exercendo o papel de comprador de última instância, tendo trazido hoje ofertas robustas nas operações de resgate antecipado. Ainda que tenha comprado apenas uma pequena parte, essa sinalização ajuda a tranquilizar o mercado.
A instituição se dispôs a recomprar 20 milhões de LTN, mas adquiriu 7,350 milhões. Na venda, com lote total de 4 milhões, não aceitou nenhuma proposta. Nas NTN-B, recomprou 274.100, muito pouco do lote de 12 milhões, e vendeu 90 mil, dos 1,2 milhão ofertado.