Para além da temerária proposta de alteração na legislação da demarcação de terras indígenas; da liberação da licença de instalação de Volta Grande, projeto de extração de ouro próximo à hidrelétrica de Belo Mo nte; do sucateamento da Fundação Nacional do Índio, denunciado ao Ministério Público Federal pelo movimento indígena, falar de amor é sempre refrescante (ou efervescente).
Entre os povos indígenas, amar não é verbo intransitivo e sim transitivo. Isso porque necessita vir acompanhado de vários complementos para se integrar às atitudes permitidas, obedecendo aos tabus e, assim, adquirir um sentido completo, regido por regras da vida social, “talvez orientadas pelos mitos”, no entendimento da antropóloga Betty Mindlin.
Para o Nambiquara, assim como há expedições de caça, de pesca, de coleta de tubérculos, frutos nativos, insetos, existem também as expedições amorosas. O casal, na ingênua impressão de estar iludindo a vigilância dos demais moradores da aldeia, segue por trilhas em direção à mata. Acolhem-se em um lugar, de preferência, já de seu uso para práticas amorosas. Geralmente é o homem quem se responsabiza pelo preparo do leito conjugal, arrancando com as próprias mãos paus, raízes, pedras, a fim de que sua amante junte-se à maciez da areia e possa recebê-lo.
As carícias podem começar quando ambos examinam detidamente a cabeça um do outro, à cata de piolhos que são saborosamente consumidos. Trocam os amantes palavras gentis ou brincalhonas. Às vezes, seus risos são ouvidos pelos moradores da aldeia, que não se privam de fazer gracejos. De volta à aldeia, impossível livrar-se dos olhares curiosos, ávidos em conhecer segredos alheios. Se de dia, retornam aos afazeres domésticos; se próximo ao anoitecer, comem o que restou do dia, contam histórias e deitam-se para dormir numa espécie de continuidade amorosa.
Amar, para os povos indígenas, implica em um sistema em que a sexualidade, não individualizada e coisificada, é acompanhada de uma constelação de valores culturais, pertinentes a cada etnia.