“Foi um festival de sangue e de pessoas esfaqueadas”. Assim define a conselheira tutelar Josefina Maxmiliana de Figueiredo, de 57 anos, sobre tentativa de homicídio sofrida pela equipe da região central do Conselho Tutelar de Cuiabá na noite do último sábado (8). O infortúnio exemplifica o medo vivido pelos conselheiros, que diariamente recebem ameaças verbais de morte.
Segundo Josefina, no momento que a agressora vinha em sua direção para esfaqueá-la, ela só conseguiu pedir proteção a Deus. Josefina ainda relata que a mulher parecia determinada a tirar a vida a dela. O terror foi tanto que a conselheira já avisou: não vai mais atender denúncias envolvendo “drogaditos” sem a companhia de uma guarnição da Polícia Militar.
Figueiredo reclama que a profissão de conselheiro tutelar é perigosa, pois nunca sabem qual tipo de pessoa vão encontrar em determinada situação, e que o Estado não oferece proteção. Apesar de tudo isso, eles são obrigados a atender todas as ocorrências que chegam ao órgão.
“Nós só temos o apoio de Deus, e se não formos [atender as denúncias] somos exonerados. Daqui pra frente eu não vou atender nenhuma denúncia de drogadito se não for com a polícia. Se a polícia não for, eu não vou. Eu só não morri porque me tranquei dentro do carro, porque ela queria pegar era eu”, desabafou.
A conselheira explica que em onze anos de profissão já passou por muitas situações que envolvem dependentes químicos, mas que até hoje ninguém tinha puxado faca para os profissionais e efetivamente agredi-los, apesar das ameaças que os agentes recebem com certa constância.
Para ela, a ‘sorte’ era que eles não estavam sozinhos no momento, pois se estivesse em poucas pessoas ‘estaria morta’. “Nós já vimos os drogaditos muito bravos, mas não vi nenhum com faca, nunca tinha visto uma situação desta. Foi um festival de sangue e de pessoas esfaqueadas. Ao todo seis pessoas ficaram feridas”, relatou a conselheira tutelar.
O fato
O crime ocorreu por volta das 23h de sábado (8), no bairro Baú, em Cuiabá. A denúncia que os conselheiros foram atender era de maus-tratos contra um bebê de apenas três meses. Os agentes constataram a veracidade da informação e chamaram a polícia para ajudar a resolver a situação.
Em determinado momento, a mãe, B.B.V., de 21 anos, pegou a criança no colo, que estava chorando, e disse que ela queria “arrotar”. A conselheira Odilza Sampaio se prontificou a ajudar a mãe, mas ela afirmou que se tocasse na criança iria matá-la. Na mesma hora ela recuou e foi em direção à rua.
Neste momento, B. levou o filho para dentro do quarto e voltou com um objeto cortante, que seria um soco inglês com uma lâmina em um dos lados, e começou a esfaquear todos que ela conseguia. No total, foram seis pessoas feridas, incluindo duas vizinhas, o ex-marido e pai do bebê, o motorista do Conselho, Marcelo dos Reis, a conselheira Josefina e a monitora Odilza Sampaio.
A criança foi entregue para a avó materna.
Conselheiros recebem ameaças em 10 de 30 atendimentos
A presidente da Associação de Conselheiros Tutelares e Ex-conselheiros (ACTE-MT), Iraides Quirino Xavier, lamentou o ocorrido com a equipe e afirmou que o fato exemplifica a realidade dos conselheiros. Segundo ela, de 30 atendimentos, os conselheiros recebem ameaças verbais em pelo menos 10 situações.
Os impactos são negativos para a classe, que segundo a presidente está “amedrontada” com os inúmeros casos de violência. “Com essa situação, eu espero que nossas autoridades percebam que o conselheiro não tem poder de polícia. Ele é um agente de proteção e não de chegar lá e atender uma situação para qual ele não está preparado”.
Iraides ainda reclama da demora da Polícia Militar em anteder à ocorrência. Foram 30 minutos após a primeira solicitação feita pela equipe. Para a presidente, caso a PM tivesse sido mais ágil, nada disso teria ocorrido. “Houve uma demora muito grande e acabou com membros da equipe do Conselho Tutelar sendo esfaqueados”, afirmou.
A presidente do conselho, explica que os conselheiros, num primeiro momento, apenas avaliam a procedência da reclamação e, havendo a necessidade de apoio policial, uma guarnição é solicitada no mesmo momento. Ainda segundo ela, os conselheiros chamaram a polícia bem antes de as agressões começarem.
Ela ainda afirma que muitos chefes do Executivo estadual e dos munícipios, assim como juízes e promotores, obrigam os conselheiros a desviarem de função. Ela cita como exemplo as vistorias em bares e o acompanhamento de menores em conflito com a lei, que segundo ela é de responsabilidade da Rede Cidadã. Para Iraides, isso expõe ainda mais os conselheiros aos perigos.
“As autoridades precisam se sensibilizar de que o Conselho não tem poder de polícia. Somos um órgão de proteção, não de repressão. Nós temos promotores, juízes, que cobram o conselheiro, ameaçando até retirar seu mandato por não fazer função que não é dele”, afirmou.
Dados
Em Mato Grosso, existem 753 conselheiros espalhados pelos 141 municípios. Anualmente são realizados cerca de 90 mil atendimentos de denúncias em todo o Estado. Apesar dos casos de violência contra a categoria, a presidente Iraides Quirino afirma que a avaliação que faz do órgão é positiva.
Ela explica que hoje os conselheiros de Mato Grosso têm uma escola para capacitação, que só existe em mais dois Estados do Brasil. Para ela, desde a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) há 27 anos, muita coisa avançou, mas ainda insiste que o Poder Público deve ter consciência de que conselheiros não têm poder de polícia.
Conselheira e ativista reclama de soltura de agressora e teme vingança
A conselheira Odilza Sampaio, 63 anos, que também é presidente da Associação dos Familiares Vítimas da Violência de Mato Grosso (AFVV-MT), ficou revoltada com a decisão da Justiça de soltar B.B.V., de 21 anos. Ela teme que a acusada aproveite a liberdade concedida para vingar-se da equipe de conselheiros.
“O juiz liberou a menina, porque ela não representa perigo para a sociedade e que não foi feito o flagrante. O juiz humilhou a polícia, que foi lá prender ela, precisou chamar até outras viaturas”, afirmou Odilza, acrescentando que irá elaborar uma carta pela AFVV, reclamando da atuação do magistrado ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT).
Odilza afirmou que a prisão foi em flagrante e que a PM ainda precisou chamar a Ronda Ostensiva Tático Móvel (Rotam) para prender a agressora. “Eu levei a pior, levei uma facada no abdômen, tive que receber dez pontos. Quase decepou meu dedo que ficou pendurado. Ainda levei cinco perfurações no braço e mais algumas na perna”, afirmou Odilza.
Sampaio ainda não está bem, não por causa dos ferimentos, mas devido à decisão do juiz plantonista, que atendeu B.B.V., durante a audiência de custódia. Odilza afirma ter ficado com mais medo após a experiência e que vai exigir a presença da Polícia Militar em todas as averiguações futuras que irá fazer.
“As vizinhas dela nos informaram que ela [B] teria matado duas pessoas, além de ser presa por tráfico de drogas. Ela pode nos colocar em risco, porque a gente trabalha lá, os guardas de lá não são armados e ela vai oferecer risco para a gente, porque a colocamos na cadeia”, disse.
Juiz proíbe agressora de ver filho e a manda para tratamento
O juiz da 14ª Vara Criminal de Cuiabá, Jurandir Florêncio de Castilho Junior, que estava de plantão no domingo (9), encaminhou B.B.V. para tratamento de dependência química e impediu que ela tenha contato com o filho enquanto não estiver recuperada.
Para Jurandir, B. “não oferece riscos à sociedade” e que a prisão preventiva seria “desproporcional” ao fato. Para liberar a agressora, ele também argumentou que o art. 282, § 6º, do Código de Processo Penal (CPP) dispõe que a prisão preventiva será determinada quando não for cabível outra medida cautelar.
“É de se notar, que apesar da forma que é narrada para o cometimento do crime, a flagrada demonstra, pelo menos em juízo de cognição sumária, ter agido sob a influência de entorpecentes e em decorrência de ver o seu filho recém-nascido ser levado pelo Conselho Tutelar”.
Segundo a decisão, B.B.V. deverá comparecer perante a autoridade todas as vezes que for intimada; não mudar de residência sem prévia permissão. Лучшие онлайн казино на сайте https://x100casino.by подойдут игрокам из Беларуси B. ainda está proibida de manter contato ou se aproximar do filho menor, que se encontra em poder do Estado.
Determinou ainda o encaminhamento da indiciada para o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) para reestruturação familiar e para o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD), para tratamento da dependência química.
Ameaças são comuns, mas agressões, não
O presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), Jader Martins, orienta os conselheiros a registrarem Boletim de Ocorrência de todas as ameaças que receberem, que são constantes, segundo Jader, mas argumenta que casos de agressão contra os profissionais não são comuns.
Segundo Jader, as mais comuns recebidas pelo Conselho são do tipo: ‘Se você tirar meu filho eu te mato, você vai ver, eu te pego’. “Essas questões acontecem, mas agressões mesmo, desde que eu estou na presidência do Conselho, essa foi à primeira tentativa de assassinato que eu vejo contra conselheiros”, afirmou.
Ainda segundo ele, é o conselheiro que vai analisar a necessidade de chamar a polícia ou não. Para Jader, não é viável a presença da polícia em todas as abordagens, pois o Governo do Estado não tem condições de deixar um policial exclusivo para fazer esses acompanhamentos. Ele ainda afirma que caso solicite a PM e ela não comparecer, é necessário acionar o Ministério Público.
Para ele, essa agressão foi um caso isolado e que a violência traz consequências para a categoria e faz com que os colegas tomem mais cuidados a partir de agora na hora de atender as ocorrências. Ela sugere verificar bem o local; antes de bater na porta, conversar com algum vizinho, para saber se o denunciado é agressivo.
“É um risco iminente, tem que tomar muito cuidado. Mas eu acredito que não chega ao ponto de o conselheiro não querer mais cumprir seu papel. Ele deve ir com mais cautela, verificar o local, se tiver dúvida pergunta para ao vizinho e se for o caso, chame a polícia”, afirmou Martins.
Secretaria de Assistência Social acompanha caso
A secretária de Assistência Social de Cuiabá, Singlair de Musis, acompanha o caso desde a sua ocorrência. Ela relata que foi acionada ainda na madrugada de domingo (9) e que compareceu no Pronto-Socorro de Cuiabá, onde os profissionais foram atendidos após as agressões.
De Musis vê a situação como “horrível” e garantiu ainda que os conselheiros agredidos terão toda a assistência material prestada pela pasta. Ela ainda afirmou que a equipe de conselheiros é formada por três pessoas justamente para evitar este tipo de situação.
“O profissional está ali para proteger a criança e acaba sendo agredido, é horrível. Mas isso foi uma fatalidade, a violência está em toda a parte, poderia ter ocorrido com qualquer um, até comigo”, afirmou Singlair.
PM pede para ser avisada
A assessoria de imprensa da Polícia Militar não soube informar o motivo da suposta demora da guarnição em atender a ocorrência. Informou ainda que pode ter ocorrido um engano, já que pouco tempo na pele das vítimas poderia parecer bem mais tempo do que realmente é. Orienta ainda que os conselheiros avisem a PM quando forem atender alguma ocorrência que possa oferecer riscos à integridade física dos profissionais.