“A Substância” é um filme de terror corporal lançado em 2024, dirigido e roteirizado por Coralie Fargeat. A trama acompanha Elisabeth Sparkle, interpretada por Demi Moore, uma atriz em decadência que, ao ser demitida de seu programa de TV devido à idade, recorre a uma substância experimental que promete rejuvenescimento através da replicação celular. Essa decisão desencadeia uma série de eventos perturbadores que exploram os limites da busca pela beleza e juventude.
O filme oferece uma crítica contundente à “ditadura da beleza” e à obsessão pela juventude na sociedade contemporânea. Elisabeth, ao buscar desesperadamente manter sua aparência jovem, submete-se a procedimentos extremos que resultam em consequências devastadoras.
Essa narrativa expõe como a pressão para se adequar a padrões estéticos pode levar indivíduos a ultrapassarem limites, sacrificando saúde e identidade em prol de uma perfeição superficial e inatingível.
A transformação física de Elisabeth, que culmina em desfigurações grotescas, simboliza a degradação causada pela busca incessante pela beleza idealizada. O filme utiliza elementos de horror corporal para ilustrar a monstruosidade que emerge dessa obsessão, ressaltando a superficialidade e crueldade de uma sociedade que valoriza a aparência acima do bem-estar individual. A obra também critica a indústria do entretenimento e da moda, que frequentemente impõe padrões irreais e efêmeros, contribuindo para a perpetuação dessa ditadura estética.
Ao retratar a deterioração física e psicológica de Elisabeth, A Substância convida o espectador a refletir sobre os perigos de sucumbir às pressões sociais relacionadas à aparência e questiona os valores que sustentam a obsessão pela juventude eterna.
Envelhecer é um processo natural da vida e não deve ser encarado como uma sentença de obsolescência, seja na vida pessoal ou profissional. O filme escancara o preconceito etário, especialmente no meio artístico e na sociedade em geral, que descarta indivíduos por causa da idade e os pressiona a manter uma aparência “aceitável” para continuarem sendo valorizados.
Saber envelhecer é compreender que cada fase da vida traz novas oportunidades, aprendizados e experiências enriquecedoras. A maturidade não deve ser vista como uma limitação, mas sim como um acúmulo de conhecimento e vivências que tornam as pessoas ainda mais capacitadas para suas funções, tanto no mercado de trabalho quanto em suas relações pessoais.
Infelizmente, a sociedade tende a marginalizar o envelhecimento, associando-o a decadência, perda de produtividade e falta de atratividade. Porém, essa visão é equivocada e prejudicial. Há inúmeros exemplos de pessoas que, ao longo da vida, continuaram realizando grandes feitos e contribuindo significativamente para o mundo. Profissionais experientes ainda têm muito a oferecer, e a idade não deve ser um fator determinante para definir o valor de alguém.
No contexto do filme, a busca obsessiva pela juventude reflete o medo do esquecimento e da irrelevância. Contudo, a verdadeira força vem do reconhecimento do próprio valor e da aceitação das transformações naturais do tempo.
Envelhecer com dignidade e autoconfiança é uma forma de resistência a uma sociedade que lucra com inseguranças e padrões irreais.
O filme foi produzido por Coralie Fargeat, Eric Fellner e Tim Bevan, em colaboração com a Working Title Films. As filmagens ocorreram principalmente em Paris, entre maio e outubro de 2022. A produção é notável pelo uso extensivo de efeitos práticos, com mínima intervenção de computação gráfica, especialmente nas transformações físicas das personagens. As próteses e maquiagens, desenvolvidas por Pierre-Olivier Persin e sua equipe da Pop FX, foram projetadas ao longo de um ano para transmitir uma feminilidade e graça, mesmo nas desfigurações, criando uma representação deformada do envelhecimento moldada pelo medo e fúria das personagens.
A trilha sonora, composta por Chloé Thévenin, contribui significativamente para a atmosfera inquietante do filme. Utilizando sons dissonantes e batidas eletrônicas, a música intensifica a sensação de desconforto e tensão, alinhando-se perfeitamente com os temas de obsessão e transformação presentes na narrativa.
A direção de fotografia, assinada por Benjamin Kracun, é outro ponto alto da produção. A estética visual do filme é marcada por closes agressivos e uma ambientação quase cirúrgica, criando uma atmosfera sensorial sufocante que amplifica o horror corporal e a crítica à obsessão pela beleza e juventude.
Vale destacar que Demi Moore, no papel de Elisabeth Sparkle, entrega uma performance intensa e corajosa, mergulhando profundamente na complexidade de sua personagem e enfrentando transformações físicas exigentes. Margaret Qualley, como Sue, também se destaca, trazendo uma vulnerabilidade que contrasta com a determinação de Elisabeth. Dennis Quaid, no papel de Harvey, complementa o elenco principal com uma atuação sólida. As performances dos atores intensificam ainda mais a produção, tornando A Substância um espetáculo visual imperdível sendo considerado um dos filmes mais interessantes do ano.
Apesar das grotescas cenas finais, A Substância não é apenas um filme de terror, mas uma reflexão brutal sobre como a sociedade impõe padrões de beleza inalcançáveis e descarta aqueles que não se encaixam neles. O longa reforça a necessidade de reavaliarmos a maneira como encaramos o envelhecimento e a importância de valorizarmos todas as fases da vida.
O filme nos lembra que não há nada de errado em envelhecer e que isso não deveria ser visto como uma limitação. Pelo contrário, a maturidade pode ser um grande trunfo, e aceitar o passar do tempo com sabedoria é uma forma de se libertar das pressões externas e viver de maneira mais autêntica e plena.
Vale muito a reflexão.
Vale a pena assistir.

Olinda Altomare é magistrada em Cuiabá e cinéfila inveterada, tema que compartilha com os leitores do Circuito Mato Grosso, como colaboradora especial.
Foto capa: Reprodução