Cidades

Adolescentes consomem álcool e drogas cada vez mais cedo

Fotos: William Matos 

“No dia 1º de janeiro de 2017 ela sumiu de casa. Só fui encontrar minha filha no dia 9 de janeiro e foi através do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Maria José da Silva Rado que eu soube que ela começou a usar droga aos 14 anos”, contou Maria Aparecida (nome fictício) ao Circuito Mato Grosso.

Enquanto levava a filha para uma consulta com o psiquiatra da unidade, localizada no bairro Jardim Europa, em Cuiabá, Maria Aparecida aceitou compartilhar sua luta para tirar a filha Letícia (nome fictício) das drogas. Alertada pela filha mais velha, ela não quis acreditar que a caçula estava usando entorpecentes.

“Tenho três filhas. Uma é casada e duas moram comigo. Uma delas é a Letícia. As outras duas nunca me deram problema e nem tinham muitos amigos. Já a Letícia sempre faz novos amigos. Minha filha mais velha chegou e disse: Mãe, a Letícia está usando droga, olha o comportamento dela. Mas eu não queria acreditar, sabe? Até que um dia de noite eu percebi que ela chegou estranha, chegou com um jeito diferente”.

​Maria Aparecida trabalhava e não tinha convívio diário com a filha caçula que contou aos profissionais do CAPS ter começado pela maconha e pasta-base. Quando saiu de casa, no início do ano, foi que teve acesso ao crack. Passou nove dias sumida fazendo uso da droga. Nesse período tentou tirar a própria vida e só foi encontrada depois de entrar em contato com a mãe, num momento que o efeito havia passado.

“Ela conseguiu um celular e me mandou uma mensagem. Pedi que ela voltasse para casa que eu estava esperando por ela. Ela chegou chorando, desesperada. Eu perguntei: Filha, você quer ajuda? E ela disse que sim. Pediu que eu a ajudasse e foi o que eu fiz”, falou Maria Aparecida com a voz embargada.

A dona de casa levou Letícia para uma clinica de recuperação, onde ela permaneceu por vinte dias. Após esse período internada, quis voltar para casa e a mãe a buscou. Por dois meses Leticia não fez uso de nenhuma substância, mas teve uma recaída na quarta-feira (8).

“Nesses meses ela ficou na casa de uma tia, que tinha portão com cadeado e permanecia lá enquanto eu trabalhava, sempre sob os cuidados deles, que olhavam ela o tempo inteiro. Mas aí precisei deixar ela com o pai; foi quando minha filha teve uma recaída e sumiu por 24 horas. Fiquei desesperada”, relembra Maria Aparecida.

A menina foi até a casa de uma “colega”, cujo pai seria dono de uma boca de fumo. Chegando lá, havia droga “à vontade” para Letícia e a filha. “Ela me ligou no outro dia, perguntei onde ela estava e ela desesperada me pedia comida, dizia que estava morrendo de fome. Fui até a casa de outra amiga dela, que não usa drogas, e a trouxe para casa”.

A mãe deu banho e alimentou a filha, mas Letícia teve uma crise e passou mal. “Eu dei a medicação para ela, mas foi horrível. Ela teve uma crise de alucinação e me disse que tinha usado duas latas (crack), que tinha cheirado pó e fumado maconha. É horrível. Só vendo para você entender”, contou emocionada.

Letícia pediu que a mãe a internasse em uma clínica e nesta quinta-feira (14) completou uma semana que ela está na casa de recuperação. A iniciativa partiu dela e a mãe a respeitou. O atendimento no CAPS deverá continuar já que foi muito importante para elas saberem lidar com a situação.

“Foi para os profissionais daqui que ela contou que começou a usar por curiosidade, que teve acesso através de amigos na escola. Aqui é muito importante para a Letícia, ela tem psicólogo, psiquiatra, médicos que a ajudam. E eu tenho certeza de que pelo fato de ela querer sair desse mundo, já é uma grande coisa. Ela vai bem e vai sair desta”, assegurou a mãe.

PESQUISA NACIONAL DE SAÚDE DO ESCOLAR

Dados divulgados pela Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) são alarmantes sobre os hábitos dos adolescentes brasileiros. O estudo referente ao ano de 2015 revela:

– 55,5% dos estudantes de 13 e 15, concluintes do 9º ano em escolas públicas e privadas de todo o país, já experimentaram bebidas alcoólicas;

– Os que usaram drogas ilícitas aumentaram de 7,3% em 2012 para 9% em 2015;

– A forma mais comum de acesso ao álcool é em festas, apontadas por 43,8% dos adolescentes que já consumiram álcool, mas 17,8% deles revelaram ter conseguido bebidas com amigos;

– 14,4% comparam em mercado, loja ou bar; e 9,4% conseguiram a bebida com alguém da própria família;

– 56,1% das meninas já experimentaram álcool, contra 54,8% dos garotos;

CAPS é única unidade pública

Em Cuiabá, o Centro de Atenção Psicossocial – CAPS Adolescer do Jardim Europa é o único centro municipal a atender crianças e adolescentes até os 24 anos com problemas de saúde decorrentes do uso abusivo do álcool, crack e outras drogas. O local funciona de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h.

Antigamente funcionava por 24 horas ao dia, mas com a troca de gestão de um prefeito para outro acabou por atender em novo horário. Um novo acordo está sendo fechado para que os atendimentos retornem para o antigo, quando ele estava aberto todos os dias, em tempo integral.

Por ali, passam mensalmente 300 crianças e adolescentes para receber tratamento. A maioria é encaminhada por ordem judicial, mas há também os casos, como o de Letícia, em que o responsável procura a unidade.

Em conversa com o Circuito Mato Grosso, a enfermeira Talizia Medeiros explicou que para atendimento são necessários documentos pessoais do paciente com foto, cartão do SUS e estar acompanhado de algum responsável.

“Quando eles chegam até nós, temos uma conversa com eles, explicamos como é o nosso serviço e após esse primeiro contato passamos o caso para a Reunião de Estudo de Caso e então se define qual projeto terapêutico aquele paciente irá receber”.

Além dos pacientes, que às vezes chegam em crise, a família também recebe acompanhamento. Em alguns casos, os pais nem sabem que seus filhos fazem uso de alguma substância alucinógena e são pegos de surpresa. Por isso são realizadas reuniões com profissionais da unidade que juntos tentam ajudá-los a lidar com a situação.

“Nessas reuniões falamos sobre como lidar com essas crianças e adolescentes nesta situação, porque às vezes a falta de informação atrapalha o tratamento. A gente busca orientar como eles vão lidar, como devem agir”, contou o psiquiatra, Alexandre Falconi do CAPS ao jornal.

Segundo o médico, a maioria dos pacientes chega assustada, porque a mãe, algum parente ou o próprio Conselho Tutelar já recebeu uma denúncia de seu envolvimento com droga. Na maior parte dos casos, eles são encaminhados ao CAPS por força da justiça e chegam contra a própria vontade.

“Eu acho que a abordagem nas escolas devia ser diferente e principalmente em casa, onde ele escuta que usar droga é ruim, mas na festinha com os amigos ele faz uso e vê que não, porque ela causa uma sensação de prazer. O jovem vai pensar que os pais estão errados, que a droga é uma coisa boa, faz bem, passa a ter outra visão. Ele acaba sofrendo um conflito”, analisa Falconi.

A curiosidade natural dos adolescentes é um dos fatores de maior influência para experimentar álcool e outras drogas, assim como a opinião dos amigos. O desejo de experimentar comportamentos vistos como “de adultos”, a sensação de onipotência “comigo não acontece”, grandes mudanças comportamentais que geram insegurança e até impulsividade.

Problemas motivam consumo e pais devem atentar aos sinais

O psiquiatra do CAPS Alexandre Falconi explica que na maioria dos casos os adolescentes acabam procurando o álcool ou a droga por estarem passando por algum problema. “A criança e o adolescente têm uma peculiaridade diferente da do adulto. A dependência do adulto, em sua maioria, está ligada ao prazer proporcionado, já a criança e o adolescente estão ligados a alguma coisa, um abandono, um problema psiquiátrico ou maus-tratos, e buscam a droga ou álcool como um remédio”.

A família deve estar atenta ao comportamento das crianças e adolescentes. Os pais, responsáveis, professores, parentes, amigos, devem estar atentos para a rotina deles. A falta de motivação para realizar atividades rotineiras é um dos principais “sintomas” de que a criança ou o jovem possa estar envolvido com drogas.

São eles: falta de motivação para estudar ou trabalhar; mudanças bruscas de comportamento; troca do dia pela noite; inquietação, irritabilidade, ansiedade; insônia; olhos avermelhados, olheiras; necessidade cada vez maior de dinheiro; sumiço de objetos de valor ou dinheiro etc., de pertences de valor de dentro de casa ou de amigos e parentes.

“Dependendo da droga, ele só vai querer dormir, vai querer fugir de casa, principalmente devido às alterações de comportamento”, alerta o especialista que reforça a necessidade de também se ficar atento para os efeitos que a droga causa.

Segundo o médico, a maconha deixa o olho vermelho, então os pais podem achar colírios no meio das coisas dele (ou dela), isqueiro. “O próprio vocabulário deles também muda, eles passam a falar mais gírias, outras palavras, ficam mais valentes”, exemplifica Alexandre Falconi. 

Há alterações súbitas de humor, uma intensa euforia alternada com choro ou depressão; Começa a se relacionar com amigos diferentes; fica mais descuidado com a higiene pessoal; Tem atitudes de culpa e reparação: agride os pais, chora, se tranca no quarto; passa noites fora de casa.

A dependência, no entanto, tem critérios, segundo o médico. “No caso do álcool, a pessoa passa a ter crises de abstinência se não ingere a bebida. Você precisa de uma quantidade X para atingir aquele grau de satisfação. Na criança o álcool demora mais, porém a dependência das outras drogas é mais fácil”.

Abandono do tratamento

Um dos grandes problemas enfrentados no CAPS é a desistência do tratamento. Conforme a coordenadora especial de Rede Assistencial de Saúde Mental, Darci Silva Carvalho, é difícil para o adolescente seguir com o acompanhamento quando ele não recebe apoio.

“Quando eles chegam aqui, a gente visita a casa deles, vai à escola pra saber se está indo, porque saiu da escola, conversa com a família, traz aqui, mostra que tem médico, atividades, mostra que não é uma coisa distante deles. Mas cabe a eles se envolverem”.

Em alguns casos, quando percebem a melhora do filho, os próprios pais permitem que eles deixem de ir até o CAPS. A falta de condições também ajuda. “Alguns precisam pagar várias passagens de ônibus e não têm o dinheiro. Outros se autoliberam do tratamento por acharem que já conseguem lidar com o problema sozinhos”.

A alta dos pacientes é feita pela equipe de profissionais e só pode ser autorizada após inúmeros fatores estarem de acordo. O acompanhamento, no caso de dependentes, é feito pelo resto da vida, por isso é importante levar o tratamento até o fim.

SERVIÇO

Para mais informações sobre serviços oferecidos pela Secretaria Municipal de Saúde para tratamento de transtornos mentais graves, problemas decorrentes do uso de álcool e drogas no adolescente e no adulto, você pode ligar para o número (65) 3617-7356 ou 9 9213-8566.

Endereço CAPS Maria José da Silva Rado: Rua Romênia, s/nº, bairro Jardim Europa. Telefone: (65) 3617-1835/ 1836.

Catia Alves

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