Circuito Entrevista

‘Ainda existe muito preconceito na adoção’, diz representante da Ceja

Os oito anos compondo a Comissão Estadual Judiciária de Adoção (Ceja), fizeram a secretária geral da comissão, Elaine Zorgetti Pereira, se afeiçoar cada vez mais com a causa. Os olhos da representante brilham ao falar das histórias vividas, e a prática com adoção de crianças, reforça ainda mais o amor pelo que faz. 

Zorgetti reafirma a necessidade de conscientizar cada dia mais a sociedade sobre a cauda da adoção. Atualmente 674 famílias estão na lista de espera de adoção e 75 crianças estão aptas a serem adotadas. Destas, 34 são meninas e 41 meninos, e 26 crianças possuem algum problema de saúde. A secretária confirma que a seletividade imposta por muitas famílias ainda é empecilho para que a adoção seja maior.

A Ceja foi instituída para atender o que dispõe o Artigo 52 da Lei Federal 8.069 de 13/07/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. O objetivo é de abreviar o tempo de permanência das crianças e dos adolescentes nas instituições de acolhimento.

Confira a entrevista com Elaine Zorgetti Pereira

Circuito Mato Grosso: O que é a adoção?

Elaine Zorgetti: Adoção é um ato de amor, uma pessoa que quer dar amor e carinho e acolher uma criança no seio familiar.

CMT: O que é a Ceja?

Elaine Zorgetti: Criada em 2000 a Comissão Estadual Judiciária de Adoção tem a responsabilidade de acompanhar e fiscalizar todos os processos de adoção, guarda e destituição familiar de todas as comarcas de Mato Grosso. Bem como fiscaliza as instituições de acolhimento do Estado, e também é responsável pelo cadastro de habilitação de pretendentes aptos a adoção.

CMT: Quantas famílias estão na fila e quantas estão aptas a adotar? E como é o processo?

Elaine Zorgetti: Hoje, no Estado de Mato Grosso, temos 674 pretendentes habilitados à adoção, seja casal, casais homoafetivos ou pessoa solteira. Eles já estão à espera de uma criança para adotar. A pessoa que quer adotar deve procurar a Vara da Infância e da Juventude para dar entrada ao processo de habilitação.

CMT: No que consiste este processo?

Elaine Zorgetti: A pessoa preenche uma ficha com todos os dados pessoais e anexar os documentos exigidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Inclusive atestado de sanidade física e mental, comprovante de renda, comprovante de endereço, vários documentos. Depois disso vai ser formado processo que será encaminhado a equipe técnica, formada por psicóloga e assistente social. Elas irão a residência do pretendente para avaliar as pessoas que querem adotar. Faz um estudo psicossocial que será encaminhado ao Ministério Público que deve se manifestar. As famílias também são inseridas em um curso preparatório para pretendentes em adoção. Concretizado vai para o juiz deferir a habilitação, deferido eles são inscritos no cadastro de pretendentes de adoção.

CMT: Quanto tempo demora o processo de habilitação até a adoção?

Elaine Zorgetti: O processo de habilitação é de em torno de seis meses. O que pode demorar é a espera pela criança. Vai depender do perfil desejado pelo pretendente. Se o pretendente hoje quer um bebê, uma criança recém-nascida, ele vai ficar na fila de espera por mais tempo. Mas se ele quer uma criança maior de dois, três, até cinco anos, o tempo é menor.

CMT: Existe ainda seletividade na hora da adoção? 

Elaine Zorgetti: Hoje a maioria dos pretendentes exigem crianças no máximo até três anos. Mas temos uma grande vitória, antes a preferência era menina e de cor branca. De cinco anos para cá ainda existe o critério de idade, mas o sexo e cor são indiferentes. Hoje os pretendentes estão abrindo o perfil.

CMT: Quais crianças podem ser adotadas?

Elaine Zorgetti: Hoje no Estado de Mato Grosso temos prontas para adoção 75 crianças e adolescentes. Elas continuam na instituição de acolhimento devido ao perfil. Ou tem problema de saúde mental, ou são maiores de 10 anos.

CMT: Quando uma criança está apta para adoção? 

Elaine Zorgetti: A criança ou adolescente é acolhido por vários motivos: maltratos, abandono, e a maioria fruto de pais usuários de drogas. Elas são acolhidas, mas só são aptas quando passam por um processo de destituição familiar. No Estado temos 685 crianças e adolescentes acolhidos e apenas 75 aptos a adoção.

CMT: Quantas crianças já foram adotadas após a criação da Ceja?

Elaine Zorgetti: Por ano, temos em média 100 adoções. Mas também somos responsáveis pelas habilitações de adoções internacionais.

CMT: O que ainda precisa ser desmistificado em relação a adoção?

Elaine Zorgetti: Ainda existe muito preconceito em relação à adoção. O que se busca da pessoa é que ela não está ali só suprindo um desejo seu, não está só substituindo um filho que perdeu. Procuramos despertar na pessoa que a adoção é um ato de amor e está ajudando uma criança.

CMT: Como é o processo depois da adoção? Porque criança não é mercadoria para devolver, existe este acompanhamento para que isso não aconteça?

Elaine Zorgetti: Existe o pós-adoção, feito tanto por juízes da infância como grupos de apoio de adoção. Antes de sair à sentença da adoção é feito o estágio de convivência onde a criança é acompanhada para que isso não ocorra. Hoje poucas devoluções ocorrem no Estado de Mato Grosso. Mas devido a não preparação destes pretendentes.

CMT: É feito algum tratamento psicológico com as crianças que de repente veem seus amigos serem adotados e não chega a sua vez?

Elaine Zorgetti: Todas as instituições tem uma equipe técnica, uma psicóloga, uma assistente social. Tem um acompanhamento, onde é realizado o Plano Individual de Atendimento. E também todos os juízes infância e da juventude tem que fazer uma reavaliação semestral de cada processo, as audiências concentradas. Então sempre tem o acompanhamento destas crianças.

CMT: Hoje quantas instituições existem para abrigar as crianças?

Elaine Zorgetti: No Estado de Mato Grosso temos 75 instituições de acolhimentos em 62 comarcas.

CMT: Depois que completa a maioridade, qual o tratamento dado a pessoa que não foi adotada? E na instituição de acolhimento que atendimento a criança recebe? 

Elaine Zorgetti: Nas instituições elas frequentam escola, cursos, tem uma vida normal, lógico longe do seio familiar, que seria ideal. Durante toda estadia dela na instituição ela é preparada para a saída dela.

CMT: Existe muitos casos que a pessoa sai da instituição sem ser adotada?

Elaine Zorgetti: Podemos citar Cuiabá e Várzea Grande que temos instituições de adolescentes de 13 a 18 anos. Essa faixa etária é muito difícil a adoção. Então nós temos que trabalhar com eles por meio do Projeto Padrinhos , que as pessoas ajudam a encaminhá-los para a vida.

CMT: Qual o atual cenário de adoção no Estado? O que ainda o assunto precisa ser explorado?

Elaine Zorgetti: Toda a rede de proteção precisa ser envolvida, para que as crianças tenham mais oportunidades, principalmente casas lares. Precisamos de casas lares, que mais se aproxima de um lar, tem menos criança, tem uma mãe social, assim a criança tem um modelo de família, um convívio social melhor.

CMT: Quais são os trabalhos desenvolvidos pela Corregedoria no que tange o assunto?

Elaine Zorgetti: Temos a campanha permanente “Adotar é Legal” que demonstra todo o processo e orienta a população que a adoção tem que ser feita de forma legal. Hoje não é admitido uma pessoa pegar uma criança direto de uma mãe. Se a mãe quiser dar a criança não é crime, crime é o abandono. A mãe deve ir a Vara da Infância e Juventude entregar a criança para que a justiça entregue ao casal habilitado. 

CMT: Quanto a discrepância, 674 famílias na fila de espera e 75 crianças aptas a adoção? Como a senhora avalia?

Elaine Zorgetti: A maioria dos pretendentes querem ainda crianças menores e nossas crianças aptas são maiores. Por isso vem o Projeto Padrinhos que acompanha crianças maiores de sete anos com possibilidades remotas de adoção. O padrinho afetivo, o prestador de serviço ou o provedor. O afetivo é aquele que leva a criança nos fins de semana para a casa, cuida da criança ou do adolescente. Já o prestador de serviço ajuda com sua profissão, dentista, cabelereiro, etc. O provedor não tem contato com a criança, mas ajuda a comprar material escolar, roupa. 

CMT: A frente deste trabalho, a senhora já teve algum episódio que se tornou uma lição de vida?

Elaine Zorgetti: Não só um como vários. Mas o que sempre nos chama atenção é o Projeto Padrinho, as pessoas se doam realmente. Quando a pessoa apadrinha um adolescente e resulta em adoção é maravilhoso. Temos um caso de uma madrinha que apadrinhou um menino de mais de oito anos de idades, se afeiçoou muito a ele e acabou adotando. Foi um encontro emocionante quando saiu a sentença, foi uma felicidade geral. Nós temos hoje dos padrinhos afetivos, 11 apadrinharam as crianças.

CMT: Qual a mensagem que a senhora deixa para quem quer adotar?

Elaine Zorgetti: Pessoas vejam a adoção como ato de amor. Que as pessoas busquem os meios legais para fazer tudo de maneira correta.

CMT: Como você se sente quando uma adoção é realizada?

Elaine Zorgetti: A maior alegria no nosso trabalho é ver a criança inserida no seio de uma família. Na verdade você nunca adota uma criança, você adota um filho. Quando você faz a sua habilitação você já fica na ansiedade da espera do seu filho. Podemos comparar a adoção a uma gestação, como se fosse uma mãe a espera de seu filho.

SERVIÇO

Dúvidas referentes ao processo, procure a Vara da Infância e Juventude ou a Ceja pelo telefone (65) 3617-312.

Redação

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