Utopia é a palavra que usamos para designar algo que, por várias circunstancias que impedem sua realização, talvez só exista em nosso sonho e desejo de concretização, mas nunca no presente, embora possa existir no futuro. Nos últimos dias venho pensando muito na relação de nossos projetos de preservação da natureza e isso, automaticamente, nos leva a refletir sobre o modelo de mundo em que desejamos viver. Naturalmente todos desejam um mundo melhor, obstante, a proporção de nosso desejo se torna utopia quando o mundo melhor que desejo é o melhor para mim e não para o todo. Em verdade precisamos ter a consciência de que a ideia de um mundo melhor parte do principio de que o melhor real é sempre abrangente e coletivo. Um melhor para mim é menos utópico, é verdade, mas também é passageiro e ilusório; já o melhor para todos persiste e por isso é verdadeiro e transcendente.
Naturalmente nossa geração não é a primeira a desejar um mundo melhor, pois, na verdade, mesmo em situações boas o homem ainda deseja estar melhor, obstante, desejar e fazer são verbos diferentes com pesos marcadamente diferentes. Enquanto a grande maioria apenas deseja, alguns poucos, mas pelo menos alguns, fazem o desejo se tornar realidade. Essa ideia me faz lembrar alguns lugares específicos pelo nosso planeta onde o desejo de alguns decidiu se juntar aos desejos de outros e se tornar uma realidade onde a ideia de um mundo melhor não é utopia, mas uma verdade real. Exemplo disso é a pequena Auroville.
Nada de ficção, tudo de realidade; Auroville, cujo nome até lembra os livros de J. K. Rowling, é um pequeno município composto de mais de 3.000 pessoas, oriundas de 55 nações diferentes, que carrega a alcunha de ser um município universal. Essa palavra de imediato pode nos parecer estranha, mas, sua essência e significado certamente já foram imaginados por você ao menos em algum momento da sua vida. Imagine comigo: em 28/02/1968, 5.000 pessoas se reuniram em Auroville, elas vinham de 124 nações diferentes e cada uma trazia consigo uma porção de terra de seu país de origem; com sonhos na cabeça e terra nas mãos, essas pessoas lançaram a fundação do município no sul da Índia, sob a proteção da UNESCO, como uma cidade internacional, onde todos os movimentos culturais e ONGs que desejam tornar o mundo melhor possam se reunir para viver pacificamente. Tudo isso sobre o comando de uma sonhadora: Mirra Fassa, chamada de Mãe pelos aurovilianos; Ela dizia “… deveria haver um lugar na Terra que nenhuma nação poderia reivindicar como sua; onde todo ser humano de boa vontade que tivesse uma aspiração sincera poderia viver livre como cidadão do mundo, obedecendo apenas a uma autoridade, a da verdade suprema; um lugar de paz, harmonia e harmonia, onde todo instinto de luta no homem seja usado exclusivamente para superar a causa de seus sofrimentos e misérias, superar suas fraquezas e sua ignorância e triunfar sobre suas limitações e deficiências; um lugar onde as necessidades do espírito e o interesse do progresso prevalecem sobre a satisfação de desejos e paixões ou a busca de prazeres e prazeres materiais ”.
Nenhum sistema politico convencional, nenhuma religião, e total igualdade de sexo são os pontos que mais chamam a atenção quando olhamos para esse município. Mais isso é de se esperar vindo de um municipio que deseja se tornar uma cidade universal onde homens e mulheres de todos os países do mundo possam viver em paz e harmonia constante acima de qualquer diferença. Resumidamente: o objetivo de Auroville é realizar a unidade humana. Simplesmente essa é a cidade utopia da nossa geração.
Naturalmente a cidade foi construída de forma ecológica, afinal, o melhor é sempre coletivo, e prova disso é o fato de que a cidade possui a maior concentração de sistemas de energia alternativa e adequada de toda a Índia, e isso inclui sistemas de geração solar, eólica, e de biogás. A reciclagem, nem seria preciso dizer, é um hábito e com isso a agricultura orgânica é ponto significativo: 15 fazendas que somam 400 acres de agricultura orgânica dentro da cidade garantem seu auto sustento além de, é claro, haver um sistema de reflorestamento constante que já permitiu o plantio de 2.000.000 de árvores, número que é dobrado quando se adiciona a quantidade de plantio que os cidadãos fizeram nas cidades da redondeza. O dinheiro, pasme, não é trocado lá. Tudo que pode ser adquirido na cidade se consegue por meio de troca. Religiões lá não existem, mas, a cidade é profundamente espiritualista: na praça central uma cúpula dourada chama a atenção de quem passa pela cidade; ela se chama Matrimandir e é o único símbolo de espiritualidade oficial no local. As pessoas se reúnem em volta dela, mas nenhum rito religioso é feito ali. As pessoas simplesmente sentam e ficam em silencio. Profunda verdade prática: a espiritualidade
se manifesta no silêncio.
Nas últimas semanas o mundo inteiro tem se voltado para nosso país com o tema de queimadas e degradação ambiental. Ótimo!!! Assuntos importantes e essenciais ganham espaço para discussão, obstante, quem muda o mundo não é a politica, o dinheiro, a religião, ou até mesmo as discussões; quem muda o mundo são os seus moradores, quem muda a sociedade são os seus cidadãos, quem muda a espiritualidade são os espíritos. Desculpas, justificativas, não superam o espaço vazio por decorrência de falta de ação. Não fazer nada é o mesmo que parar como bobo enquanto o vulcão em erupção direciona suas lavas sobre nós, mas, curiosamente, o homem acomodou-se em não agir e a partir disso os sonhos, desejos, passaram a existir ao lado daquilo que definimos como utopia. Utopia é a forma que temos de afirmar que desejamos algo mas não fazemos nada para tê-lo. E os motivos disso serão sempre novos e fartos, afinal, o homem define pela sua vida na proporção em que age e aguarda as consequências.
Não viva uma utopia, mas torne seus sonhos realidades na medida e proporção possível a você hoje. Se fizermos nossos sonhos serem realidades poderá um dia haver um mundo melhor onde o bem não foi escolha nem desejo de um, mas uma ação concreta de todos. O destino e o caminho são esses, e é pra ele que devemos ir. Agir em prol de um mundo melhor é dever de todos assumido por alguns; em qual grupo você está? No grupo dos que sonham ou no grupo dos que agem?
Saravá.