Juiz de Fora, Minas Gerais. Década de 1970. Eu com meus 12 anos, por aí. Minha brincadeira preferida? Queimada, esporte coletivo em que os jogadores de dois times tentam acertar os oponentes com uma bola. Estudava no Instituto Metodista Granbery, junto com meus irmãos Danton, João e Tetê.
Nessa cidade muitas coisas aconteceram comigo. Hoje hierarquizo minha menarca como a mais importante delas. Outro acontecimento marcante foi o presente que minha mãe Wilma ganhou de meu pai Danton: uma máquina de costura Singer. Fiquei encantada com aquela máquina de costura que, em desuso, era guardada dentro de um gabinete de madeira. Que esconderijo! Cheguei a me experimentar naquela caverna. Mas, uma gavetinha, aparafusada na parte interna da porta, impossibilitava-me de fechar a porta do móvel.
Mamãe usava a máquina para reparos nas roupas de cama e da família. Cerzir, era com ela mesma! Não importava o tamanho do rasgo ou do puído que o vai e vem da agulha recriava a peça. A linha precisava estar de acordo com as cores ou estampas dos tecidos. Gostava de procurar o cerzimento. Era como aquele jogo “Onde está Wally”. Mamãe deixava-o imperceptível em tecidos estampados.
Ainda que o presente não tenha sido para mim, fiz muito bom proveito dele. Digo, ainda faço! E o barulho da máquina? Pelo barulho da máquina de costura eu podia saber o que mamãe estava fazendo. Conseguia identificar se costurava em linha reta, em linha curva, se estava cerzindo. Àquela época, sentar-se no chão ou estar ao lado da mamãe para vê-la costurar me satisfez por pouco tempo. Pedi a ela que me ensinasse a costurar. Precisava pilotar aquela máquina possante…
Que pretensão a minha, eu não via a hora de começar a costurar. As primeiras aulas, ainda que fundamentais, foram muito chatas: percorrer a linha por tantos entrecruzamentos até chegar na agulha. Não entendia o porquê daquele enorme caminho que a linha tinha que fazer. Depois de memorizar a percurso da linha pela máquina, mamãe passou para a lição seguinte: encher carretilha. Nossa, que tarefa custosa. Tentei fazer um acordo em enche-la manualmente. Nada feito! Só passaria para a lição seguinte quando me tornasse apta naquela tarefa. Depois de muita repetição, encher carretilha (hoje se diz bobina), passou a ser moleza.
A aula seguinte foi direcionada ao pedal. Pelas explicações da professora, precisava ter correta coordenação motora nas pernas para fazer a máquina funcionar, pois o movimento das pernas eram diferenciados. Achei que o pedalar da máquina fosse igual ao da bicicleta. Que engano. Até que aprendi a substituir a força das pernas pela suavidade do ritmo que o pedal exigia. Depois de alguns dias, meus pés se encontraram “na cadência bonita do samba”.
Nunca sabia a lição da aula seguinte. Acho que mamãe não tinha nada em mente ao final de cada aula. Pensando bem, seis pessoas dentro de casa, serviço é o que não faltava. Mas, não via a hora de ganhar um tecido. Tecido? Perguntou mamãe. Ganhei uma página de jornal para costurar! Por aquela eu não esperava. Sem linha na agulha… sem tecido… sem tesoura… Que costureira eu era? Não podia contar para as turmas da vila e da escola. Que vergonha!
Muitas páginas de jornal me foram passadas… Mas, ao contrário das aulas anteriores, sincronizar o movimento de mãos, pernas e pés me causou muito prazer. Ao me tornar exímia nessa tarefa, aumentava a velocidade dos movimentos das pernas e pés para atingir alta velocidade. Era o espaço ideal para me exceder sem ser recriminada. E cantarolava a música de Roberto Carlos da década de 1960: “por isso eu corro demais, corro demais só prá te ver meu bem”.
A prova dos 9 dava-se na verificação dos erros, quando mamãe colocava o jornal contra a luz do Sol para investigar se o percurso produzido pela agulha estava reto e sequenciado. Era preciso que a linha pontilhada estivesse retíssima. Não me lembro mais de quantas aulas precisei ter até que o tão sonhado tecido chegasse às minhas mãos.
(continua na próxima semana)