Foi amor à primeira vista, o primeiro encontro entre João e João. "Ele ganhou meu coração. Extremamente encantador", diz João Jorge, 58, sobre o xará de sobrenome Doria, 59. Era 2015, e o empresário, ainda na batalha para ser o candidato do PSDB à Prefeitura de São Paulo, convidou o colega tucano para um café em seu escritório na avenida Brigadeiro Faria Lima.
O evangélico Jorge era então aposta eleitoral de uma das mais poderosas Assembleias de Deus do Brasil, a do Brás, liderada por Samuel Ferreira -bispo paparicado por políticos que vão de Michel Temer (PMDB) a Dilma (PT) e que conversa no WhatsApp com o "amigo Doria".
Corta para 2017: no fim de outubro, Jorge foi escolhido como novo presidente do PSDB paulistano, com bênção de Doria, que por tabela fez um afago ao "amigo Samuel".
Com o aliado, já dividiu esfihas do Habib's, após reunião da campanha de 2016.
Agora, compartilham planos políticos. Tendo Jorge à frente do diretório, o prefeito busca ampliar sua base partidária para eventual disputa com o governador Geraldo Alckmin, padrinho político em 2016 e potencial êmulo nas prévias que decidirão o tucano que concorrerá à Presidência em 2018.
Nada mal para um vereador em primeiro mandato na capital paulista. Jorge foi eleito com 42,4 mil votos (18º melhor desempenho), após perder a mesma cadeira em 2012 e sofrer consecutivas derrotas para Legislativo e o Executivo na cidade que lhe deu seu primeiro e até então único cargo eletivo -integrou a Câmara de Americana (SP) nos anos 1990.
"Tive sorte", conta à reportagem em seu gabinete, na quarta (1º).
Por sorte, entenda-se a proteção de Samuel Ferreira. "Como vou dizer sem passar prepotência? Ele gostou da maneira como me comportei." Jorge, que "não perde um culto de domingo", acha que o fato de não ter mendigado apoio em 2012 pegou bem com o bispo.
"Em 2015, falou: 'Olha, vou te ajudar'. Não pode pedir votos na igreja [o que é proibido pela Justiça Eleitoral], mas ainda assim deu um jeito. Falava: 'Vamos orar pelo João'. E, se tiro foto com ele, meto nas rede sociais'. Isso dava um 'up' na minha campanha."
Ferreira ganhou papel coadjuvante na Lava Jato graças à amizade com Eduardo Cunha (PMDB). Sua igreja foi acusada de ceder uma conta bancária para o ex-deputado, que nela teria injetado parte de uma propina como se fosse doação. Advogado do bispo, Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, disse não haver "absolutamente nenhuma irregularidade" em jogo.
PIZZA COM DORIA
Os planos de Jorge incluem ampliar a base de 32 mil filiados na cidade e a presença em trincheiras "da esquerda". "Precisa parar com isso de que na USP só dá PT, que PSDB é partido de elite. Não é mais."
Ele engrossa a Frente Cristã em Defesa da Família, com 17 dos 55 vereadores da Casa. Após conquistar a presidência do tucanato local, tuitou sua gratidão: "O apoio, o conselho, o ombro. #bisposamuel".
Aquele domingo acabou em pizza. Jorge comeu a de marguerita num almoço oferecido por Doria, que de sobremesa serviu sorvete Ben & Jerry's.
Secretários municipais, vereadores e prefeito se enfrentaram no campo de futebol. Doria fez um gol de pênalti, mas seu time perdeu de goleada para o dos secretários.
Já a rixa no PSDB é levada menos na esportiva. Jorge adere ao ditado "cada dia com sua agonia" para driblar a inevitável pergunta: é time Doria ou time Alckmin? Num ponto insiste: "Acho hipernatural ele ser candidato. Acha que o prefeito da maior cidade do país, um cara de mídia, não vai pensar na possibilidade?"
Se vai ou não, o tempo dirá. Mas, no meio evangélico, a impressão é a de que ele não desistiu do páreo. Indício: na semana passada, organizou em casa um jantar para Ferreira, Silas Malafaia e outros pastores. Procurado, Doria afirmou que a reunião "foi familiar".
Na manhã da eleição do PSDB municipal, Alckmin e ele foram a um culto feminino da Assembleia de Deus Paulistana. O prefeito citou o provérbio da "mulher virtuosa", cujo valor "ultrapassa os das mais finas joias". Também cometeu uma gafe: ao saber que o pai do pastor havia morrido, disse que, do outro lado, ele mandava mensagens ao filho. Evangélicos pró-Alckmin tripudiariam sobre o "amadorismo" de Doria: de teor espírita, a fala desceu indigesta.
ALCKMIN
"Halloween, nem pensar… O meu Jesus não celebrava os mortos, ele ressuscitava." No domingo (29), dois dias antes da festa pagã ser defenestrada no grupo de WhatsApp do PSDB Cristão, o grupo elegeu seu novo presidente.
Exorcizava um demônio particular: o que tucanos evangélicos veem como falta de representatividade num partido que tem núcleos como Tucanafro e Diversidade Sexual.
Fiel da Hillsong, igreja "jovem em espírito", Thiago Ferrarezi, 33, foi escolhido para liderar o núcleo de maioria evangélica do diretório paulistano da sigla. Criado em 2013, o PSDB Cristão tem a vereadora Patricia Bezerra como presidente de honra, 53 pessoas no conselho político e o pastor Luciano Luna, assessor informal do prefeito João Doria, no meio, como coordenador de Assuntos Religiosos.
Mas é com Geraldo Alckmin, potencial rival de Doria nas prévias tucanas, que a ala simpatiza mais, segundo o ex-presidente da frente Vladimir Ramos, 45. "Temos a clara visão de que o governador é quem pode dar ao partido a união que tanto precisamos neste momento de turbulência."