Aos 35 anos e no quarto mandato, o novo líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani, não parece ter receios de falar com bastante clareza a respeito do que pensa sobre a relação de seu partido com o PT. Também reflete sobre seu próprio partido e, em alguns momentos, critica a gestão de antigas lideranças da legenda, a quem atribui relações fisiológicas com governos no passado. Ao defender que o PMDB tenha candidatura própria à Presidência em 2018, ele cita nomes da nova geração como possíveis opções do partido.
Para substituir Eduardo Cunha (RJ) na liderança do PMDB na Casa, Picciani passou por uma disputa apertada (o carioca venceu por 34 votos a 33) – e muitas vezes não tão cordial – com Lúcio Vieira Lima (BA). Picciani defende que seus correligionários façam uma profunda reflexão sobre a relação com o partido da presidente Dilma Rousseff.
“Acho que a parceria PT-PMDB precisa ser discutida. É preciso encontrar seu ponto de equilíbrio. Ela nunca foi 100% resolvida, 100% pacífica, mas ela já teve momentos melhores. Já teve momentos muito ruins e acho que hoje está num momento de muita reflexão. O PT tem por característica sempre a tendência de buscar uma posição de hegemonia, ainda hoje, sobretudo no processo decisório político. Evidentemente que esse modelo não se sustenta. A aliança está num momento de reflexão. É preciso discutir essa relação e é preciso a compreensão de que o PMDB não pode ser um parceiro só para resolver os problemas, ele tem de ser um parceiro na construção das políticas”, afirma Picciani, que reconhecee, sem abrir mão da cautela, que o governo tem se esforçado. “Foi feita uma série de gestos, positivos, e esperamos que eles sejam permanentes, que não sejam gestos apenas deste momento”, diz.
Passados mais de 20 dias da votação em que Picciani derrotou Lima pela liderança da bancada na Câmara, o carioca ainda tem de lidar com a sombra do antigo líder entre fofocas de bastidores que dizem que deputados do PMDB ignoram sua posição e têm batido na porta de Cunha, agora presidente da Câmara, para tratar de suas demandas. Não por acaso, por sua atuação, Cunha transformou-se num dos principais personagens do Congresso brasileiro ao capitanear uma bancada cada vez mais indisposta com o governo. Picciani minimiza a maldade. “São demandas de natureza diferente. O Eduardo recebe algumas demandas que são próprias do presidente da Câmara. As demandas da liderança tem vindo diretamente a mim. Se existem, por exemplo, encaminhamentos externos de alguns parlamentares que preferem fazê-los diretamente e não por meio da liderança, é uma decisão pessoal de cada um, mas isso também não está sob o espectro da liderança. O que compete à liderança, todas as demandas têm sido feitas por aqui e todas as decisões têm saído daqui”, diz Picciani.
Além de assegurar que mantém uma relação boa com Cunha, Picciani faz sua análise do processo que levou o correligionário a bater a candidatura do PT apoiada ostensivamente pelo Planalto. “Foi uma candidatura que enfrentou o governo. E que enfrentou uma candidatura do setor mais radical da oposição, setor inclusive que contesta o resultado da eleição”, dispara ele. Perguntado se referia-se ao PSDB, o líder ponderou. “Setores do PSDB, não o PSDB como um todo. E não só o PSDB, outros partidos também. Os setores mais radicais da oposição. Então, a maioria do Congresso deu, na minha opinião, a seguinte mensagem: ela não se alia à parte golpista da oposição, que quer o não cumprimento do resultado das urnas, e ela não se alia também à parte mais míope do governo que não percebe que precisa mudar algumas práticas. A maioria do congresso deu essa mensagem”, diz ele.
Picciani diz reconhecer algumas diferenças de atuação com relação a Cunha. O novo líder faz questão de dizer que sua relação com o presidente da Câmara é pautada pela independência. “Ele tem os pensamentos dele e eu tenho os meus”, afirma. “Não é questão de discordar. Primeiro tem a diferença de geração. Ele é de uma outra geração. Segundo, tem diferenças mais na pauta de atuação. Ele é evangélico, tem uma determinada pauta. Eu venho mais do movimento político, estudantil, tenho uma outra pauta de atuação”, diferencia Picciani, que diz ser católico, mas sem nenhum problema para dialogar com o correligionário protestante. Ao ser questionado sobre o que pensa de Cunha, Picciani é generoso e até teoriza a respeito do sucesso do presidente da Câmara. “Eduardo tem duas características que acho muito fortes e que são muito positivas para ele. Primeiro ele é muito inteligente, tem uma capacidade de compreensão dos assuntos e das coisas com muita facilidade. E a outra é que ele é muito dedicado. Tem muita capacidade de dedicação e trabalho. Muito focado. Essas duas características, parece-me, foram as principais responsáveis pela ascensão que ele teve na Casa, pelas relações que ele construiu”, declara ele.
PMDB
Ao responder sobre a velha acusação de que o PMDB seria um partido oportunista e pronto a se aliar com o governo independentemente de quem ocupe a cadeira presidencial, Picciani diz que seu partido é muitas vezes “mal compreendido”. Talvez até por falha nossa, por não nos comunicarmos em vários momentos da forma como deveríamos e é isso que o PMDB busca mudar. O PMDB não é, de forma nenhuma, um partido chantagista, como muitas vezes se tenta mostrar, e não é um partido que trabalha contra o Brasil, muito pelo contrário. Todos os momentos de dificuldade do país contaram com o PMDB como principal artíficie da estabilidade”, avalia o novo líder.
“Parece-me que o PMDB cumpre e vem cumprindo um papel que na conjuntura política do Brasil é fundamental. O PMDB é o esteio da estabilidade política do país e isso que, muitas vezes, foi mal compreendido. O PMDB não esteve ao lado de governos somente pela razão fisiológica, muito embora, em muitos momentos e sob muitas lideranças o partido tenha sido fisiológico, mas o PMDB não esteve ao lado da maioria dos governos pelo fisiologismo. Esteve porque era o que desejava a população. A população não desejava o governo ou o país sem estabilidade. Num quadro de fracionamento partidário e político, cabia ao PMDB garantir essa estabilidade”, declara Picciani com um dose crítica aos antigos caciques do partido.
Ele fala com empolgação da necessidade do PMDB voltar a ter um candidato a presidente da República, algo que não acontece desde 1994. “Sempre defendi candidatura própria”, diz. “Isso não é contra ninguém, é a favor do PMDB. Qualquer partido deve almejar a apresentação de um projeto para o país, apresentar um nome com viabilidade eleitoral, que possa vencer as eleições e que o partido possa implentar esse programa. Um partido que não tem essa pretenção, não pode ser um partido político”, afirma ele, que sugere o nome do prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, como “um nome com condições mais amadurecidas” para a função. Ele não esconde sua predileção pela ala mais jovem do PMDB para levar a cabo a missão. “Acredito em nomes mais novos do partido”, resume ele, que cita ainda Renan Filho como um nome para o futuro.
Chegada na Câmara
Se a juventude de Picciani saltava aos olhos em janeiro de 2003, quando assumiu seu primeiro mandato aos 22 anos, o líder do PMDB conta que começou a conviver com política muito cedo, graças a atuação do pai, Jorge Picciani, um dos principais líderes do PMDB no Rio de Janeiro. Ele lembra da primeira vez que viu o pai eleito, quando Jorge ganhou uma vaga na Assembleia Legislativa do Rio. Picciani tinha somente 10 anos. Não foi a primeira eleição que o pai disputara. Jorge foi derrotado em 1986 quando disputara o mesmo cargo. O pai nunca quis fazer a vida na ponte aérea Rio-Brasília. “Não é o perfil dele. Ele tem uma atuação mais regional”, resume Picciani, que diz datarem dessa época seus primeiros olhares curiosos para a política.
O novo líder do PMDB na Câmara diz que, em princípio, o pai não se empolgou com a decisão do filho de fazer o caminho da política partidária eleitoral. Nas palavras de Picciani, o pai preferia que ele fizesse carreira na iniciativa privada, como fez o irmão Felipe, que trabalha na empresa da família, que atua no setor agropecuário. Picciani é o mais velho de quatro irmãos, além de Felipe, 34 anos, Rafael, 28 anos, que é deputado estadual licenciado e hoje secretário de transportes de Eduardo Paes, e Artur, de 4 anos, irmão do líder peemedebista por parte de pai.
As pressões na época não deram fruto e Picciani passou a flertar com a carreira que escolheria já nos tempos de colegial, ímpeto que desenvolveu ao ingressar na faculdade. Em 2000, presidiu o diretório da juventude do PMDB no Rio. Cargo que ocupou até sua primeira eleição, em 2002. “Fui candidato a deputado federal direto porque meu pai era deputado estadual e o nosso grupo político também tinha vereadores na Capital e nas principais cidades. Então a vaga que sobrava disputar era a de deputado federal”. Ainda em 2000, casou-se pela primeira vez com a empresária Gisele Novaes, com quem teve dois filhos, Maria Eduarda, 13 anos, Vittorio, 11 anos. A relação com a primeira esposa durou até 2011. Atualmente está casado com Janine Salles, com quem tem uma filha, Maria Julia, 1 ano e meio. Ao debutar na vida eleitoral, Picciani acabou obrigado a trancar o curso de direito no último semestre. Ele completaria a graduação depois de eleito, quando retomou o curso.
Adversários do grupo político de Picciani o acusam nos bastidores de ser somente um marionete do pai. Um mandato a serviço de Jorge Picciani. O filho garante que uma coisa não tem nada a ver com a outra. “Meu pai nunca influenciou no meu mandato. Até porque o Congresso nunca foi a vivência dele, mas lógico que ele aconselhava na parte política. Converso bastante com ele até hoje, mas ele nunca influenciou. O temperamento do meu pai, até como forma de criação nossa, nunca foi de ficar dizendo: ‘faz isso, faz aquilo’. Ele sempre nos deixou com muita liberdade de atuação”, afirma. “Estou no quarto mandato, então isso eu já superei há muito tempo”, acrescenta.
Samba, futebol e rotina de líder
Picciani é natural de Nilópolis, naceu no dia 6 de novembro de 1979. “Mas só nasci porque minha região no Rio, a Zona Norte, é na divisa com a Baixada Fluminense, então hospital, essas coisas, naquela época, eram muito mais próximas do que a região central do Rio de Janeiro”. Apesar do ter nascido na cidade que ganhou fama graças à Beija Flor, Picciani diz que seu coração bate mesmo pela Portela, mas ele não se esquiva de comentar a recente polêmica do Carnaval do Rio, com a Beija-Flor homenageando Guiné Equatorial e supostamente recebendo financiamento do governo daquele país, que é comandado pelo ditador Teodoro Obiang. “Acho que a homenagem ao país, ao povo, não tem nenhum reparo. O que precisa se discutir é se houve ou não financiamento por parte da ditadura”.
Se contraria os conterrâneos nas preferências carnavalescas, Picciani é Flamengo. Embora já tenha acompanhado o time do coração com mais assiduidade, ele admite que hoje, as demandas políticas o impossibilitaram de acompar o Flamengo de perto. “Hoje em dia falta tempo. Quando era mais novo, ia mais”, resume ao explicar que o cargo de líder agravou ainda mais a escassez de tempo. “Tem um ritmo de trabalho maior porque você acumula as suas questões pessoais com a função de líder, que tem a ver com atender às expectativas dos outros parlamentares”, declara. “Não eram todas as segundas-feiras que eu costumava vir a Brasília. Vinha em algumas semanas, nas outras chegava aqui na terça-feira. Na liderança, estou todas as segundas”.
Ele diz que não tem receio de ir aos lugares que costumava ir por ser político agora. Não o faz pela falta de tempo. Picciani comentou as agressões verbais que o ex-ministro Guido Mantega sofreu na semana passada ao ser hostilizado quando estava no Hospital Sírio-Libanes, em São Paulo. “Nunca tive problema. Pelo contrário, sou extremamente bem recebido no Rio onde eu ano”, diz o líder, que critica esse tipo de postura das pessoas contra políticos. “Acho equivocado, não por ser político, mas com qualquer pessoa. Tem o limite da civilidade e da educação. Você pode discordar, ter sua opinião, mas respeitar o ser humano. Sou contra esse tipo de tratamento”.
Já no primeiro ano de mandato, Picciani lembra que foi indicado pelo então líder da bancada, Eunício Oliveira (CE) para ser o relator da CPI da Pirataria. “Acho que foi um castigo do Eunício para mim, como não tinha votado nele para líder. Ele disse que era um prêmio, mas na verdade era um castigo”, diz em tom de brincadeira. Acabou não permancendo na relatoria até o final da CPI, quando foi pedida a prorrogação da comissão para relatar o Marco Regulatório das Agências. Mas foi no primeiro ano do segundo mandato que Picciani conquistou a posição que mais lhe rendeu projeção e que ele mesmo considera um grande ponto na sua carreira: a presidência da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, a mais importante comissão permanente da Casa.
“A experiência na CCJ foi marcante porque fui o deputado mais jovem a presidir a CCJ na história do Congresso. Tinha 27 anos. Quando o Henrique Eduardo Alves, que era o líder do PMDB, me indicou sofri uma série de críticas da imprensa, dizendo que eu era muito novo, que não tinha experiência, que eu era um arranjo político. Embora eu já fosse membro titular da CCJ desde 2005, não cheguei de pára-quedas na comissão”, lembra ele. “Ali foi uma superação porque dei declarações duras dizendo que não aceitava ser discriminado por causa da idade e foi uma experiência bem marcante”, diz Picciani.
Fonte: iG