O povo Nambiquara do Cerrado crê que a libélula, matitisu, moradora da Figueira sagrada suspensa no céu, possui o poder da chuva. Há muitos e muitos anos, o espírito Dauasununsu, morador da árvore sagrada suspensa no céu, encarregou o inseto para distribuir chuvas para as gentes lá de baixo. Ao seu talante, com seus minúsculos pés a bater um no outro, fazia chover com as águas da lagoa celestial.
As gentes de baixo não gostavam nem um pouco do trabalho de matitisu porque ora chovia demais, ora chovia de menos. Dificilmente acertava a quantidade de chuva necessária ao trabalho da caça, do plantio, da coleta. Somente um homem velho conseguiu sobreviver à desordem do inseto voador.
O homem velho só tinha uma saída: descobrir onde estavam as raízes da árvore sagrada. Precisava encontra-las, subir até à copa da árvore para conhecer a libélula e lhe ensinar corretamente o tempo e a quantidade de chuva propícios ao bem viver, na busca da harmonia entre os seres sobrenaturais, a natureza e os seres humanos. Mas, onde estavam as raízes suspensas daquele misterioso vegetal? Desesperançoso, sentou-se.
As almas, que lá da copa da árvore assistiram todo o esforço do homem velho, jogaram um cipó, alertando-o para segurá-lo firmemente e fechar os olhos durante o percurso. As bondosas almas puxaram o cipó para que o homem atingisse a copa da árvore sagrada para conversar com matitisu. Assim que chegou, foi prevenido a não dirigir a palavra ao colérico gavião.
Ao encontrar com matitisu, o homem velho ensinou que quando uma florzinha amarela desabrochasse no cerrado não poderia fazer chover. A delicada flor avisava que havia chegado o tempo de cuidar da terra para os trabalhos da roça; participava também as abelhas o momento de produzir mel. Deveria fazer chover somente com o estrondo das trovoadas e a cantoria das cigarras. E assim se fez. Matitisu aprendeu a lição dada pelo homem velho, morador das terras debaixo da árvore sagrada. O tempo das águas e da estiagem estava amansado pelo conhecimento ancestral das gentes Nambiquara.
Anna Maria Ribeiro Costa é etnóloga, escritora e filatelista na temática ‘Povos Indígenas nas Américas’.