Veja o senhor como é o costume aqui na roça. O sol é que manda em tudo. Ele
passa bem devagar por cima das coisas, clareando o dia pra gente trabalhar.
Na época mais quente, como agora, ele aponta no morro à sua frente, mais ou menos
no rumo daquela árvore seca. Depois, quando o dia começa a diminuir, indo para o
tempo do frio, ele acorda cada vez mais tarde e vai descansar mais cedo. Também, a
cada dia que passa, vai aparecendo um pouquinho mais para o lado esquerdo até se
esconder atrás da pedra pontuda, onde termina meu sítio. Aí vai voltando
devagarinho, chegando por fim na árvore seca, seis meses depois.
Quando ele acorda – não sei se o senhor já viu? – tá com cara de sono, meio vermelho,
e vai despertando devagar até que, de tão aceso, a gente não consegue olhar pra ele.
Nos dias de inverno, acorda tarde e vai dormir mais cedo. Nesse tempo, a gente tem
que fazer o serviço mais depressa pra escapar do escuro.
Eu, que não tenho leitura, não atino como é que ele acorda de um lado, vai dormir do
outro e no dia seguinte acorda do mesmo lado de novo. O certo seria ele aparecer do
lado que dormiu. Ou será que de noite ele apaga e a gente não vê ele voltar?
Um dia, veio aqui no sítio, um parente meu que estudou na cidade e falou que é por
causa do giro da Terra no próprio eixo e em volta do Sol. Mas veja o senhor, que
bobeira, a gente vê todo dia que é o sol que passa por cima da Terra e este meu primo
vem dizer que a Terra gira em volta dele. Acho que esse povo que estuda e lê esses
livros estranhos, fica meio besta. Depois falam que a gente aqui na roça não sabe
nada. Vê se tem graça: a Terra deste tamanhão, girar em volta do sol, daquele
tamaninho?
Aqui na roça, a gente acorda junto com ele, porque tem as obrigações: tirar o leite das
vacas, dar milho pras galinhas, tratar dos porcos, coisas que não podem esperar.
Depois outros serviços vão aparecendo, não acabam nunca. Enquanto isso, o Sol vai
nos indicando se tem que apressar ou se pode dar uma folguinha no meio do dia.
Olhando pro lado que ele desce, dá pra saber se tá na hora de apartar os bezerros,
fechar as galinhas ou tratar de novo dos porcos.
Agora, o senhor olhe pro o outro lado: ele se esconde atrás daquela montanha que
parece uma cacunda de camelo. Quando ele tá chegando perto dela, parece que fica
mais ligeiro. E, quando a gente vê, pronto: já tá escurecendo. Aí não dá pra fazer mais
nada.
Nessa hora parece que bate uma tristeza geral aqui na roça. O meu parente estudado
falou que é um tal de “nostalgia do crepúsculo”, mas eu não sei o que é isso. Só sei que
tudo vai se acomodando, os barulhos diminuindo, até o vento sopra mais leve. Meio desenxavido e tristonho a gente se distrai pitando um cigarro, esperando que a noite
traga uma boa chuva pra roça crescer e verdejar os pastos.
Depois, quando escurece, só se escuta um ou outro latido de cachorro ou o pio das
corujas. A última coisa é rezar antes de dormir, esperando o sol nascer mais uma vez e
começar tudo de novo.
Renato de Paiva Pereira.
Foto Capa: Chat GPT