Sou de uma época em que a perimetral era vazia. As músicas ainda tinham poesias, ainda falavam de amor, as pessoas conversavam na boate. Parávamos o carro na beira da gigantesca avenida e ficávamos contemplando o amanhecer depois do Ópera ou América. Bons tempos. Ali perto do CTG ainda tinha um lugar no meio do nada, um morro pequeno chamado Mirantinho.
– Já vai ele falar do passado. Nem museu gosta tanto de passado assim. – dispara Geleia, antigo promotor de festas no Ópera.
Quando a gente encontra alguém que viveu aquela época, não tem como não lembrar. Quem não tem histórias pra contar, não viveu o suficiente. E na época do Ópera e do América era muito bom. Aliás, Cuiabá era um grande bairro. Todos conheciam a todos. Tinha um circuito de agito. Cada dia era num lugar. Cada hora um evento. Mas boate era boate. Lembro muito bem de um dia em que fomos à América Music Hall, da sempre glamorosa Liége Trevisan, e um dos meus amigos não tinha dinheiro para sair. Ele ( e nós rsrsr) fazia aquilo corriqueiramente. Deixava a identidade, e depois voltava para pagar. Como diria o poeta, quem nunca deixou um estepe na saída do Motel, não sabe o que é curtir. Nesse dia não fomos ao Mirantinho. Aliás, nesse dia achei que não iríamos para outro lugar que não fosse a polícia. Empurra, empurra, gritaria, exaltação. Depois de muita confusão e diz que me disque, o segurança vira para meu amigo e grita:
– Rapaz!!!!!! Já te disse seu moleque! Você só sai daqui se for pelado!!!
O rapaz não pestanejou. Primeiro foi a camisa. Depois o cinto. Foi despindo peça por peça de roupa, até ficar de cuecas! Liége aparece constrangida e manda o camarada embora na mesma hora. Ele sem cerimônia sai de cueca pela rua da frente. A galera, que o esperava do lado de fora, vibra ensandecida como se tivesse comemorado um gol. Dentro do carro, o menino põe a mão na cueca, tira R$ 100 e grita:
– Bora pro Choppão que o escaldado é por minha conta.
Coisas que só acontecem em Cuiabá. Pode ter certeza.