A sociedade civil organizada rege-se por leis, sobre as quais imputa-se sanções, em razão de seu descumprimento.
Deste horizonte, insurge o instituto da responsabilidade civil, regido no Código Civil Brasileiro.
Em que pese a vasta repercussão do referido instituto, a sociedade, em geral, pouco tem conhecimento de seus direitos, principalmente, daqueles decorrente das relações jurídicas em contratos bilaterais, essencialmente, em que duas pessoas discutem direitos e obrigações sobre determinado bem.
Assim como não há sombra sem corpo físico, também não há responsabilidade sem a correspondente obrigação. Sempre que quisermos saber quem é o responsável teremos que identificar aquele a quem a lei imputou a obrigação.
A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva), ou, ainda, de simples imposição legal (responsabilidade objetiva).
Dentre as modalidades de responsabilidade civil, aquela atinente as relações de consumo é a que mais se evidencia no cotidiano da sociedade em geral, já que a prática comercial é cotidiana e alcança a todas as classes sociais.
Disposto pelo art. 5º, XXXII da Constituição Federal, como norma de ordem pública, visa disciplinar os direitos materiais e morais de todos os consumidores.
Antes da vigência do Código de Defesa do Consumidor, os riscos do consumo corriam por conta do consumidor. Falava-se até na aventura do consumo, porque consumir, em muitos casos, era realmente uma aventura. O fornecedor se limitava a fazer a chamada oferta inocente, e o consumidor, se quisesse, que assumisse os riscos dos produtos consumidos.
A forma como a responsabilidade civil foi tratada no CDC é considerada inovadora, ainda mais se considerarmos que tal lei entrou em vigência quando o Código Civil em vigor era o de 1916. A responsabilidade, na relação de consumo, é objetiva, ou seja, não é necessária que seja provada culpa ou dolo.
Em decisão recente da 4ª Câmara Cível de Direito Privado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, por unanimidade fora desprovido agravo de instrumento ingressado por empresa do ramo de Construção que intentava eximir-se de ordem judicial que lhe imputara obrigação de instalação de padrão e medidor de energia de unidade imobiliária, entregue ao consumidor sem o devido fornecimento de energia.
Com a efetivação do Código de Defesa do Consumidor, a imputação da responsabilidade civil aos fornecedores de serviços e produtos tornou-se célere e objetiva, impossibilitando que os prejuízos acumulados pela parte prejudicada perdure no tempo, ante sua hipossufic.
Outra modalidade de responsabilidade civil decorre dos contratos estimatórios, previsto no Código Civil Brasileiro, entre os arts. 534 e 537.
Mais conhecidos como venda em consignação, é o contrato em que alguém, o consignante, transfere ao consignatário bens móveis, para que o último os venda, pagando preço de estima; ou devolva os bens findo o contrato, dentro do prazo ajustado.
O consignante transfere ao consignatário, temporariamente, o poder de alienação da coisa consignada com opção de pagamento do preço de estima ou sua restituição ao final do prazo estipulado para consignação, normalmente, de 30 (trinta) dias.
Recentemente, viu-se situação aplicável ao caso, com repercussão nacional, em que empresa especializada em compra e venda de veículos em consignação, supostamente, aplicara golpe em uma coletividade, ao ponto que, admitindo-se na posse de veículos consignados pelos respectivos proprietários, comercializara os veículos com terceiro, sem consentimento dos proprietários, apropriando-se do pagamento, indevidamente.
Viu-se o temor pelo prejuízo patrimonial desencadeado em massa, haja vista a presunção pela impunidade e/ou impossibilidade de reparação dos danos causados.
No caso prático, restará aos consignantes 02 (duas) opções: cobrar o preço de estima ou ingressar com ação de reintegração de posse para reaver os bens cedidos. A possibilidade de propositura da ação possessória decorre da própria natureza da obrigação assumida e diante do fato de o consignante, ainda não pago o preço, ser o proprietário do bem.
Pelo melhor entendimento doutrinário e jurisprudencial, de que a obrigação do consignatário perfaz alternativa, à luz da combinação dos art. 253 e 535, ambos do Código Civil Brasileiro, restará a este a responsabilidade civil pelos danos causados ao consignante, ainda que, por fato a ele não imputável, seja com a restituição do bem de propriedade do consignante, ou com o pagamento do preço estimado, além de perdas e danos.
Frederico Leôncio Gaiva Neto, advogado, especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes, Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Mato Grosso, ex-Procurador do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Mato-grossense de Futebol, atuante na área cível, consumidor e empresarial.