Cidades

Adutoras rasas da Trincheira Santa Rosa podem ruir

Um relatório do Tribunal de Contas do Estado (TCE) de maio de 2015, elaborado pelo então conselheiro João Batista Camargo Júnior, pedia soluções imediatas que deveriam ser adotadas de forma emergencial pela empresa CAB, atualmente Águas Cuiabá. O tema de tanta urgência era relativo às três adutoras de captação de água de Cuiabá que passam a poucos metros das obras da Trincheira Santa Rosa e ao longo da Avenida Miguel Sutil. O sistema leva água do Ribeirão do Lipa, um dos formadores do Rio Cuiabá, até as estações de tratamento na Avenida Presidente Marques, na região central.

Os tubos são responsáveis pela captação de dois terços de toda a água consumida na capital. A razão do alerta do TCE era o risco real de a obra afetar os canos e causar um rompimento das adutoras, uma tragédia que pode inclusive provocar mortes, além de deixar boa parte da população sem abastecimento de água.

O alerta do relatório é muito claro sobre o risco:

O Representante da CAB Cuiabá alertou para as características do solo existente na região da trincheira do Santa Rosa. No trecho onde passava a adutora, ao lado do supermercado Big Lar, o ângulo de inclinação das lâminas do lito favorece o escorregamento das placas. Devido ao ângulo dessas lâminas, há risco de desmoronamento do solo, no corte ainda não executado, e haver comprometimento do apoio do bloco de ancoragem na mudança de direção das adutoras (fundação direta). Isso poderia causar o rompimento da adutora com consequências catastróficas; O Sr. Celso (Celso Lino Paschoal Junior, Diretor Operacional da CAB na época) alertou, ainda, que a vibração na compactação da camada de brita graduada que envolverá as adutoras poderá agravar a situação e informou que os trabalhos de proteção das adutoras foram interrompidos e só deverão ser reiniciados após a conclusão da execução das contenções. Informou, também, que para a continuidade do trabalho de proteção das adutoras é necessário que se conclua a interligação da drenagem da marginal (lado Big Lar) com a drenagem principal da trincheira. Continuando, alertou para a necessidade de drenagem nas pistas marginais e questionou o representante da SECOPA sobre o dimensionamento das contenções, se foi considerado eventual acréscimo de empuxo devido à presença de água no terreno adjacente à contenção, no caso de o sistema de drenagem por barbacãs não for e ciente.”

A construção foi uma das primeiras do pacote do chamado “legado da Copa de 2014”. A obra da Trincheira Santa Rosa foi iniciada em junho de 2011. A primeira previsão para o término foi março de 2013. No entanto, a Secopa admitiu dois adiamentos, em setembro e dezembro de 2013.

Orçada em R$ 26,2 milhões, a construção enfrentou, além da troca da empreiteira, problemas para a remoção de interferências junto às concessionárias de água e esgoto e energia. O projeto chegou a ser executada pela Camargo Campos S.A. Engenharia e Comércio, e depois acabou nas mãos da Concremax.

O governador Pedro Taques, que “herdou” as 16 obras inacabadas da Copa 2014, encontrou dificuldades para encontrar uma empresa para concluir os trabalhos na trincheira. “Não havia empreiteiros interessados, pois eles fogem das obras da Copa, porque elas apresentam falhas de projeto, sobrepreço e também porque muitas foram feitas com materiais de baixa qualidade”, explicou Wilson Santos, secretário de Estado de Cidades na época da retomada do projeto.

O secretário relatou que após três licitações 'desertas', sem empresas interessadas, o Estado decidiu contratar a Concremax. “Ela foi a escolhida pelo seu histórico. É uma empresa local, que está há 35 anos no estado e não há abandono de obra no histórico dela”.

As incertezas sobre a segurança do projeto provavelmente afastaram muitas empresa. Outro documento também já pontuava medidas emergenciais. Um relatório do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Mato Grosso – CREA (um pouco mais antigo, de 17 de fevereiro de 2014), também falava dos problemas na Trincheira Santa Rosa.

Segundo as informações contidas no relatório do TCE, os serviços deveriam ser iniciados imediatamente após a apresentação da solução e ser concluídos a tempo de a trincheira ser entregue (a previsão de então era 31 de maio de 2014) à população, ou seja, a construtora teve quatro meses para fazer a entrega das adequações naquelas adutoras.

O não cumprimento dos trabalhos solicitados à época implicaria em multa diária no valor de 10 UPF (Unidade Padrão Fiscal).

Para realização de todos os trabalhos emergentes, foram estabelecidos prazos imediatos que deveriam ser iniciados em cinco dias, logo após publicação do relatório do TCE, ainda em 2014.

Quatro anos depois, e perto do prazo de ser entregue à população, nem a empresa responsável pelas adutoras, nem o governo sabem afirmar ao certo se as recomendações do CREA-MT e do TCE foram atendidas.  Em entrevista ao Circuito Mato Grosso, o diretor da Águas Cuiabá, Marcelo Oliveira, explicou que as adutoras de água que estavam nas ruas do bairro Santa Rosa e no local da construção da trincheira tiveram seu percurso modificado e foram retiradas dos locais porque apresentavam comprometimento para a realização dos trabalhos. 

Ainda de acordo com os esclarecimentos do diretor, as três adutoras de água bruta, da captação do Ribeirão do Lipa até a Avenida São Sebastião, cruzavam o bairro Santa Rosa na Avenida Miguel Sutil. Porém, em 2014, época das obras da Copa, essa adutora foi alterada para não gerar riscos de rompimento e causar transtornos nos trabalhos. Porém nenhum documento comprovando que essa obra foi executada foi apresentado até o fechamento desta edição.

Rompimento de adutoras é algo normal para diretor da Águas Cuiabá

Nas palavras do diretor, rompimento de adutora é considerado algo “normal”. “Isso pode existir no Brasil e pode existir em países de primeiro mundo, como Japão, Itália, França e em todos os lugares do mundo. É um fato existente”, afirmou Oliveira.

“Outro dia mesmo, no Rio de Janeiro, houve um rompimento de adutora que fez um buraco. Se romper, você conserta”, relatou.

Diante deste exemplo, o diretor, de forma natural, explica os procedimentos caso aconteça algum acidente com uma grande vazão de água em uma das trincheiras da Avenida Miguel Sutil. E reitera que um pode acontecer: “Se romper, conserta. Rompeu? Desliga o motor, vai lá, conserta e pronto. Um dia pode ser que venha a acontecer alguma coisa, um golpe violento, uma falta de energia momentânea e possa ter um problema”. 

O ex-secretário de Estado de Cidades, Wilson Santos, garante que a situação da adutora já foi superada. “Não acredito que não tenham sido atendidas as recomendações [do TCE]”. Santos declarou que a adutora é de responsabilidade da Águas Cuiabá, concessionária de saneamento da capital. “A responsabilidade da Secid é concluir o complexo viário e vamos entregar a obra antes de 31 de março”, sintetiza.

O outro lado

Embora o diretor Marcelo Oliveira tenha explicado que não há risco de rompimento, pois obras de modificações das estruturas foram realizadas na região, ao questionarmos a comprovação de um documento técnico que aferisse a realização das obras e até mesmo de todas as explicações, não houve apresentação oficial de documento ou projeto que comprovasse isso, conforme determinava o relatório do TCE. A única comprovação foi a explicação somada a um esquema desenhado em papel sulfite pelo diretor.

O que deixa a população daquela região em alerta sobre um possível rompimento de adutora é o risco de interrupção do abastecimento de água de mais da metade da cidade.

Embora as explicações realizadas pela empresa Águas Cuiabá não sejam convincentes devido à ausência de documentos, o diretor reafirmou que toda a tubulação ali instalada tem estrutura de ferro fundido e vida útil centenária.

“Para romper uma peça dessa estrutura ou dar algum problema, leva 100, 200 anos, mas pode ser que algum dia tenha que acontecer alguma coisa, um golpe violento, uma falta de energia momentânea”, garante.

O jornal tentou, por diversas vezes, após entrevista com a empresa Águas Cuiabá, ter acesso aos documentos sobre os trabalhos de desvio e remoção da adutora. Por meio de sua assessoria, a empresa repetiu o que já havia explicado.

“A Águas Cuiabá, concessionária responsável pelos serviços de água e esgoto da capital mato-grossense, informa que não há adutora de água sob a estrutura da Trincheira Santa Rosa. A companhia ressalta que as redes de abastecimento da localidade estão situadas em vias adjacentes à referida trincheira”.

Antes do fechamento desta edição, por meio de sua assessoria,  a empresa Águas Cuiabá, voltou a procurar a redação do Circuito Mato Grosso e apresentou uma nova versão sobre  a existência de documentos que comprovariam a realização das obras.

A reportagem foi informada que para ter acesso ao documento teria sido necessária a abertura de um protocolo no setor administrativo da empresa e aguardado um retorno. Como o procedimento não foi formalizado, a empresa se eximiu de apresentar a comprovação da obra nas três adutoras.

O Brasil já enfrentou essas tragédias antes

Confira vIdeos de alguns casos de rompimento de adutoras que ocorreram no Brasil. Alguns com vítimas fatais. 

O Rio de Janeiro já enfrentou o rompimento de uma adutora em 2017. A tragédia ocorreu na Estrada do Lameirão, em Santíssimo, Zona Oeste do Rio.  Muitas casas foram invadidas pela grande quantidade de água e carros que estavam estacionados na rua ficaram destruídos.

A força da água também derrubou parte de um muro da rua, bem como fios de postes, e causou grandes prejuízos aos moradores da região. No mesmo ano, um episódio parecido aconteceu na mesma via, em frente ao nº 900. Ruas do bairro ficaram alagadas com o grande fluxo de água que jorrou.

Em Goiás, 183 bairros de Goiânia e Aparecida de Goiânia ficaram sem água após o rompimento de uma adutora de grande porte no Setor Leste Vila Nova.

A juíza Maria da Penha Nobre Mauro, da 5ª Vara Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ), condenou a Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae) ao pagamento de indenização por dano moral coletivo, no valor de R$ 500 mil, pelo rompimento de uma das adutoras da concessionária em 2013. O incidente acabou provocando a morte da menina Isabela Severo da Silva, de 3 anos.

Redação

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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