Política

A versão política da crise econômica de Mato Grosso

A tão anunciada crise econômica pelo governo do Estado ganhou contornos políticos já no início de 2018. Os Poderes perderam a paciência para continuar a esperar por reorganização financeira pelo Executivo, explicitamente o Tribunal de Justiça e a Assembleia Legislativa, e podem dar início a embate jurídico de cobrança de duodécimos e outras verbas garantidas em lei.

O caso mais enfático vem do Legislativo, onde o governador Pedro Taques (PSDB) teve ao longo dos três primeiros anos de mandato um domínio pela grande maioria dos deputados aglomerada na sua base de apoio. A situação mudou efetivamente em sessão extraordinária, do dia 16 de janeiro, convocada para votar as contas do governo referentes ao exercício de 2016. Em poucas horas, o deputado Allan Kardec (PT), um integrante da minguada oposição, conseguiu articular a assinatura de 11 deputados da base para abrir uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) a fim de investigar a movimentação financeira de fundos executivos.

Serão apurados indícios de que o governo utilizou recursos do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) e do Fethab (Fundo de Transporte e Habitação) para outros fins, desrespeitando as leis, federal e estadual, que determinam exclusividade do dinheiro para uso em projetos e serviços das áreas rubricadas.

A suspeita de irregularidade no Fundeb foi apontada pela AMM (Associação Mato-grossense dos Municípios) que identificou “discrepância” nos valores repassados pelo Estado a partir de agosto de 2017. O presidente da entidade, Neurilan Fraga, afirma que o dinheiro que caiu nas contas da prefeitura em quatro meses (agosto-novembro) não correspondeu à variação do ICMS, imposto que compõe 58% do fundo.  

“Em alguns meses, a arrecadação do ICMS cresceu e o dinheiro repassado pelo Estado referente ao Fundeb caiu. Se compararmos com os valores de 2016, a diferença também é grande. Como não sabemos o quanto o Estado arrecada, não temos como saber exatamente a variação, mas sabemos que a partir de agosto houve aumento de arrecadação do ICMS, mas o Fundeb não acompanhou. E por ser determinado em lei que haja desconto imediato do ICMS, e outros impostos, para o Fundeb, se houve diferença, alguma coisa aconteceu”.

O que a associação considera indício de irregularidade foi reforçado pela transferência de recurso pelo governo para o Fundo da Educação na última semana de dezembro. Foi liberado o montante de R$ 234,3 milhões para as prefeituras. Na comparação com dezembro de 2016, o valor é 185% maior. O governo afirmou que a quantia aumentou por “arrecadação inesperada” na reta final do ano com o pagamento de impostos por empresas na lista de sonegadores e por contribuintes comuns que renegociaram suas dívidas. Mas não convenceu a AMM.

“Mesmo somando as arrecadações dos itens apontados pelo governo, o aumento do ICMS não chega perto dos 185% que cresceram na transferência do Fundeb. E aqui, de novo, ficamos no escuro porque os dados não são divulgados pelo Estado, não sabemos realmente o que está acontecendo”, diz Fraga.

A reportagem procurou a CGE (Controladoria Geral do Estado) e a Sefaz (Secretaria de Fazenda) para esclarecimento sobre os pontos ressaltados pela AMM. Pela primeira, foi informada que o controlador-geral Ciro Rodolpho está em férias; já a Sefaz não deu retorno.

Pedalada fiscal ou improbidade administrativa?

Deputados e a AMM justificam a validade da CPI dos fundos pelo indício de “pedalada fiscal” utilizada pelo governo para cobrir gastos com recursos do Fundeb e Fethab. A manobra fiscal, que levou ao impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2016, trata-se de retirada de dinheiro de contas específicas para cobrir despesas terceiras, como a folha de pagamento e o custeio de serviços, por exemplo. Por infringir a lei, o gestor pode ser penalizado com a perda do mandato, em casos extremos.

O economista Kaike Rachid explica que a situação precisa de estudo jurídico detalhado, visto que as leis que regem a criação de fundos executivos permitem que o gestor do Executivo retire o dinheiro de rubrica exclusiva desde que a reposição ocorra no mesmo ano.

“Está preciso na lei que o dinheiro pode ser tirado para cobrir outras despesas, mas a reposição precisa ser feita no mesmo ano da retirada. Neste caso, não se caracteriza pedalada fiscal, pois o furo financeiro não será estendido para o ano seguinte [da retirada]”, explica.

No entanto, o economista ressalta que essa versão não invalida a investigação da movimentação financeira dos fundos pelo governador Pedro Taques. Ele diz que o problema gerado pela eventual retirada do dinheiro com a reposição massiva nos últimos dias do ano caracteriza crime de improbidade administrativa pelos efeitos graves para as prefeituras.

“Se considerarmos os dados da AMM, isso significa que os prefeitos vão ter problemas para prestar contas de suas atividades. Vai aparecer uma quantia grande de dinheiro em caixa do Fundeb que eles não deram conta de usar porque caiu na conta três dias antes de terminar o ano. Não dá para contratar serviços nesse tempo. Neste caso, o Estado jogou o problema de improbidade para o colo dos prefeitos, e se isso for comprovado o Estado pode ser penalizado”.

O presidente da AMM, por sua vez, diz que o problema já ocorre. Prefeituras têm tentado repassar informações no programa fiscal federal, mas seus cadastros parecem com bloqueio parcial por causa de informações financeiras identificadas em âmbito federal.

CPI pode se esvaziar de investigação a fundo

Atrasos em pagamentos de emendas parlamentares impositivas e duodécimo motivaram descontentamento de considerável número de deputados da base governista. A situação já tinha sido anunciada pelo presidente da Assembleia Legislativa, Eduardo Botelho (PSB), no ano passado. Em entrevista ao Circuito Mato Grosso, em dezembro, ele afirmou que 2018 seria um ano de embate entre deputados e o governador Pedro Taques.

A falta de recursos para cumprir promessas feitas nas bases eleitorais é o estopim mais curto. No último bimestre de 2017, os parlamentares da oposição tentaram articular reações para forçar o pagamento das emendas, que somam cerca de R$ 80 milhões. Seguraram a votação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do Teto dos Gastos e cogitaram a abertura de processo para votar o impeachment de Taques. Tentativas que tiveram fraca repercussão.

No mês passado, o coro de descontentamento se volumou com o apoio de 11 deputados da base à CPI dos Fundos e a germinação de um novo bloco de articulação na Assembleia. Esse eventual novo grupo tem composição provisória de 16 deputados, a maioria retirada dos 11 que apoiaram a investigação a Pedro Taques. O novo bloco já mostrou algum peso com a decisão da líder da oposição, Janaína Riva (MDB), de desistir da indicação de um integrante da CPI.

Hoje, a recém-criada comissão está sob o risco de anulação por ameaças da oposição, em tese com participação do novo bloco, de não cumprir medidas regimentais de atividades da CPI.

O cientista político João Edisom, de núcleo de pesquisas da UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso), diz que a investigação já nasceu carcomida por causa do interesse secundário que a movimentação financeira dos fundos deverá ter. Ele diz que as negociações políticas entre Executivo e Legislativo e o contexto de ano eleitoral devem minar a comissão.

“Com o crescimento do Ministério Público como órgão fiscalizador [a partir da Lava Jato], as CPIs perderam muita força. Passaram mais a ser um grupo de articulação política do que de fiscalização. O Ministério Público é mais rápido e pode levar casos à Justiça de forma mais consistente”, comenta.

No caso específico da CPI dos Fundos, a investigação poderá ser usada para expor contexto favorável a deputados, em um ano eleitoral. “Estamos em ano de disputa de cargo, tudo que for de ganhar a mídia será usado para os deputados se mostrarem a quem eles têm interesse. Não acredito que haverá uma ruptura com o governo, já no último ano de mandato”.

Nesta semana, o presidente da Assembleia disse que cogita cobrar na Justiça o pagamento das emendas impositivas.

Poderes dizem estar desidratados de recursos

O atraso do duodécimo, também justificado pelo governo estadual com a crise econômica, teve novo agravamento na semana passada. O governador Pedro Taques anunciou outro cronograma para pagamento da dívida na casa de R$ 238 milhões, somente em 2017, e parcelamento de outros valores de 2016 e 2018.

Os Poderes devem receber algum dinheiro do duodécimo somente a partir de maio, para quando o Executivo projeta o desafogo das contas públicas. Em reunião realizada no dia 26 com a Assembleia Legislativa, Tribunal de Contas do Estado (TCE), Ministério Público (MPE), Tribunal de Justiça (TJ) e Defensoria Pública, ficou acordado que o passivo de 2016 será pago a partir do excesso de arrecadação, com mínimo de 30%, do Estado ao longo deste ano. E os valores de 2018 deverão ter datas programadas para pagamento.

Três dias após a reunião, o presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Rui Ramos, disse que a proposta do governo vai desnutrir as contas do Judiciário. Na terça (30), o Sindicato dos Servidores do Judiciário (Sinjusmat) entrou com pedido liminar de bloqueio de R$ 250 milhões do Executivo para garantir pagamento ao TJ.

No mesmo dia, Botelho afirmou que o dinheiro em caixa da Assembleia Legislativa consegue cobrir os gastos por mais quatro meses. No entanto, anunciou medidas de contingenciamento no Legislativo, para priorizar o pagamento de salários a servidores e contratos de fornecedores.

Redação

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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