Na cosmopercepção do povo indígena Nambiquara, Haluhalunekisu é uma grande Figueira suspensa no céu! Suas raízes a ralar o solo em movimentos ora brandos, ora turbulentos estabelecem conexões entre o céu e a terra. O Nambiquara do Cerrado tem conhecimento de que a purificação do vegetal deve ser feita com constância. A vida dos anunsu, como se autodenominam os grupos da etnia Nambiquara, e dos kwajantisu, os não indígenas, precisa estar em equilíbrio. Uma tarefa árdua, desempenhada pelo pajé.
Esta tarefa é alimentada pelo repertório musical do pajé, entoado nas sessões noturnas de cura. “O filhote de gavião está chorando” porque “debaixo dela está muito sujo”. Essa impureza refere-se às atitudes desacertadas dos habitantes da Terra.
O pajé, com o enfeite nasal de pena de gavião, viaja para a copa da Figueira, também morada do gavião, Tauptu, que vive no vegetal, na ramagem superior da árvore. De enorme asas, garras e cauda. Pajés afirmam que seus galhos são feitos de ossos humanos. Os que nunca viram, não duvidam. Tauptu, ao defecar, sempre à noite, deixa o rastro luminoso de suas fezes na escuridão celestial. É a estrela fugaz. A estrela cadente. A anunciação da presença da ave de rapina em vigília.
Tauptú não provoca doença às pessoas. Mas, ao adoecerem, devora seus corpos e leva seus ossos para seus domínios. Uma mulher menstruada evita afastar-se de sua aldeia. Torna-se alvo da ave de rapina. Às descuidadas, o espírito do gavião bebe seu sangue e captura sua alma, levando-a para sua moradia, impedindo de seguir para a montanha das almas, para onde devem seguir as almas após a morte.
A Figueira não está incólume às crueldades de espíritos maléficos que vivem na Terra. A ‘grande árvore do mundo’ sofre ataques de um aglomerado de atasu, principalmente aqueles que gostam de se alimentar de suas raízes, a interromper propositalmente as conexões entre céu e terra. Mas, Dauasununsu, ser supremo Nambiquara, reina na copa do vegetal. Conhecedor de todas as coisas, tem seus mistérios para debelar as maldades do mundo. Para isso, precisa de força. Força proveniente das boas ações dos seres humanos.
Anna Maria Ribeiro Costa. Etnóloga, escritora e filatelista na temática ‘Povos Indígenas nas Américas’.