O Shopping Popular é um dos pontos comerciais mais visitados da capital mato-grossense. Diariamente 20 mil pessoas passam pelo local, onde existem 500 bancas com os mais diversos produtos. Ali é possível comprar de roupas de criança a artigos de pesca, produtos de higiene, eletroeletrônicos, cosméticos, alimentos, entre outros. Um dos desafios dos comerciantes do shopping é livrarem-se da venda de produtos falsificados, os produtos “piratas”.
Criado há 22 anos, o shopping tem sua história ligada à reivindicação de antigos ambulantes da região central. Em 21 de abril de 1995, cerca de 400 camelôs foram transferidos pela Prefeitura para um espaço isolado na região do bairro Dom Aquino – atualmente o ginásio de esportes do bairro.
Depois de muitas negociações foi erguida a atual estrutura do shopping, inaugurada em 2014. Em cidades como São Paulo, esse tipo de galeria tornou-se comum, inclusive em pontos nobres como a Avenida Paulista.
O presidente do Shopping Popular, Misael Galvão, afirma que o local gera 3 mil empregos diretos e indiretos e é referência nacional. “Representantes de algumas prefeituras dos estados de Santa Catarina e Paraná vieram aqui e queriam levar esta ideia para lá; isto nos deixa muito satisfeitos”, relata.
Porém, o Shopping Popular ainda é um ponto de venda de produtos importados ilegalmente e artigos pirateados. Recentemente a Operação Pirataria III, da Delegacia Especializada do Consumidor (Decon) realizou uma diligência em busca de produtos falsificados da marca Calvin Klein.
Ao todo 10 estabelecimentos suspeitos do comércio de vestuários foram fiscalizados. Foram apreendidos 250 produtos, como bermudas, bonés, carteiras, chinelos, camisas, calças, cuecas, relógios e cintos, todos com marcas falsificadas de grifes importadas e nacionais. Os produtos eram imitações das grifes Calvin Klein, Levi’s, 54TH Strauss, RC Brazil, Rocket e GMS.
Dez pessoas foram conduzidas até a Decon, sendo alguns proprietários e outros vendedores. “Essa operação não tinha finalidade de apreender muitos produtos, era específica para produtos da marca que fez o pedido de representação criminal. Mas, ao mesmo tempo, ocorreu a representação criminal de outras marcas e a ação cresceu”, explicou Antônio Carlos de Araújo, o delegado do Decon.
Segundo Misael, casos como a operação que aconteceu no dia 20 de outubro são algo isolado. “Cada comerciante é responsável pelos seus atos, a única obrigação dos associados é cumprir o estatuto e o contrato de concessão que diz para manter o cadastro atualizado, manter a sua empresa constituída e pagar o seu alvará”, relata.
Essência pirata
Perfume importado falsificado é o destaque deste comércio. Ao todo se vende 110% mais perfumes falsificados do que as versões originais. Os softwares para microcomputadores são o produto desse mercado ilegal, com 88,6% das vendas.
O presidente da Federação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (Fecomércio-MT), Hermes Martins da Cunha, disse que os números são assustadores. A instituição iniciou uma campanha para tentar amenizar a sonegação de impostos.
“Há uma grande avalanche de produtos ilegais em Mato Grosso. A Federação iniciou esta batalha e esperamos amenizar estes prejuízos, nós não temos o poder de fiscalizar, mas começamos a fazer parcerias com entidades federais, estaduais e municipais para lutar contra a ilegalidade”, afirmou Hermes.
Impacto da pirataria na economia brasileira
PRODUTO |
MERCADO LEGAL |
MERCADO ILEGAL |
PORCENTAGEM PERDA |
ROUPAS |
R$ 180.000.000.000,00 |
R$ 29.160.000.000,00 |
14,5% |
CIGARRO |
R$ 20.300.000.000,00 |
R$ 6.300.000.000,00 |
31% |
TV POR ASSINATURA |
R$ 31.000.000.000,00 |
R$ 4.804.000.000,00 |
15,5% |
SOFTWARE (PC/NB) |
R$ 6,943.000.000,00 |
R$ 6.517.000.000,00 |
88,6% |
DEFENSIVOS AGRÍCOLAS |
R$ 31.008.000.000,00 |
R$ 3.100.800.000,00 |
10% |
PERFUMES IMPORTADOS |
R$ 2.116.500.000,00 |
R$ 2.328.150.000,00 |
110% |
Sem impostos, sem benefícios
A perda do comércio brasileiro com a pirataria foi de R$ 89,3 bilhões no ano de 2016, enquanto o narcotráfico comercializa R$ 15 bilhões. O país deixou de arrecadar R$ 41 bilhões em impostos apenas com a sonegação imposta por esse comércio.
Segundo a Fecomércio-MT, a pirataria não gera impostos para o município, Estado e União. Não gerando tributos, leva prejuízos como a não geração de empregos e assim deixa de trazer benefícios para a sociedade.
Conforme Hermes, o maior prejudicado é o consumidor e em seguida o Estado, que reclama da falta de recursos nos cofres públicos. Segundo ele, só existe pirataria porque tem quem compre os produtos ilegais.
“Nós elaboramos uma cartilha que explica como a pirataria prejudica toda a sociedade, uma vez que gera a evasão fiscal de R$ 41 bilhões; dinheiro que poderia estar sendo aplicado na saúde, na educação, mas que vai para organizações criminosas que estão por trás das falsificações e do contrabando, lucrando com essa prática e trazendo riscos para a saúde do consumidor”, declarou.
Hermes ainda disse que quem compra produtos falsificados tem o risco de levar o prejuízo financeiro e que possivelmente não terá troca em caso de defeito na mercadoria. “O consumidor leva o prejuízo porque não sabe a procedência e pode ser prejudicial à saúde. Quando é feita uma compra em um local que é legal, você tem uma segurança melhor e sabe que se estragar antes do final da garantia, você terá a troca ou será ressarcido”, disse Hermes.
O presidente do Fecomércio ainda ressalta que para combater a pirataria deve existir uma educação desde a base escolar. “Estamos preocupados com contrabando e pirataria. Vamos desenvolver as ações não somente no comércio, mas também nas escolas, que é a base de tudo. Temos que alertar os jovens sobre o que é a pirataria”.
Produtos que são usados em contato direto com o corpo como cosméticos, remédios falsificados, produtos de beleza e perfumes, seriam os de maior risco. “Hoje vemos camelôs vendendo medicamentos, de onde vêm esses produtos? Como são feitos? Já vi gente vendendo cosméticos, medicamentos e isto é um perigo para a integridade física”, conta.
O comércio ilegal, conhecido como pirataria, gera prejuízo de R$ 130 bilhões por ano no Brasil, segundo os dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Este valor é o mesmo gasto somado de saúde e educação no país. A pirataria não recolhe em impostos o montante de R$ 41 bilhões por ano, valor superior ao orçamento previsto para a educação, que é de R$ 31 bilhões para 2017.
A Aliança Latino-Americana Anticontrabando (Alac) estima que o mercado ilegal representa 2% da perda do Produto Interno Bruto (PIB) da América Latina.
O caminho pirata
A Polícia Rodoviária Federal (PRF) apreendeu 217 mil maços de cigarros no ano de 2017. Segundo o policial Raphael Guerra, a maioria dessas apreensões ocorre em regiões fronteiriças, como Cáceres (217 km de Cuiabá) e Pontes e Lacerda (442 km de Cuiabá), ambas situadas na fronteira com a Bolívia.
Outro país de origem de produtos ilegais é o Paraguai, de onde os produtos entram no Brasil por Mato Grosso do Sul (MS) ou Paraná (PR) e posteriormente em Mato Grosso por Rondonópolis (212 km de Cuiabá).
“A maioria que pagamos é cigarro, normalmente ficam escondidos em fundos falsos de carros e também em carretas carregadas de grãos, e eles camuflam nas cargas para despistar os policiais”, disse Guerra.
Em 2016, a PRF apreendeu 220 kg agrotóxicos, 226 mil maços de cigarros, 2 mil eletrônicos, 1,5 mil medicamentos e 14 mil vestuários. Conforme o PRF Guerra, poucas denúncias são feitas de crimes de contrabando, grande parte das prisões ocorre por percepção dos policiais de atitudes suspeitas e abordagens nas rotas próximas das fronteiras.
“Nós realizamos um trabalho de fiscalização rotineira, ficamos vendo os carros aparentemente suspeitos pelas placas e rotas. Às vezes temos denúncias, mas não é comum”, conta.
Raphael disse ainda que o foco da PRF é em cargas maiores. “Normalmente pegamos cargas grandes, em carretas e veículos populares. Em Mato Grosso é o tráfico de drogas e grandes apreensões de contrabando de cigarros”.
Porém, segundo o policial, é difícil combater a pirataria com a estrutura da segurança pública atualmente. O pouco contingente policial nos principais postos da Polícia Rodoviária Federal (PRF) espalhado por Mato Grosso é um deles, além dos poucos carros disponibilizados para fiscalizar, ao mesmo tempo em que a polícia precisa atender ocorrências, como acidentes nas rodovias.
“Isto faz com que os policiais rodoviários atendem em menor proporção no combate à pirataria. Tem toda a fiscalização de trânsito, muitas rodovias e poucos policiais trabalhando. Precisamos mesmo melhorar o efetivo”, relata.
Ainda segundo Guerra, o contrabando é apenas uma parcela do trabalho da PRF nas rodovias. “Imagina quatro pessoas para fiscalizar, fazer boletins de acidentes e o nosso trabalho é simplesmente pegar uma pessoa isolada e não o gerente de tudo”, desabafa.
Decon apreendeu 1.702 produtos falsificados em 2017
Através de denúncias anônimas e levantamentos de investigadores, a Delegacia Especializada do Consumidor (Decon) já prendeu cinco pessoas em operações, e 1.720 mercadorias piratas em 2017.
A Polícia Judiciaria Civil informou que nas duas operações Falsus que ocorreram nos meses de abril e maio foram apreendidos 553 produtos. Já nas três etapas da Operação Pirataria que aconteceram entre os meses de setembro e outubro foram apreendidos 1.149 produtos.
Todo o material apreendido é encaminhado à Perícia Oficial e Identificação Técnica (Politec) para perícia, assim que os proprietários das marcas originais enviam o modelo padrão este é confrontado com o “pirata”. “Após a confirmação da falsidade, os comerciantes serão indiciados e os inquéritos concluídos seguirão para o Ministério Público para início da ação penal criminal”, declarou.
Conforme o delegado, as pessoas relacionadas à marca original vão até o local e descobrem que seus produtos estavam sendo adulterados e ou estão usando o nome da empresa sem autorização. “Esses materiais apreendidos, depois de identificados como falsos, são incinerados por ordem da própria empresa”, disse o delegado.
Araújo conta que muitas pessoas pedem que sejam doados os produtos apreendidos, porém, não pode haver doações por questões de saúde. “Quando há operações como esta, muitas pessoas pedem que sejam doados os produtos apreendidos, principalmente quando sabem que são produtos de marcas muito famosas, porém não pode haver doações. Esses produtos não passaram pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e podem ser tóxicos”, explica.
Produtos falsificados são incinerados
O trabalho de combate à pirataria do Decon é seguido por representação das marcas ou por denúncias anônimas e levantamentos dos investigadores. Segundo a Polícia Judiciária Civil (PJC), já foram executadas cinco operações em 2017, apreendendo 1.702 mercadorias piratas.
A PJC informou que nas duas operações Falsus que ocorreram nos meses de abril e maio foram apreendidos 553 produtos. Já nas três etapas da Operação Pirataria, que aconteceram entre os meses de setembro e outubro, foram apreendidos 1.149 produtos.
Centro Histórico de Cuiabá é invadido por ambulantes
Local de maior movimento de Cuiabá, o Centro Histórico está completamente tomado por ambulantes. Conforme o secretário de Ordem Pública, Leovaldo Emanoel Salles, eles vendem seus produtos na frente de lojas, praças e calçadas.
“A nossa cidades está feia com tudo aquilo. Devemos dar dignidade para as pessoas que andam por ali. É comum a gente ver pessoas andando no meio da rua porque as calçadas estão tomadas pelos ambulantes. No Centro eles não vão ficar mais, estamos organizando várias retiradas”, declarou.
A Prefeitura de Cuiabá declarou que irá retirar quantas vezes for necessários os ambulantes da região central da capital. Segundo o secretário, o vaivém dos camelôs deve acabar. “Nós oferecemos o Centro Comercial Popular que fica na região do Porto, mas eles não gostam de lá. Mas a limpeza no Centro Histórico é necessária e vai acontecer após a revitalização”.
O secretário conta que várias lojas do Centro estão em processo de falência por causa da concorrência desleal dos ambulantes. “É injusto, lojistas que estão fazendo o certo, pagando impostos, gerando emprego, arrecadando para o município. Entendemos a crise, mas precisamos desocupar o Centro Histórico e a maioria destes produtos é fruto de contrabando e isto é errado”, disse.
Os riscos dos produtos piratas
O Programa de Proteção e Defesa do Consumidor Mato Grosso dá dicas de como identificar os produtos falsificados. “Veja os locais em que está comprando, a credibilidade é importante. Os produtos originais têm o selo do certificado do Inmetro, mas hoje isto não garante, a dica principal é pedir a nota fiscal de origem; se o produto for suspeito, denuncie”, alerta Ivo Vinícius Firmo, gerente de fiscalização do Procon.
O Procon alerta que os produtos falsificados pode causar danos à saúde e a segurança. “Se você compra um celular falsificado, ele pode explodir em você. Um brinquedo para criança, por exemplo, tem um risco de uma peça se soltar fácil e a criança engolir”, diz.
Firmo ainda fala sobre os seus direito no caso de compra de um produto falsificado. “Se a pessoa comprou um produto pirata sem saber, foi enganado. Se ela procurar o Procon, pedimos a nota fiscal do produto na loja. Se não tiver, então é obrigatório a empresa devolver o dinheiro ou dar um produto original”, diz.