Claude Lévi-Strauss nasceu em Bruxelas, em 28 de novembro de 1908 e morreu em Paris, em 30 de outubro de 2009, perto de completar 101 anos. Citado em Estrangeiro, composição musical de Caetano Veloso que trouxe o desgosto do jovem francês diante à paisagem da Baía de Guanabara, para mim tão majestosa. É sabido que vários são os livros de sua autoria que são obrigatórios para entender o Brasil. O que mais gosto de citar, presente no livro Raça e História, de 1952, é: não há sociedades inferiores e que cada uma deve ser pensada em seus próprios termos e que não se pode “repudiar pura e simplesmente as formas culturais, morais, religiosas, sociais e estéticas mais afastadas daquelas com que nos identificamos”.
Claude Lévi-Strauss chegou ao Brasil em 1935. Foi professor de Sociologia na Universidade de São Paulo até 1937. Nesse ano, lembra o antropólogo Viveiros de Castro, deixou a instituição por suas “simpatias à esquerda” e por sua origem judaica, quando experimentou o constrangimento da interdição de retornar ao Brasil para dar continuidade às expedições etnográficas entre povos indígenas.
O jovem francês de 26 anos conheceu muito do Brasil. Sobre este país, tem uma passagem que me toca muito quando externa a maneira de viver dos professores: “a condição de humilhação dos meus colegas locais com uma espécie de piedade um pouco altiva. Ao ver esses professores, miseravelmente pagos, obrigados a executarem trabalhos obscuros para poderem comer, senti orgulho de pertencer a um país de cultura antiga no qual o exercício duma profissão liberal estava rodeada por um conjunto de garantias e prestígios.” Mas, este assunto é pano para outra manga.
O livro Tristes trópicos descreve, principalmente, as viagens do antropólogo francês ao interior do Brasil, entre os povos Kadiwéu, Boe-bororo, Nambiquara, Tupi-Kawahib. É, a meu ver, seu livro mais famoso. Apareceu em 1955, após quase vinte anos no Brasil. Para se ter uma ideia, na primeira década de sua publicação, atingiu uma vendagem de mais de 60 mil exemplares. E só não venceu o Prêmio Goncourt porque o júri qualificou o texto como obra literária e não de não-ficção, como lembrou David Pace, um de seus biógrafos. Mas, Tristes trópicos ganhou espaços mais largos. Ganhou o mundo. Com aproximadamente quinhentas páginas, foi escrito em cinco meses, de 12 de outubro de 1954 a 5 de março de 1955, em uma máquina portátil de escrever, de segunda mão.
Conheci recentemente a máquina de escrever de Lévi-Strauss, usada para datilografar as 465 páginas do clássico Tristes trópicos. Portátil, lá está ela, sobre uma das faces da maleta, para quem tiver interesse em apreciá-la, à página 383 da volumosa obra biográfica Lévi-Strauss, da historiadora Emmanuelle Loyer. Soberana acha-se a máquina, a ocupar quase a metade da página, a ilustrar a sessão Tristes trópicos, uma viagem no tempo. Um produto que pertenceu a outrem, com teclado alemão, comprada em um bazar na cidade de São Paulo dos anos 30 do século passado, durante sua estada no Brasil.
Contudo, não é somente sua exterioridade sombrosa que me fascina – em preto envelhecido, com teclas brancas, exibida com papel parcialmente exposto no rolo, com escrita ininteligível (Claro! O teclado é alemão!). É possível ver os dois carretéis por onde passeou, por quilômetros e quilômetros, para lá e para cá, a fita de tinta preta, que me faz lembrar de minha Olivetti dos anos de 1970, presente de meu pai que guardo como relíquia. Sou capaz de ouvir o ruído das teclas em movimento e o suave toque do sino anunciando que a linha está próxima ao fim, hora de tocar na manivela para a troca de linha, correspondente à tecla enter dos computadores (risos).
O que mais me fascina é o fato de a máquina de escrever ter acompanhado Lévi-Strauss por décadas. Isso, sua máquina de escrever durante os vinte anos seguintes à compra, talvez em uma rua do Brás. Imagina… o jovem etnógrafo francês a comprou para uso em suas expedições, “sem desconfiar de que as condições de vida entre os nambiquaras seriam tais que me faltariam as comodidades mais elementares para fazer uso dela.” Fico a imaginar em que momentos de suas viagens de campo, em situações tão minimalistas, Lévi-Strauss a apoiaria sobre das pernas, a escrever suas impressões tropicais. E o que os indígenas pensariam sobre o ruído das teclas em movimento? Um pássaro de canto até então jamais ouvido?