Opinião

A Morte Silenciosa da Ética nas Almas Superficiais

A ética, esse fio invisível que costura a dignidade humana é, talvez, a mais antiga das virtudes e, paradoxalmente, a mais esquecida em nossos tempos.  

Não nasceu nos livros de filosofia, mas na alma dos que compreendem que viver em sociedade é um pacto de respeito mútuo.  

A ética é o pulsar silencioso que orienta o agir, mesmo quando ninguém observa; é a bússola que aponta para o bem, quando todos os caminhos parecem convenientes. 

Conceitualmente, ela é o conjunto de princípios que guiam o comportamento humano em direção ao que é justo, bom e verdadeiro. Mas, na prática, a ética é muito mais do que um código ou uma norma: é uma atitude interior. Está no modo como tratamos o outro, no cuidado com a palavra que proferimos, no compromisso com a verdade, na delicadeza dos gestos que ninguém vê. Ela habita o trabalho, o amor, a amizade, a fé, a política, a arte, e habita cada relação que tece o tecido invisível da convivência humana. 

Contudo, o tempo presente parece ter transformado esse valor em relíquia. 

 Vivemos dias em que a aparência vale mais que a essência, e o brilho efêmero da exposição substitui o silêncio do caráter.  

A ética está morrendo, não por assassinato brutal, mas por abandono lento. Morre quando o interesse se sobrepõe à verdade; quando a vaidade grita mais alto que a consciência; quando o “eu” ocupa todo o espaço e já não há lugar para o “nós”. 

As almas, outrora profundas, hoje flutuam na superfície das conveniências. As palavras perdem o peso, os compromissos se dissolvem, os valores se negociam. Já não importa o que é certo, mas o que parece vantajoso. E assim, o mundo se torna um palco de gestos rápidos, de sorrisos sem alma, de moral que muda conforme o vento. 

É por isso que ensinar ética às crianças e aos adolescentes tornou-se uma urgência silenciosa e vital. A formação do cidadão não começa nas leis, mas no exemplo; não nasce do medo de punição, mas da compreensão do valor do outro. Ensinar ética é ensinar empatia, respeito, responsabilidade. É semear no coração dos jovens a noção de que a verdadeira grandeza não está no sucesso ou no poder, mas na retidão dos gestos cotidianos. 

 Quando uma geração aprende que ser ético é ser humano em sua forma mais alta, o futuro se ilumina, e o cidadão que nasce desse aprendizado é, antes de tudo, um guardião da justiça e da vida em comunidade. 

Mas a ética, ainda que ferida, resiste. 

Insiste em viver, e se encontra nas raras pessoas que ainda dizem “não” quando o mais fácil seria ceder. Vive em quem cumpre a palavra, mesmo que ninguém cobre. Vive em quem não negocia o que é justo, ainda que isso custe o aplauso. Vive nos gestos pequenos e nas consciências que, silenciosamente, recusam o comodismo. 

Ser ético, hoje, é um ato de resistência. É escolher a profundidade num tempo de raso brilho. É permanecer inteiro quando o mundo se fragmenta. É cultivar raízes em meio à pressa, e lembrar que o valor de um ser humano não está no que ele exibe, mas no que ele é quando ninguém o vê. 

A ética não é apenas um conceito, é uma forma de amor. Amor pelo outro, pela verdade, pela justiça, pela própria alma. E talvez, se quisermos reerguer o mundo, não precisemos de heróis, mas de pessoas éticas: simples, firmes, humanas. Porque enquanto houver uma só consciência disposta a agir com retidão, ainda haverá esperança de que a ética, mesmo ferida, volte a florescer. 

Ainda há esperança.

Olinda Altomare é magistrada em Cuiabá e cinéfila inveterada, tema que compartilha com os leitores do Circuito Mato Grosso, como colaboradora especial. @aeternalente

Olinda Altomare

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Olinda Altomare é magistrada em Cuiabá e cinéfila inveterada, tema que compartilha com os leitores do Circuito Mato Grosso, como colaboradora especial.

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