Tudo começou nos primeiros meses de 2013. Foi nessa época que a Gerência de Combate ao Crime Organizado (GCCO), então comandada pelo delegado Flávio Henrique Stringueta, identificou as primeiras atividades do Comando Vermelho em Mato Grosso. Nesse tempo, a inteligência da Polícia Civil identificou que o mentor da facção no estado seria Sandro Silva Rabelo, conhecido como Sandro Louco, hoje preso na Penitenciária Federal de Catanduvas (PR).
Em conversa com o Circuito Mato Grosso, o delegado Flávio Stringueta revelou que as atividades da facção foram descobertas por meio de interceptações telefônicas, quando foi identificado dentro do sistema prisional um grupo de detentos liderados por Sandro Louco e que faziam parte de um “conselho final” do Comando Vermelho no Estado.
Segundo o delegado, a equipe de inteligência identificou aproximadamente oito membros que faziam parte desse conselho. Além de Sandro, foram identificados como líderes Renato Sigarini, conhecido por Vermelhão, Miro Arcângelo Gonçalves de Jesus, o Miro Louco ou Gentil, e Renildo Silva Rios, conhecido por Nego, Negão, Liberdade ou Snype.
“Por meio das interceptações, fomos captando quem era quem dentro da unidade prisional e, pelas conversas, identificando os líderes e mentores. Quando a Operação Grená foi realizada, oito chefes da facção, identificados, foram transferidos para presídios federais, porém novos líderes foram surgindo ao longo do tempo”, informou Stringueta.
Em 2013, as investigações da Polícia Judiciária Civil de Mato Grosso qualificaram 255 membros, mas esse número passava dos 300 entre detentos e criminosos soltos que passaram a se filiar à facção criminosa.
A partir daquele momento, a polícia, por meio da GCCO e da diretoria de inteligência da Polícia Civil, passou a intensificar as investigações a fim de descobrir o modus operandi dos criminosos.
“Foi identificado que, de dentro das unidades prisionais, os líderes mandavam ordens para o lado de fora e os que estavam soltos passaram a cobrar dinheiro dos donos das bocas de fumo e a cometer crimes como roubos e homicídios”, revelou o delegado.
A polícia não parou de atuar no setor de inteligência e novos nomes foram surgindo com o tempo e sendo identificados como possíveis líderes da facção que começou a se espalhar pelos 141 municípios de Mato Grosso.
Quando as investigações foram intensificadas, o delegado Flávio relata que houve uma integração entre Polícia Civil e o sistema prisional, pois todo material apreendido eram provas e novas descobertas eram feitas. “Utilizamos todo tipo de atividade de inteligência tanto da Polícia Civil quanto do Sistema Prisional e confirmamos que realmente estava intensa a arregimentação de pessoas para o Comando Vermelho. Isso passou a preocupar as autoridades policiais e do sistema prisional”.
Em uma dessas interceptações, até uma ordem para matar desafeto foi captada pela equipe de inteligência da polícia. “Uma conferência entre presos e demais pessoas foi captada e, nessa reunião, foi dada a ordem para matar um desafeto da facção. Tudo isso a equipe identificou e assim foi desmantelando os líderes e integrantes”, conta.
A Polícia Civil e a Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sesp) realizaram diversas operações em combate à facção no estado. Destaque para as operações Grená, Ares Vermelho e 10º Mandamento.
Mais de 548 ordens judiciais
Ao longo de aproximadamente cinco anos de investigações, escutas e ações, a polícia saiu às ruas para cumprir mais de 548 ordens judiciais a fim de prender membros do Comando Vermelho no Estado e vários líderes foram identificados e constatado que, de dentro do próprio presídio, saía o gerenciamento dos membros do lado de fora.
Detentos que participam ou disseminam facções têm acrescida uma nova pena às que eles já cumprem em regime fechado, de acordo com a Lei do Crime Organizado (12.850/2013), que informa no artigo 2º: “Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa a pena é reclusão de três oito anos e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas”.
Para os líderes da facção que são identificados pela polícia, de acordo com o parágrafo 3º do mesmo artigo, há novo acréscimo: “a pena é agravada para quem exerce o comando, individual ou coletivo, da organização criminosa, ainda que não pratique pessoalmente atos de execução, com pena aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços)”.
Em entrevista coletiva na quarta-feira (14), o atual delegado titular da GCCO, Diogo Santana, informou que toda ação, seja vídeo, foto ou telefonemas realizados que citem a facção, são investigados para que o possível integrante seja localizado.
“Toda foto que aparece, vídeo ou áudio, seja de quem for, é investigado pela equipe de inteligência, para primeiro checar a veracidade dos fatos. Havendo isso, ordens judiciais são cumpridas em desfavor do suspeito e essa pessoa, se for presa, responderá ao crime previsto na Lei 12.580, a lei do crime organizado”, explicou o delegado.
De acordo com a própria Polícia Civil, ações vêm sendo realizadas para neutralizar a atuação das facções. Inclusive o governador Pedro Taques (PSDB), em recente entrevista, disse que as facções não terão vez no estado: “Nós temos que dizer de forma objetiva: Mato Grosso não é o Rio de Janeiro; aqui, facções criminosas não têm vez”, afirmou.
Secretário da Sesp, Gustavo Garcia disse que as ações do Comando Vermelho estão sob controle no Estado. “A segurança do Estado demonstra que todas as nossas ações são feitas com planejamento, por isso elas são silenciosas, firmes e eficientes. Muitas vezes a sociedade anseia por respostas rápidas, mas o nosso compromisso é com a verdade real dos fatos e trabalhamos com esses fatos, por isso nós temos o nosso tempo e a pressa é inimiga de uma boa investigação”, pondera.
Esquemas desmantelados
Em cada nova operação realizada pela Polícia Civil, uma etapa da facção é desmantelada, no intuito de coibir as ações do bando em Mato Grosso. A primeira delas, a Operação Grená foi realizada na intenção de descobrir como funcionava e quem fazia parte da organização criminosa.
“Quando soubemos da instalação do comando em Mato Grosso, as investigações se aprofundaram a fim de identificar quem eram os integrantes e foi descoberto que eram cooptados criminosos com envolvimento no tráfico de drogas, roubos, furtos, estelionatos, apologia ao crime, homicídios, latrocínios e explosões de caixas eletrônicos, cada um com uma função diferente”, contou Flávio Stringueta.
A Operação Grená II descobriu novos líderes e a expansão da facção nos demais municípios.
“O que mudou de uma para outra foi que novos líderes foram descobertos, pois, à medida que íamos prendendo os chefes da facção, outros líderes apareciam. Foi também descoberto como funcionava o esquema, os tipos de crimes praticados pelos membros e vários outros”, completou.
Já a Operação Ares Vermelho, realizada em agosto de 2017, cumpriu ordens judiciais contra membros da facção que participavam de uma rede criminosa responsável por crimes patrimoniais de roubos, furtos, receptação e adulteração de veículos em Mato Grosso.
Durante as investigações, a polícia levantou que a quadrilha movimentou mais de R$ 1,2 milhão no curto tempo. A Operação Ares Vermelho estimou que o grupo criminoso tenha sido responsável por 60% dos roubos e furtos de veículos automotores ocorridos nos três meses da apuração. No período da operação foram contabilizados 682 roubos e furtos de veículos (410 roubados e 272 furtados). À organização foi atribuída a autoria de nada menos que 409 desses roubos ou furtos de veículos na região metropolitana.
A operação Campo Minado buscou prender traficantes que trabalhavam a serviço da facção no intuito de arrecadar dinheiro para sustentar e reforçar o bando. “Foi identificada a ocorrência de que criminosos tomaram grande parte dos pontos de venda de entorpecentes na cidade e que o dinheiro financiava o crime organizado. Muitos traficantes tiveram que passar a dar caixinhas ao Comando Vermelho”, explica Stringueta.
A principal detida na operação foi Yulli Carla Macedo, mulher do ex-traficante Enatel dos Santos Albernaz, 37, conhecido por Maninho e que foi morto em 2015. Maninho pertencia à facção conhecida como Amigos dos Amigos (ADA), criada em 1994 no Rio de Janeiro por Ernaldo Pinto de Medeiros, o Uê, que havia sido expulso do Comando Vermelho.
Com a morte do marido, Yulli assumiu, segundo a polícia, mais de 50 pontos de venda de drogas e o dinheiro passou a financiar o Comando Vermelho em Mato Grosso.
Na última operação realizada na quarta-feira (14), intitulada 10º Mandamento e conduzida ao longo de 18 meses, as investigações realizadas pela Delegacia Regional de Barra do Garças e a Gerência de Combate do Crime Organizado (GCCO) identificaram que os criminosos estavam articulados para o cometimento de crimes ordenados de dentro de unidades prisionais do Mato Grosso.
A operação, segundo a Sesp, representou o início de medidas de combate ao crime organizado, em resposta às ações da facção existente no interior dos presídios. “É uma estrutura criminosa que não se limitou a esses ataques planejados e orquestrados na cidade de Barra do Garças (distante 515 quilômetros de Cuiabá). Eles emanavam ordens para prática de delitos em todo o estado. As ações pontuais, objeto das investigações, dizem respeito a fatos pontuais de Barra, mas eles emanavam para práticas delitivas de outras situações que estão sendo investigadas, paralelas a essa”, disse Joaquim Leitão, delegado da maior cidade do Araguaia.
Falso poder
Secretário da Sesp, Gustavo Garcia também falou do falso poder atribuído à facção e explicou que a população pode confiar na segurança pública e que a polícia está agindo e pronta para combater o crime.
“O compromisso do sistema de segurança pública é garantir a segurança de todos nós. E sim, os nossos profissionais são extremamente capacitados e motivados. São os verdadeiros responsáveis por garantir a segurança da população”, relatou.
A fala do secretário foi em resposta a um vídeo espalhado nas mídias sociais. Nele aparecem criminosos do Comando Vermelho invadindo o Centro de Educação de Jovens e Adultos (Ceja) Professora Almira de Amorim Silva, no bairro CPA, em Cuiabá, para colocar um grupo de alunos de joelhos em uma quadra poliesportiva e ameaçá-los de tortura, dizendo que não iriam mais tolerar uso de drogas na escola, porque lá havia alunos especiais e também filhos de presos matriculados.
“É melhor nós ‘vim’ aqui do que os ‘homi’ (polícia) e levar vocês algemados pra casa. Na segunda vez que nós ‘pegar’ vocês fumando maconha aqui, nós vamos quebrar vocês ‘tudo’ no pau. Se tiver irmão envolvido, vai arrumar uma disciplina grande também, porque hoje em dia a polícia não resolve mais nada, quem resolve aqui é o comando” – fala um dos bandidos no vídeo.
“Nós temos o compromisso diuturno, seja através do trabalho da Polícia Militar que vem reforçando as ações preventivas e repressivas em todo o Estado, dos bairros mais nobres aos mais periféricos, seja pela Polícia Civil que faz um belíssimo trabalho nas delegacias, mas também dando suporte ao combate ao crime organizado pela GCCO. Nós, no estado de Mato Grosso, privilegiamos a investigação, a repressão qualificada e a inteligência policial”, garantiu Gustavo.
O delegado Diogo Santana também reforçou que muitos vídeos que circulam nas mídias sociais como sendo de autoria de integrantes do Comando Vermelho na verdade são falsos e nem de Mato Grosso são, mas feitos por criminosos que buscam entrar no CV ou mesmo para aparecer no mundo do crime.
“Sempre que chega um vídeo ou um ‘salve’ da facção, primeiramente buscamos saber a veracidade desse vídeo, pois sabemos que nas redes sociais a divulgação e difusão desses vídeos hoje em dia são muito rápidas. Então, muitas vezes recebemos uma gravação de outro estado sendo divulgada como se fosse aqui de Cuiabá, e não é. Por isso trabalhamos com a inteligência”, confirmou Diogo.
Origem do CV em Mato Grosso
Como falado anteriormente, a instalação da facção no Estado foi em 2013, quando o então ex-integrante do Primeiro Comando da Capital (PCC) Sandro Louco conheceu Luiz Fernando da Costa, conhecido como Fernandinho Beira-Mar, na Penitenciária Federal do Rio Grande do Norte. Ao ser recambiado novamente a Mato Grosso, ele implantou a facção dentro da PCE.
“O que sabemos é que quando o Sandro voltou para Cuiabá a questão de facções não era forte no estado, e ele, juntamente com os seus aliados, seguiu os moldes do CV no Rio de Janeiro e passou a cobrar disciplina e que o estatuto fosse cumprido por parte dos demais presos, fazendo com que em pouco tempo a facção ganhasse notoriedade dentro dos presídios do estado”, explica o delegado Flávio Stringueta.
Com as investigações, a GCCO descobriu o alto nível de organização da facção, bem como documentos e arquivos em pen drives, contabilidade, diretoria e inclusive a pessoa responsável pelos recursos humanos do Comando Vermelho.
Em questão de tempo, a facção foi crescendo e tomando conta das unidades prisionais de Mato Grosso. Para o presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários de Mato Grosso (Sindspen), João Batista Souza, faltou pulso do governo na época para controlar o crescimento do número de membros no estado.
“Houve irresponsabilidade de secretários em agir contra o crime organizado em Mato Grosso, porque já em 2013 foi identificado pelo Núcleo de Inteligência o crescimento do Comando Vermelho em Mato Grosso. A Operação Grená (de 2014) conseguiu diagnosticar e identificar líderes do grupo, mas nada foi feito para tentar parar esse avanço. Hoje, estamos em uma situação calamitosa”, disse.
“Na época houve um erro de estratégia por parte da segurança pública, que ao invés de mandar alguns cabeças para fora de Mato Grosso acabou mandando os presos perigosos para o interior. Tirou a comunicação deles na capital, porém ao chegarem ao interior acabaram recrutando mais integrantes, ramificando assim a facção”, revelou João ao jornal.
O CV, visando à expansão da facção criminosa, estabeleceu duas principais ações iniciais importantes. A primeira foi a criação de um “conselho”, denominado “conselho do estado” ou “conselho final”, composto por reeducandos do mais alto nível de conhecimento sobre as regras do estatuto. Na estrutura do “conselho final” há os cargos de presidente, vice-presidente, porta-voz e tesoureiro.
A segunda ação, tida como crucial para o desenvolvimento da facção, foi fixar autonomia em relação ao Comando Vermelho do Rio de Janeiro, não tendo que prestar contas das atividades e nem efetuar pagamentos mensais. No entanto, existe uma aliança entre as duas facções. A facção mantém controle sobre seus membros e os atualiza quanto às decisões tomadas pelo comando e faz cumprir à risca o estatuto da facção.
Dezesseis itens com 12 subitens devem ser incorporados pelos membros, e as regras usadas em Mato Grosso seguem as normas empregadas pelo CV do Rio de Janeiro. O artigo 5º do estatuto deixa claro que punições visam a quem “pisar na bola”.
“A organização está acima de qualquer membro, interesses pessoais e não erra; cortamos na própria carne as decepções, punindo sempre o errado, àquele que se omitir diante de erros de irmãos; é prevalecida sempre a razão. Para atingir o patamar de eficiência que almejamos, o expurgo será constante quando se fizer necessário”, diz trecho do estatuto.
Justiça falha
Mesmo com o árduo trabalho das forças de segurança para combater o Comando Vermelho no estado, as brechas nas leis existentes faz com que alguns detentos considerados de alta periculosidade pertencentes à facção sejam colocados em liberdade no regime semiaberto, com uso de tornozeleira eletrônica.
Vários investigados por participar do CVMT já foram colocados em liberdade, inclusive Reginaldo Miranda, conhecido pelo apelido de Bongo, membro do conselho final da facção e que participou do sequestro do sócio da rede de Supermercados Big Lar, Jair Ruvieri de Souza, em outubro de 2002.
Desde 2002, Bongo é preso e posto em liberdade constantemente, mesmo sendo considerado de alta periculosidade e condenado a 55 anos, quatro meses e três dias de prisão. Ao ser solto em 2013, em um alvará expedido pelo juiz Geraldo Fernandes Fidelis Neto, a defesa de Reginaldo alegou que o cliente não era uma pessoa perigosa e na época já havia cumprido um sexto de sua pena.
Pouco tempo depois do regime semiaberto, Bongo voltou a ser preso pela Polícia Civil em flagrante, no dia 23 de outubro de 2014, em posse de explosivos, drogas e munições, no bairro Ouro Verde, em Várzea Grande, durante uma ação da Delegacia Especializada de Repressão a Roubos e Furtos de Veículos (Derrfva). Na ocasião, Reginaldo e o seu comparsa apresentaram documentos falsos, mas tiveram a verdadeira identidade revelada pela polícia.
Em um perfil traçado pela Polícia Civil sobre Bongo, aponta-se que o réu foi condenado por diversos crimes, sendo um deles pela extorsão mediante sequestro de Jair Ruvieri. É considerado membro do CVMT e dono de altíssima liderança, considerado braço-direito do conselho final, participando de decisões referentes a punições impostas por este a outros reeducandos. O relatório também aponta que o criminoso tem condenações por assalto em Sinop e Várzea Grande; por porte ilegal de arma de fogo em Várzea Grande; responde por assalto em Jaciara e por um homicídio e dois assaltos em Cuiabá.
Mesmo diante da vasta ficha criminal, o detento foi colocado novamente em liberdade no dia 29 de junho de 2016 pelo juiz Geraldo Fidelis.
"No tocante ao requisito subjetivo, o penitente foi submetido a exame psicossocial, oportunidade em que a perícia realizada intramuros na data de 20 de abril de 2016 evidenciou elementos acerca da personalidade do penitente, ao consignar às fls. 1744/1749, que… O reeducando se apresenta predominantemente com uma postura franca, tranquila e cooperativa, revelando poucos sinais de ansiedade e desconforto. Demonstra consideração pelas consequências negativas que suas ações criminais tiveram. Esperançoso quanto à possibilidade de progressão de regime, o reeducando traça planos a curto, médio e longo prazo compatíveis com um processo de ressocialização adequada”, diz trecho da decisão de Fidelis.
Em 2015, a juíza Selma Rosane Arruda, da Sétima Vara Criminal de Cuiabá, colocou em liberdade Paulo Cesar dos Santos, Janieth Aparecida Felismina Rodrigues, Luenio Cesar Rondon Rocha e Paulo Henrique Rodrigues Costa, todos presos durante a Operação Grená, desencadeada pela Polícia Civil.
“Apesar de possuírem antecedentes e ou já terem sido condenados por outros processos, inclusive alguns são reincidentes, ainda que nestes autos, se condenados, possam merecer regime mais gravoso, já estão reclusos por lapso temporal suficiente a ensejar eventual progressão de regime”, alegou a juíza em parte da decisão que liberou os acusados.
O sequestro dos 92 dias
O cenário era Várzea Grande, o dia era 3 de outubro de 2002. A vítima? O sócio-proprietário da rede de supermercados Big Lar Jair Ruvieri de Souza. Ele foi rendido por quatro homens encapuzados e com luvas brancas que o sequestraram quando chegava à casa da namorada, no bairro Nova Várzea Grande.
A vítima foi levada a um cativeiro a menos de dois quilômetros de onde foi raptado. No local, os criminosos mantiveram Jair preso em um cubículo trancado como se fosse uma jaula por 92 dias, cometendo o segundo mais duradouro sequestro da história de Mato Grosso.
Os sequestradores queriam o valor de R$ 1,5 milhão para liberar a vítima, mas esse dinheiro não chegou a ser pago, pois a polícia conseguiu resgatar o empresário antes de as negociações financeiras serem efetivadas.
Na época, o modus operandi do sequestro chamou a atenção da polícia, que chegou a acreditar que os envolvidos não seriam de Cuiabá, tamanha a organização do bando. Os criminosos entravam em contato com a família por telefone e deixavam fitas VHF em pontos diferentes da cidade com informações do empresário e exigências, e a família chegava ao material após a indicação dos bandidos de onde estariam as VHFs.
Após as investigações, a polícia concluiu que os cabeças do sequestro seriam Reginaldo Miranda e o ex-policial militar de São Paulo Edmilson de Carvalho. O ex-militar foi o responsável pela compra da casa onde foi montado o cativeiro, de muros altos e vigiada por pelo menos dois sequestradores todos os dias. Reginaldo era o coordenador das ações do bando em Várzea Grande.
Falta de presídios obrigou juízes a conceder liberdade aos integrantes do CV
A onda de violência e insegurança em Cuiabá teria ligação com os poderosos que comandam o crime o organizado na cidade? O fato é que nos últimos anos a justiça concedeu liberdade a presos que foram considerados de alta periculosidade.
Em 2013, em um alvará, o juiz Geraldo Fernandes Fidelis Neto, atuante na Vara de Execuções Penais, concedeu liberdade ao preso conhecido como Bongo. O reeducando, em 2002, foi condenado a 55 anos, quatro meses e três dias de prisão.
E as liberdades não terminam por aí. Em 29 de junho de 2016, o juiz Fidelis concedeu mais uma. Em 2015, a juíza Selma Rosane Arruda, da Sétima Vara Criminal de Cuiabá, também concedeu progressão de pena aos cincos integrantes do Comando Vermelho presos na operação Grená, deflagrada pela Polícia Civil.
O Circuito Mato Grosso procurou o juiz responsável pela soltura de alguns dos integrantes da organização para entender por que foi concedida liberdade a criminosos que representam risco iminente aos demais membros da sociedade.
Nas palavras do juiz Geraldo Fernandes Fidelis, a “soltura faz parte da progressão de regime fechado para o semiaberto”. Neste caso, é utilizado equipamento de monitoramento no preso, a tornozeleira eletrônica.
Embora essa medida não seja notoriamente segura, o juiz alerta que a escolha é necessária, pois existem falhas cometidas pelo próprio Estado, uma vez que não houve construção de colônias penais para abrigar a população carcerária de Mato grosso.
Ainda de acordo com Fidelis, o Código de Processo Penal, junto com a Lei de Execução Penal, “não faz distinção entre participantes ou não de organização criminosa”.
Uma resposta para os questionamentos é muito difícil, pois toda situação é bastante complexa, mesmo colocando em risco a segurança da sociedade.
“Se o sistema não informa isso e a pessoa em estado de prisão perfaz os requisitos objetivo (tempo) e o subjetivo (exame psicológico ou criminológico), a lei impõe a progressão”, relata o juiz.
O fato elucidado nas explicações do juiz é simples e clara, pois mesmo que houvesse o desfavorecimento do magistrado para o preso, isso seria caracterizado como desobediência da lei e o tribunal concederia direito de liberdade até mesmo pelo habeas corpus.
Diante de toda situação, como responder onde estão presentes as falhas? “A falta de construção de colônias penais, a necessidade de um controle de tornozeleiras, falta de programas sociais para inserção do egresso do sistema prisional no mercado de tralhado. A questão não é tão simples”, comenta Fidelis.