Opinião

Afinal, quem nunca?

Texto foto de Valéria del Cueto

Preparei o espírito, montei o kit praia (SQN) e tomei rumo. Não, não é sexta-feira, mas me dei folga. Assim, relativa, já que cá estou. Na escrevinhação.

Desci com tudo (pensava eu) para a rua e subi saltitante a ladeira da Bulhões de Carvalho. Diretão. Sem opção de desvio, até a Francisco Otaviano e cruzei pelo Parque Garota de Ipanema, com destino quase certo. Apostava na Praia do Diabo. Mas nem cheguei lá…

Queria evitar o vício de caminhar, quase marchar, na areia fofa, parte importante do treinamento para enfrentar a pista de desfile das escolas de samba, a Marquês de Sapucaí, no carnaval que se aproxima.

Acontece que andei forçando o joelho no vai e vem do réveillon em Copacabana entre o apartamento, no Posto 6, o palco, no Posto 2 e a festa maravilhosa, na altura do 4. Foram algumas idas e vindas entre os focos do meu prazer na virada para 2020.

O uso de um calçado inadequado acabou “estragando” o joelho esquerdo. Sempre ele.

Então, caminhar na areia não pode fazer parte do cardápio de hoje por precaução e zelo. Entre repouso, massagens e arnica por dentro e por fora, é melhor não facilitar.

A praia não está cem por cento lotada porque o dia começou mal-humorado. Muita gente apostou na previsão do tempo. Menos ele, claro. São 4 horas da tarde de um dia glorioso. Feito pra vagabundear.

Nem estava pensando em escrever, apesar de estar em falta com os fiéis leitores que desde o ano passado, ou a última década como preferem alguns desavisados, não recebem notícias do lado de cá. Confesso que não tinha a menor intenção de exercitar a imaginação.

Ia deixar esse esforço para me dedicar a leitura de Escravidão, de Laurentino Gomes. Fazem dias que o livro me observa na ponta da mesa aguardando, pacientemente, o momento de entrar em cena.

Eu olho pra ele, ele olha pra mim. Mas, entre vídeos para subir para o Youtube e as fotos que precisam ser editadas e indexadas para o acervo carnevalerio.com, não conseguia achar liga para mergulhar na leitura.

Até que outro dia, numa boca da madrugada, depois terminar de postar o material da Bateria da Mangueira, meu xodó de muitos verões e desse também, resolvi dar uma investida na trilogia do jornalista. Se vim para a praia com o livro na bolsa, dá pra deduzir que fui seduzida. Assim, tracei meu destino para a tarde ensolarada e quente.

Como se fosse senhora da minha vida, deusa do meu próprio destino, capaz de administrar coerentemente meus planos, passos e decisões. Doce ilusão. Com esse marzão me chamando escolhi um bom lugar para baixar acampamento. Sem muita gente em volta e a uma distância precavida do movimento da maré que avança subindo areia a dentro.

Coloquei a mão na bolsa de 1001 utilidades e… CADÊ? Tinha livro, caderninho, caneta, máquina fotográfica. Lenço, carteira, fones de ouvido, batom. Tinha de um tudo. Só não tinha… a canga! 

Rebobinei a fita para lembrar que usei a dita cuja como proteção de um pé d´água e, como estava molhada, botei na corda para secar na área de serviço.

Sorte sua. Na impossibilidade de me esparramar à leitura na areia quase em Ipanema, me restou, para não perder a viagem, um banco ao sol na calçada do Arpoador. Fazendo o que? Isso mesmo, narrando a crônica da imperfeição administrativa e mencionando, pra finalizar, a necessária capacidade de adaptação imposta pelas circunstâncias. Chato, porém honesto, já que, afinal, quem nunca?

Ao acabar a missão já realinhei a rota. Destino ladeira abaixo, andar acima, quarto fechado, ar condicionado ligado, “Escravidão” na reta.

Mas só depois de apreciar esse belo fim de tarde carioca. Afinal, também sou filha de Deus…

*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “Arpoador”, do SEM   FIM…  delcueto.wordpress.com

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