Opinião

A Escolha

                             Desde muito jovem aprendi a gostar de futebol e a torcer pelo clube do coração através do rádio, veículo que até hoje chega a todos os lares desse Brasil. Jogava minhas “peladas” num lote gramado perto de casa onde os pais assistiam e torciam pelos filhos. Meu pai ia de vez em quando, mas estava lá sempre que podia. E já começava a me contar as histórias do São Paulo, seu amado tricolor. Meu irmão mais velho é são-paulino, como ele, e sendo meu padrinho de crisma  isso colocava uma certa pressão para que eu também fosse torcedor do clube do Morumbi. Eu resistia e procurava sempre adiar essa decisão, pois já havia feito minha escolha há algum tempo.

                              Na escola eu ia muito bem e era um dos melhores alunos, o que enchia de orgulho meu saudoso pai. Era estudioso e gostava dos livros que absorviam meu tempo livre e me levavam para o mundo da imaginação. Enciclopédias como O Trópico, Universo e Humanidade, Barsa, livros de Contos Brasileiros, Poesias, enfim, todos ajudaram na minha formação. Toda essa dedicação levou meu pai a me convidar para um passeio até São Paulo, como prêmio pelos meus esforços. A viagem de trem levava um dia, com uma parada em Bauru para baldeação. Era cansativa, mas eu estava de férias escolares e não via a hora de chegar na capital, nesse mundo novo que não conhecia.

                                São Paulo era deslumbrante para um menino que sempre viveu no interior, seus prédios, seus carros e o seu povo, sempre correndo e congestionando as calçadas. E o futebol. Naquele verão estava sendo disputado o Torneio Rio-São Paulo e papai me levou para ver Santos e São Paulo, clássico paulista e para a minha decisão definitiva de me tornar tricolor. Mal sabia ele que eu já havia elegido meu clube e que acompanhava ao pé do rádio todos os seus jogos, sabia de cor e salteado o nome dos jogadores e estava em estado de êxtase com a possibilidade de vê-lo em campo. Só não imaginei que minha confissão iria deixar o velho um pouquinho chateado.

                                 O futebol é um mundo mágico onde todos os torcedores se esquecem dos problemas durante 90 minutos, que podem parecer pouco, mas é um bálsamo para aqueles que amam o esporte. Entramos, conseguimos um bom lugar e esperamos o início do espetáculo. Ele tranquilo, afinal, seu time já era glorioso e tinha o segundo maior estádio do país, perdendo apenas para o Maracanã. Eu estava nervoso, a novidade de estar dentro de um templo completamente tomado pelo público e perto do início do jogo me deixava tenso. Olhava para meu pai e pensava: ele vai me esculhambar. Traidor, pensei que você seria como eu, Tricolor.

                                   O jogo foi jogado com maestria, uma equipe de camisas listradas em preto, branco e vermelho, endividada pela construção do seu belíssimo campo, com um plantel menos forte e uma folha de pagamento mais barata e, do outro lado uma camisa branca, calção branco e meias brancas, um esquadrão arrasador, que me fez vibrar e gritar a todo momento. O grande Santos, maior clube do mundo, impôs uma derrota acachapante ao adversário: 4X1. Papai me olha sem acreditar em tamanha decepção, mas seu fairplay foi fantástico. “Você escolheu o melhor. O importante é ter um time para se torcer não importa qual. Isso é uma das melhores coisas da vida”. Depois disso não se falou mais em quem deve torcer pra quem.

Paulo Arantes

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Apreciador do cinema, música, literatura e futebol, colabora com o Circuito Mato Grosso desde a sua fundação, em 2004, como jornal semanal impresso.

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