Michel de Montaigne, o filósofo francês, afirma que “vivemos mais assombrados pelas idéias que formamos das coisas do que pelas próprias coisas”. Ou, traduzido para o vulgo: o diabo não é tão feio como pintam.
Também acho. A velhice, por exemplo, assusta e preocupa as pessoas pelos incômodos associados a ela e sua inevitabilidade. Entretanto, quanto mais nos aproximamos dela, surpresos, vemos que o temor era exagerado.
Aliás, ao contrário, o que vemos é um período de muitos ganhos, diria até incríveis ganhos. Há algumas perdas, é verdade, porém são quase desprezíveis em comparação com as vantagens conquistadas.
A primeira grande vantagem conseguida é tornar-nos rijos. Verdade que usam, para qualificar os velhos, muito mais “rígido” do que rijo, mas são sutilezas da língua. O dicionário, se consultado, vai dizer que rijo é o que tem rigidez. A qualidade perseguida na juventude, agora está disponível. Para comprovar o que estou dizendo, basta ver a velharada nas sessões de alongamento: é a manifestação da rigidez na sua plenitude são dores, caretas, suspiros e lamentos.
Outro ganho importante é o sono. Os jovens lutam constantemente contra ele na hora de acordar para o trabalho ou para o estudo e tentam a todo custo derrotá-lo para prolongarem as festas noturnas.
Nós, os velhos, já vencemos esta briga, o sono agora não é nosso inimigo. Alguns dizem que temos insônia. Mas se insônia é falta de sono, de qualquer forma a vantagem está alcançada. Certamente não sabemos o que fazer com tanto tempo despertos, já que não trabalhamos mais, não estudamos e muito menos vamos a festas, diurnas ou noturnas.
Ganhamos também no instinto de preservação da vida. Nesta fase somos muito mais cuidadosos: olhamos dez vezes antes de atravessar uma rua movimentada, e quando decidimos fazê-lo, damos uma corridinha frenética, assustados com os carros que estão a 50 metros. Evitamos subir em escadas ou até em tamboretes para trocar uma lâmpada, dirigimos o carro na maior lentidão.. Podem dizer que os velhos são medrosos, bundões etc, etc, É pura inveja da garotada que aguarda ansiosa chegar a essa fase.
Mas nem só de ganhos se nutre a velhice. Há alguns prejuízos. Perdemos a acuidade visual, ou, no popular, não enxergamos um palmo à frente do nariz. Abandona-nos também a destreza: o passinho fica miúdo, a perna tem pouca mobilidade, as juntas estão sempre doloridas…
Mas, são muito poucas as perdas para tantos ganhos. A “melhor idade” é maravilhosa. Podemos desfrutar da alegria cativante dos asilos que agora chamam de “Centros de convivência para idosos”. Permitem-nos furar as filas do banco para sacar a polpuda aposentadoria do INSS e, se tivermos sorte, chegaremos em casa com ela, escapando dos trombadinhas que adoram atacar velhos nos ônibus superlotados do transporte coletivo.
“Quando os rudes abalos do tempo alquebram o corpo, e os membros perderam as forças, o discernimento também coxeia, e a língua e a mente divagam” Tá por fora o poeta romano Titus Lucrécio que escreveu essa bobagem aí, não tá não? Talvez seja porque no tempo dele ainda não haviam descoberto que a velhice é a “melhor idade”
Renato de Paiva Pereira – empresário e escritor