Cultura

“A Incrível História de Adaline”

A delicada eternidade de Adaline: um ensaio sobre o tempo, o amor e a coragem de sentir

A Incrível História de Adaline é uma mistura delicada de narrativa, emoção e estética, que se entrelaçam para construir uma experiência quase contemplativa. A vida de Adaline, suspensa no tempo, torna-se espelho de nossas próprias inquietações diante da passagem e da falta dela.

Na trama Adaline Bowman (Blake Lively) nasceu na virada do século XX, e tinha uma vida normal até sofrer um grave acidente de carro, quando então, ela, milagrosamente, não consegue mais envelhecer, se tornando um ser imortal com a aparência de 29 anos e, assim, ela vive uma existência solitária, nunca se permitindo criar laços com ninguém, para não ter seu segredo revelado. Até que ela conhece o jovem filantropo, Ellis Jones (Michiel Huisman), um homem por quem pode valer a pena arriscar sua imortalidade.

Adaline carrega a juventude eterna como quem carrega uma joia rara, mas pesada. A imutabilidade de seu corpo contrasta com o envelhecer do mundo à sua volta, criando uma solidão quase palpável. Há nela uma elegância melancólica, esculpida em anos de fugas, de nomes trocados, de despedidas que nunca deixam de doer.

Ela vive protegendo-se do afeto, como se temesse que o amor revelasse sua verdade mais profunda: a de que sua eternidade é, na verdade, uma prisão.

Essa sensação de suspensão é amplificada pela fotografia do filme, que adota tons suaves, iluminação difusa e uma composição que exala delicadeza. As cores ora parecem repousar sobre Adaline, ora a destacam do ambiente, como se o mundo ao seu redor envelhecesse em outra velocidade. Há um brilho sutil que acompanha a protagonista, quase como um reflexo da juventude que carrega, reforçando a simbologia de sua condição única. Cada enquadramento parece convidar o espectador a sentir, mais do que apenas observar.

A trilha sonora, por sua vez, opera como fio invisível entre emoção e tempo. Mistura melodias clássicas com notas suaves, que evocam nostalgia e saudade: emoções que definem a vida de Adaline. Os violinos, discretos e contínuos, parecem ecoar o desejo reprimido dela de permanecer, de amar, de se permitir viver. A música nunca se impõe; ela acompanha, como se respeitasse a fragilidade da história, mas ao mesmo tempo a enriquecesse com uma atmosfera quase mágica.

Quando Ellis surge, não é apenas na narrativa que uma fresta luminosa se abre. A própria linguagem cinematográfica parece respirar de outra forma. A câmera se aproxima mais, os tons se tornam ligeiramente mais quentes, e a trilha ganha delicada esperança. Ele é o convite que Adaline tanto temia e tanto precisava: o convite ao risco, à entrega, à coragem de sentir novamente. Aos poucos, ela percebe que o tempo, esse inimigo íntimo, não precisa ser combatido; pode ser vivido.

O filme nos ensina que não é a quantidade de anos que molda uma vida, mas a intensidade das escolhas que fazemos. Adaline viveu muitas décadas, mas viveu pouco. Ela mediu cada passo, controlou cada sentimento, fugiu de cada vínculo que ameaçasse torná-la visível demais. Mas, ao se permitir amar, reencontra a humanidade que há muito deixara adormecida. Descobre que não é preciso atravessar a vida ilesa; é preciso atravessá-la inteira.

Quando finalmente volta a envelhecer, não há dor, mas há libertação. A fotografia abandona os brilhos que a acompanhavam e abraça a textura natural do tempo. A trilha passa a cantar vida. Envelhecer torna-se enfim o gesto de pertencimento que ela buscou por tantos anos. Adaline renasce. Renasce humana, vulnerável, real.

O filme, com sua técnica cuidadosa e sua poesia visual, nos recorda que a existência só ganha sentido quando permitimos que o tempo nos toque e nos transforme. Nas marcas que virão, nos amores que ficarão, nos riscos que decidimos assumir, está a beleza verdadeira da vida. E Adaline, que por tanto tempo transitou como sombra de si, encontra enfim aquilo que jamais o tempo poderia roubar: a profundidade de viver.

Vale a pena assistir.

Olinda Altomare é magistrada em Cuiabá e cinéfila inveterada, tema que compartilha com os leitores do Circuito Mato Grosso, como colaboradora especial.

Olinda Altomare

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Olinda Altomare é magistrada em Cuiabá e cinéfila inveterada, tema que compartilha com os leitores do Circuito Mato Grosso, como colaboradora especial.

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